Dilemas Trabalhistas

Buracos negros jurídicos trazem desafios para bancas

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25 de setembro de 2013, 9h54

Justiça e segurança. É isto, basicamente, que o direito busca assegurar. De um lado, o direito tem como função promover uma estrutura social justa, por meio de regras de comportamento e decisões judiciais equilibradas e harmônicas. De outro lado, ele se propõe a garantir — através dessas mesmas regras — um ambiente de convivência no qual as pessoas possam ter certezas no seu trato cotidiano. Assim, por exemplo, os cidadãos sabem que suas casas não podem ser violadas por terceiros, já que a lei lhes assegura o direito à propriedade. Também sabem que devem fazer silêncio após certo horário e que não podem realizar construções sem autorização prévia. Tudo previsto em lei.

Daí ser possível dizer que a lei está em todo lugar. Nada escapa ao direito. E isso é necessário, para evitar situações de incerteza e insegurança. Essa previsibilidade é o que proporciona segurança no trato social.

Mas a sociedade contemporânea, caracterizada pela fluidez de informações, modifica-se com uma velocidade espantosa. E, consequência dessa dinâmica, surgem, aqui e ali, situações que “escapam” dos tentáculos da legislação, denominadas juridicamente “lacunas”.

A própria lei prevê a existência das lacunas e determina como as situações lacônicas devem ser tratadas: na omissão da lei, aplica-se a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito (artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil).

No entanto, existem casos em que uma lei disciplina a matéria, mas, ainda assim, persiste uma impossibilidade concreta de seu cumprimento. Estas hipóteses — que são distintas das lacunas — materializam-se em verdadeiros “buracos negros” jurídicos, esfinges indecifráveis, que trazem ao mesmo tempo insegurança para os cidadãos e desafios incontornáveis aos tribunais e bancas de advocacia.

Esses dilemas aparecem com alguma frequência no dia a dia do trato entre empregador e empregado.

O exemplo mais comum aparece quando o empregado afastado junto ao INSS por motivo médico é declarado apto pela perícia previdenciária para retornar ao trabalho.

Como se sabe, essas perícias nem sempre são criteriosas (para se dizer o mínimo) na avaliação clínica dos segurados. Basta ver a enxurrada de ações que tramitam nos Juizados Federais objetivando o restabelecimento dos benefícios removidos com base em perícias médicas equivocadas feitas pelo INSS.

Nestes casos, o empregador recebe um documento oficial do INSS comunicando que seu empregado está apto e deve retornar ao trabalho. Ordem que, como tal, deve ser cumprida.

Entretanto, um outro comando legal deve ser observado por ocasião do retorno do empregado ao trabalho: ele deve se submeter ao exame médico ocupacional previsto no item 7.4.3.3 da Norma Regulamentadora  7, do Ministério do Trabalho e Emprego.

Com efeito, não é raro que o resultado deste exame médico feito pela empresa por imposição legal — geralmente mais criterioso que o realizado pelo INSS — constate que, na verdade, o empregado não está apto para retomar suas atividades laborativas. E aí surge o buraco negro: o que a empresa deve fazer? Cumprir a ordem do INSS, determinar que o empregado volte ao trabalho e, assim, correr o risco de agravar a lesão ou doença dele? Ou acatar o laudo do exame médico privado feito no retorno do trabalhador, encaminhando-o novamente ao INSS? Neste caso, mantém-se o pagamento de salários? A empresa pode cobrar de volta esses pagamentos caso o benefício seja restabelecido pelo INSS de forma retroativa? Nesta hipótese, qual seria a natureza dos pagamentos efetuados? E os recolhimentos feitos a título de FGTS, contribuições previdenciárias e descontos de imposto de renda, são restituídos às partes?

As soluções que o Poder Judiciário tem dado majoritariamente ao exemplo acima, além de não responderem a todas as perguntas, são superficiais e, no mais das vezes, transferem para o empresário um ônus que não lhe pertence, impondo-lhes o custo de uma justiça social robinhoodiana.

Como este, há outros tantos dilemas insolúveis no campo do Direito do Trabalho, gerando inúmeras perguntas sem resposta. Elas vão das mais básicas — como, por exemplo, “eu posso negociar com a babá do meu filho um acordo de compensação de jornada de trabalho?” — às mais complexas — tal como “é possível efetuar o pagamento de lucros e resultados por meio da entrega de ações de uma companhia?”. Muito mais do que simples dúvidas jurídicas, elas são questões que não encontram resposta na legislação existente e deixam o empregador de mãos atadas diante de situações trabalhistas cotidianas. É de se notar: existe uma lei, mas ela não oferece resposta para o caso concreto.

As razões para o surgimento desses dilemas trabalhistas são muitas, mas convergem em sua origem: o Estado. O Poder Executivo, por exemplo, aplica com descaso seu munus quando, por exemplo, estabelece como diretriz o cancelamento de benefícios previdenciários como política (velada, mas nem tanto) de contenção de despesas na previdência. O Legislativo abusa da febre legiferante, despejando sobre o cidadão uma enxurrada de leis complexas e, por vezes, de qualidade duvidosa. E o Poder Judiciário, mais vítima que infrator, na obrigação de “apagar o incêndio” criado pelos outros dois Poderes, aprecia de forma superficial os buracos negros, proferindo decisões sem avaliar o impacto econômico e social que delas advém.

Diagnosticada a questão, resta torcer por um maior esmero do Estado em sua tríplice função (administrativa, legislativa e jurisdicional). Enquanto isso, aos tropeços, seguimos com as dúvidas, tentando respondê-las ao sabor do bom senso.

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  • Brave

    é Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito Civil-Constitucional pela UERJ. Professor de Direito do Trabalho da Fundação Getúlio Vargas. Advogado associado a BM&A — Barbosa, Müssnich & Aragão, no Rio de Janeiro.

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