Acusação de suspeição

EUA discutem se gay pode julgar caso sobre Aids

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19 de setembro de 2013, 16h58

Uma disputa judicial entre dois grandes laboratórios farmacêuticos dos EUA, que envolve acusações de violação da Lei Antitruste, deu uma guinada, em importância, para uma questão paralela: uma pessoa pode ser impedida de integrar o corpo de jurados por ser gay?

Nesta quarta-feira (18/9), um painel de três juízes do tribunal federal de recursos em São Francisco (Califórnia) e advogados das partes debateram por uma hora essa questão, sem chegar a uma resposta. Publicações como o Los Angeles Times, ABC News e Advocate.com apontam para uma aparente tendência dos juízes de decidir que não.

A tarefa dos juízes do tribunal de recursos é mais complicada do que parece, dizem as publicações. Eles têm de decidir, nesse caso específico perante a corte, se houve ou não discriminação contra um integrante da minoria homossexual, quando o advogado de uma das partes desqualificou um possível jurado por causa de sua "orientação sexual". Se isso aconteceu, que lei garante a anulação do julgamento em primeira instância?

Do ponto de vista jurídico, a questão não é claramente respondida pela legislação federal disponível. Em 1986, a Suprema Corte dos EUA proibiu advogados e promotores de rejeitar possíveis jurados, com base em raça. Em 1994, a corte tomou decisão semelhante, desta vez relativa a sexo, para proteger as mulheres. Mas a Suprema Corte nunca se manifestou especificamente contra o impedimento de homossexuais, nem de outras minorias, para essa função.

O estado da Califórnia aprovou uma lei em 2000, que proíbe a dispensa de possíveis jurados nas cortes estaduais, com base em orientação sexual, sem uma justificativa válida. Desde então, a Suprema Corte da Califórnia proíbe a discriminação contra gays e lésbicas na escolha de jurados, sem a apresentação de razão não discriminatória.

Mas há dois problemas. O primeiro: advogados normalmente dão a volta por cima dessas proibições, apresentando, simplesmente, razões não discriminatórias. Segundo: as proibições são para os tribunais estaduais; nesse caso específico, a disputa corre em tribunais federais.

Aparentemente, a empresa acusada de violar a Lei Antitruste, a Abbott Laboratories, tinha motivos para impedir que uma pessoa gay integrasse o corpo de jurados. O laboratório SmithKlineBeecham processou a Abbot, quando ela, em 2007, aumentou o preço do Norvir, seu remédio popular contra a Aids, em 400% — justamente quando a SmithKline lançou no mercado um medicamento, que só era eficaz junto com o Norvir.

Os advogados das partes admitem que esse aumento desproporcional "enfureceu a comunidade gay", em todo o país. E, teoricamente, o possível jurado fazia parte de uma comunidade enfurecida contra a Abbot e não seria conveniente tê-lo no corpo de jurados.

No tribunal de recursos, o advogado da Abbot disse que tinha três razões não discriminatórias para rejeitar o "candidato" a jurado, chamado de "jurado B": ele era o único, entre os candidatos, que conhecida o processo da SmithKline contra a Abbot, o que comprometeria a imparcialidade do júri; ele era o único candidato que perdeu um amigo que morreu de Aids; ele trabalhava em um tribunal.

Nenhuma dessas razões foi apresentada durante o processo de seleção de jurados, em 2011. Quando um dos juízes do painel perguntou ao advogado da Abbot "por que não", ele respondeu: "O juiz que presidiu o julgamento não perguntou".

Sabendo ou não que o candidato era gay, o advogado da Abbot não poderia admitir isso. Alegou que não poderia ter essa informação, sem invadir sua privacidade. Mas o juiz Stephen Reinhardt o contestou, declarando que não tinha como não saber. "A não ser que não seja muito brilhante", afirmou.

A SmithKline pediu ao tribunal de recursos a anulação do julgamento da primeira instância, com base nessa possível falha processual na escolha dos jurados, porque se saiu mal. O júri, nesse julgamento, concluiu que "não houve malícia" (dano) no aumento do preço da droga pela Abbot. A SmithKline obteve uma indenização de US$ 3,5 milhões, o que considerou apenas "uma fração" do que havia requerido.

"Esse caso é muito interessante", avaliou o professor de Direito da Universidade da Califórnia Vik Amar. "Não é todo o dia que uma ação judicial muda seu foco do assunto principal para um secundário".

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