Influência indevida

Política e multidão devem ficar longe dos tribunais

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20 de setembro de 2013, 14h22

"L’opinion publique? Chassez-la, cette intruse, cette prostituée qui tire le juge par la manche! C’est elle qui, au pied du Golgotha, tendait les clous aux bourreaux, c’est elle qui applaudissait aux massacres de septembre et, un siècle plus tard, crevait du bout de son ombrelle les yeux des communards blessés…". 

Vincent de Moro-Giaferri

Fossem pelos novos ídolos Joaquim, Gilmar, Fux e Marco Aurélio, o rabino de Nazaré seria novamente condenado, já que o que as ruas querem deve sim influenciar um Tribunal.

Os juízes são servidores públicos que devem prestar contas de sua atuação! Isso foi dito, sem sofisma ou meias palavras, em meio ao colégio judicial mais importante da República. O mais grave: pelo mais ofendido dos Ministros (antes da era Lewandowski) do Supremo Tribunal. O mesmo que soltou o banqueiro que por estar solto, fugiu (e depois foi recapturado) e depois soltou o acusado pelo assassinato da freira, mesmo que condenado pelo Júri.

Então o ministro sempre se pautou pela opinião pública? Terá o jurisdicionado ficado satisfeito com essas decisões?

Não, a questão aqui não é se ele estava certo em soltar essas pessoas. A questão é que a opinião pública nunca foi relevante para o ministro Marco Aurélio; logo ele, para quem a opinião alheia é irrelevante a ponto de se alcunhá-lo justamente por isso. O ministro é conhecido como “senhor voto vencido” porque mesmo o que pensam os seus colegas é irrelevante para o modo como vai decidir uma causa. Eis sua grande virtude. Independência e rigor no tecnicismo às garantias.

A discussão tem sido levada (pelos opinantes sem toga) para o lado da democracia e dos 200 milhões de brasileiros indignados. Isso para justificar que a opinião pública pode e deve influenciar um Tribunal. Isso é errado e desonesto.

O próprio direito eleitoral, instrumento maior da democracia, explica isso. Porque uma eleição deve se caracterizar por escrutínio realizado de modo individual e secreto, sem a indevida influência de palanques, carros alegóricos, santinhos e grupos inteiros reunidos decidindo?

Simples: porque a multidão é um aglomerado de vontades, forças e influências não só afastada da razão, como principalmente manipulável, vítima de estopins estúpidos e imprevisíveis. Vide o Egito. Vide nosso mês de junho.

A justiça, assim como o principal ato participativo das democracias, não pode ficar à mercê das mesmas razões que fizeram protestos pacíficos virarem, em questão de segundos, praças de guerras.

A posição dos 200 milhões de brasileiros, por certo, é pelo fim da corrupção. Somos um país tão hipócrita que até mesmo os corruptos proclamam isso. Mas os motivos que geraram esse frenesi, essa paixão avassaladora pelo Mensalão, não são os mesmos para todos os brasileiros.

Há um contingente da imprensa que é reconhecidamente contra o Partido dos Trabalhadores e todo esse processo se tornou um flanco de apoio à batalha de Aécio. Há os que odeiam a classe política como um todo e logo, acham que todos os políticos são corruptos. Há a discordância com os trabalhos do atual governo e do anterior, como o ódio de certos setores sociais sobre programas considerados paternalistas (o mérito dessas questões é questão para as urnas, não para os Tribunais).

Há até alguns brasileiros que leram o processo e têm certeza da culpa.

Essas circunstâncias influenciam na formação da opinião isenta e justa. Não se diga que alguém pautado a descobrir escândalos do governo tenha isenção para, na dúvida, absolver ou entender que alguém do governo seja absolvido. Ou que a opinião divergente (vendida ou vencedora) é merecedora de respeito. E indo além: que sejam capazes da grandeza de perceber os “adversários” não como inimigos, mas como simples opositores de ideias.

Um dos mais difíceis atos humanos, o de julgar, foi popularizado e simplificado. Desde que tomamos de Deus essa função, debates infindáveis foram e são estabelecidos sobre o que é um bom e justo julgamento. Julgar é tão grave e tão difícil, requerendo conhecimentos tão elevados, como os que são exigidos de um neurocirurgião.

Neurocirurgião e vida. Juiz e liberdade. Será a liberdade tão menos valiosa que a vida? Será que podemos dizer racional e evoluído, que torçamos pela condenação de alguém, ao passo que é certo o quão terrível é querer a morte de alguém?

Talvez seja o caso de irmos para a porta dos hospitais e exigir a morte por câncer dos acusados criminalmente. Por que o gozo histérico e generalizado pelo fim da liberdade e não pelo fim da vida?

Coitados dos que pensam em vida sem liberdade. São valores que se justificam entre si.

Concluo. Chegará o dia em que veremos a multidão pressionando um tribunal pela absolvição de alguém. A evolução do direito processual no mundo visou, por séculos e substancialmente, evitar duas coisas: o erro judiciário e a influência indevida dos que não leram e meditaram as provas, ou seja, a multidão polvorosa.

Quando ela, a multidão (ou opinião pública), der uma só mostra de como juíza também é capaz de absolver, talvez ela deva ser ouvida. Um juiz deve ser capaz de condenar e absolver.

Enquanto esperamos por isso, a multidão e a política devem ficar a quilômetros de distância dos tribunais.

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