Bolsa de valores

Desembargadora vota contra IRPJ em desmutualização

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23 de setembro de 2013, 10h41

Depois de quase seis anos de seguidas derrotas nos tribunais, as corretoras que ficaram com ações da Bovespa quando a Bolsa de Valores de São Paulo deixou de ser uma entidade para se tornar uma sociedade de capital aberto puderam vislumbrar alguma esperança. No dia 9 de setembro, a desembargadora Alda Basto, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, analisando pela primeira vez tese defendida por empresas, proferiu voto defendendo que a transformação dos títulos da Associação Bovespa em ações não geraram ganhos de capital aos seus detentores, pois foi apenas uma permuta.

A questão é discutida desde 2007, quando as bolsas de valores deixaram de ser entidades sem fins lucrativos e passaram a ser empresas de capital aberto. Os antigos detentores de títulos patrimoniais, com essa transformação, passaram a ser acionistas. Esse processo se chama desmutualização. Em São Paulo, isso aconteceu em 2008, quando a Bovespa se juntou à Bolsa de Mercadorias e Futuros, a BM&F.

O que se discute é se devido a essa transformação os detentores de títulos que viraram ações devem pagar Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido calculados por ganho de capital. No caso da Bovespa, a Receita Federal entende que a operação deve ser tributada porque, para que a entidade sem fins lucrativos se tornasse uma empresa, a Associação Bovespa teve de ser extinta para que a Bovespa S/A fosse aberta. Com isso, na prática, teria havido uma devolução de patrimônio aos detentores de títulos, para que eles os transformassem em ações. A devolução, no entendimento da Receita, gerou ganho tributável. E é essa a tese que tem saído vencedora nos tribunais.

Luz no fim do túnel
Ainda é exagero dizer que os acionistas da Bovespa podem comemorar. Mas o voto da desembargadora Alda Basto tem sido celebrado por ser o primeiro que concorda com a tese das empresas. "Até que enfim alguém entendeu a tese que estamos defendendo há seis anos", diz o advogado Vladimir Segalla Afanasieff, que fez sustentação oral no último dia 11 de setembro. 

O voto da desembargadora foi proferido no caso das corretoras Lerosa, Novinvest, Polinvest e Talarico, que contestam autuação fiscal lavrada pela Receita por causa da abertura de capital da Bovespa. As empresas são defendidas pelos escritórios Dias de Souza Advogados e Sergio Afanasieff Advogados Associados. O novo entendimento foi motivado por uma tese discutida praticamente desde o início do caso, mas destacada neste processo pelos advogados Douglas Guidini Odorizzi e Ana Claudia Lorenzetti Leme, do escritório Dias de Souza Advogados Associados, que levaram memoriais à desembargadora para explicar o ponto de vista.

Eles afirmam que, de fato, o Código Civil não fala nada sobre a cisão patrimonial de entidades sem fins lucrativos. Só que o artigo 2.033 do CC diz que, “salvo o disposto em lei especial, as modificações dos atos constitutivos das pessoas jurídicas referidas no art. 44, bem como a sua transformação, incorporação, cisão ou fusão, regem-se desde logo por este Código”. É o trecho “salvo o disposto em lei especial” que dá razão às empresas, defendem os advogados.

De acordo com a tese levada por eles ao TRF-3, as bolsas de valores, entre elas a Bovespa, são regidas pela Lei 6.385/1976. É a lei que criou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e disse que ela é a responsável por regular o mercado de capitais e as pessoas físicas e jurídicas que nele atuam. Portanto, não é o Código Civil quem vai dizer o que as bolsas de valores podem ou não fazer, é a lei que regulamenta o caso específico delas.

Foi esse o argumento levado em conta pela desembargador Alda Basto na sessão do dia 9 de setembro. Para ela, o que aconteceu durante a mudança na estrutura da Bovespa foi uma permuta entre os títulos de propriedade e as ações. Como a troca, no caso das corretoras que ajuizaram o processo, foi feita entre papeis de mesmo valor, não se poderia entender que houve ganho de capital.

Para Alda Basto, na prática a Associação Bovespa não foi extinta para que a bolsa de valores se tornasse uma empresa. O que aconteceu, disse, foi uma cisão patrimonial, e os acionistas receberam, em ações, o equivalente aos títulos patrimoniais que detinham. Como não houve extinção da associação, o que os detentores de títulos receberam não foi “devolução patrimonial”, como entende o Fisco. As empresas alegam que foi uma “permuta”. A desembargadora, no entanto, preferiu a palavra “transferência”.

E se é precipitado dizer que as empresas podem comemorar, também é exagero dizer que o jogo vai mudar. O que se pode falar é que a aceitação da nova tese motivou o revisor do processo, o juiz convocado ao TRF-3 Leonel Ferreira, pediu vista dos autos. Também ainda falta votar o desembargador André Nabarrete.

Jurisprudência fiscalista
Até então, as empresas vinham insistindo que a Associação Bovespa não foi extinta. Houve uma cisão parcial, com transferência de propriedade, o que seria uma permuta de propriedade sem "torna" — ou devolução. Isso significa que as ações foram emitidas no mesmo valor dos títulos patrimoniais, não havendo ganho patrimonial. Ou seja, segundo os contribuintes, houve apenas a transformação dos títulos em ações.

Para a Receita aconteceu o encerramento das atividades da Associação Bovespa porque a cisão de entidades não é permitida pelo Código Civil. O código só permite a cisão patrimonial de sociedades empresárias, com fins lucrativos, o que não era o caso da Associação Bovespa. Por isso, o artigo 17 da Lei 9.532/1997 autoriza a tributação. O dispositivo autoriza a cobrança de impostos sobre “a diferença entre o valor em dinheiro ou o valor dos bens e direitos recebidos de instituição isenta, por pessoa física, a título de devolução de patrimônio”. 

Para o Fisco federal, o caso da Bovespa se encaixa nesse artigo. E para o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o que mais tem se deparado com a questão, também. A decisão mais recente é da 6ª Turma, que seguiu voto do juiz convocado Herbert de Bruyn. Ele afirmou que, “no caso, parte-se da compreensão que, ao substituírem os títulos patrimoniais por ações, o valor destas, recebido pelas anteriores associadas, era superior ao detido pelo título anterior, a revelar ganho de capital”.

Bruyn cita jurisprudência do próprio tribunal que afirma que “a noticiada ‘desmutualização’ alterou a situação jurídico-tributária então existente, ensejando a incidência fiscal, a teor da Lei 9.532/1997, artigo 17”. Outro precedente diz que “a conversão dos títulos em ações importa em reversão jurídica dos valores a que correspondiam os citados títulos, ainda que tais valores tenham sido integralmente convertidos em ações da entidade que resultou da transformação”.

*Texto alterado às 21h26 do dia 23 de stembro de 2013 para acréscimo de informações e às 12h09 para correção.

Apelação 0034589-85.2007.4.03.6100

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