Sem consenso

EUA tentam definir limite entre privacidade e segurança

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16 de setembro de 2013, 17h39

Atualmente, o maior confronto jurídico-legislativo nos EUA é entre a privacidade e a segurança. Praticamente todos os estados do país debatem, nos tribunais e nas assembleias legislativas, onde acaba o direito à privacidade e começa o direito à segurança. Ou vice-versa. Não há um consenso prevalecente no país e cada estado legisla conforme lhe dá na telha — sempre provocando polêmicas.

A última controvérsia vem do Texas. No ano passado, um texano que cultiva o hobby de operar drones (veículos aéreos não tripulados), filmou, por caso, as águas avermelhadas de um riacho, nas proximidades de Dallas. Era sangue de porco, despejado ilegalmente nas águas até então cristalinas do riacho por um matadouro, em sua propriedade particular. Dois executivos da empresa foram indiciados por poluição.

A Assembleia Legislativa do Texas respondeu com uma lei rigorosa a esse episódio. A norma estadual, que entrou em vigor em 1º de setembro, criou punições criminais e civis severas para particulares que fazem "vigilância" com drones, "em um esforço para proteger melhor a propriedade privada".

Mas há exceções à regra, sendo a principal delas ao uso de drones pela polícia, de acordo com o Washington Post, Huffington Post e o Examiner. E a exceção é mais um fator de polêmica: a lei permite à polícia ou contratados por órgãos de segurança usar drones para vigilância ou investigações sem mandado judicial, se tiverem "suspeita razoável ou causa provável" de que um crime está em andamento ou pode ocorrer.

Para o cidadão comum, a legislação ("House Bill 912") criminaliza o uso de drones para espiar propriedades privadas. Classifica a "vigilância", sem consentimento prévio do vigiado, como um delito de "Classe C". A distribuição das imagens é um delito de "Classe B". De acordo com a legislação texana, um delito de "Classe C" é punível com uma multa de até US$ 500. E um delito de "Classe B", com uma multa de até US$ 2 mil, mais 180 dias de cadeia.

Além disso, o infrator pode ser obrigado, em ação civil, a pagar indenização de até US$ 10 mil ao proprietário da propriedade filmada ou fotografada sem permissão, com a intenção de distribuir as imagens ou "cometer malícia" (dolo).

A estrategista de advocacia e política da União Americana de Liberdades Civis (ACLU), Allie Bohm, que estava entre os opositores da lei, disse aos jornais que a balança texana, que pesa o direito à privacidade versus o direito à segurança, pendeu claramente para o lado do governo. A maior crítica ao projeto é a de que a lei dá muita liberdade de movimento à polícia, menosprezando a proteção constitucional do cidadão contra buscas e apreensões sem mandado judicial.

Os defensores da lei, argumentam que ela tem a função de regulamentar essa nova tecnologia e, ao mesmo tempo, conter a espionagem corporativa e bisbilhotices não autorizadas. O deputado republicano Lance Gooden, que propôs o projeto de lei, disse que "a principal preocupação dos parlamentares foi conter o uso de drones para espionar propriedades privadas. "Foi uma resposta, por exemplo, ao receio de grupos dos direitos dos animais ou ambientalistas vigiarem os ranchos de criação de bovina ou os oleodutos do estado".

Para o diretor do Laboratório de Radionavegação da Universidade do Texas, Todd Humphreys, os defensores da privacidade estão se preocupando demais com "1984" – nome do livro de George Orwell que descreveu a ideia de uma "sociedade vigiada". Mas ele acha estranha a preocupação dos legisladores de coibir a captura de imagens por drones, quando qualquer pessoa, munida com uma câmara com lentes teleobjetivas, pode fazer isso de um carro, helicóptero ou avião.

A lei destaca 40 exceções, ao todo. Isso levou a advogada Alicia Calzada, ex-fotojornalista, a observar que "qualquer lei que precise de tantas exceções é uma lei que está no caminho errado". A lei abre exceção, por exemplo, às autoridades que fazem a vigilância da fronteira do estado com o México. Elas podem usar drones, em uma extensão de 25 milhas (40 km), para impedir a entrada de imigrantes ilegais no país.

Há dúvidas quanto a atividade da imprensa. Há quem ache que o uso de drones por órgãos de imprensa pode ser proibido. Mas, há explicações em contrário: as atividades da imprensa não correspondem à definição de "vigilância".

A propósito, o texano que mantém o hobby de operar drones e delatou o despejo de sangue no riacho próximo a Dallas, também escapa da lei. Uma de suas exceções autoriza o uso de drones para detectar ameaças ao meio ambiente.

O Congresso dos EUA já autorizou a Administração Federal de Aviação do país a permitir o uso de drones no espaço aéreo doméstico até 2015. O órgão prevê que, em cinco anos, pelo menos 7.500 pequenos drones comerciais entrarão em operação.

Até agora, sete estados já reagiram com leis que procuram restringir o uso de drones sobre seus territórios. As leis dos estados de Illinois, Flórida, Montana e Tennessee determinam que a polícia e órgãos de segurança devem obter mandado judicial para vigiar seus habitantes, com exceções para casos de terrorismo e desastres naturais.

A lei de Virgínia colocou uma moratória de dois anos para o uso de drones pela polícia, para que as implicações no direito à privacidade dos cidadãos possam ser estudadas.

As leis do Texas e da Idaho são as únicas que proíbem o uso de drones por cidadãos comuns, ressalvadas as exceções, mas o libera totalmente para a polícia e para os órgãos de segurança.

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