Estresse pós-traumático

Vítima pode ser poupada de depor em julgamento

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14 de setembro de 2013, 6h17

A Corte Europeia de Direitos Humanos voltou a afirmar que os direitos de defesa do acusado podem ser mitigados para poupar a vítima. Quando a vítima está muito abalada e sem condições de participar do julgamento, ela pode ser dispensada do confronto com os advogados de defesa do seu algoz. Nesses casos, seus relatos feitos à Polícia devem ser lidos perante os julgadores e continuam valendo como prova.

Nesta semana, a corte encerrou mais um caso em que o condenado alegava violação dos seus direitos por não ter podido confrontar a versão da vítima e única testemunha dos crimes. O homem, um albanês que mora em Barcelona, na Espanha, pediu ao tribunal o direito de ter um novo julgamento na Justiça espanhola já que, segundo ele, a justiça só seria feita se o seu advogado pudesse questionar a vítima perante os julgadores.

Leci Gani foi condenado por sequestrar e estuprar a ex-namorada e mãe de seu filho. Segundo os relatos da vítima, quando o relacionamento acabou, ela passou a ser ameaçada pelo ex-companheiro. Gani reclamava que não podia ver o filho. A disputa entre os dois terminou no dia que Gani invadiu o apartamento da ex-namorada, a sequestrou, torturou e estuprou por algumas horas, de acordo com o relato da vítima.

A mulher denunciou as agressões à Polícia e Gani foi preso. Durante a fase de instrução, ela prestou novo depoimento ao juiz contando o que sofreu. O advogado de Gani foi citado para participar desse depoimento e poder questionar a vítima, mas não compareceu e nem justificou a ausência.

No dia do julgamento, a ex-namorada ensaiou contar sua versão perante os juízes e responder às perguntas tanto da acusação quanto da defesa de Gani, mas não conseguiu. De acordo com o processo na Justiça espanhola, a vítima foi diagnosticada com estresse pós-traumático, sem condições psicológicas de contar sua versão dos fatos e ser confrontada pelo advogado do ex-companheiro. A mulher foi dispensada de depor durante o julgamento e o relato feito por ela durante a fase de instrução foi lido. Gani acabou condenado a 15 anos de prisão por sequestro e estupro.

A reclamação do condenado foi analisada pela Corte Europeia de Direitos Humanos em fevereiro deste ano. Na ocasião, os juízes entenderam que o simples fato de a vítima não depor no julgamento não viola o direito de defesa dos réus. A corte explicou que, como regra, todas as evidências orais do crime devem ser produzidas na frente do acusado, mas há casos excepcionais em que depoimentos previamente tomados pela Polícia ou por um juiz podem ser apenas lidos no julgamento.

Os juízes europeus afirmaram que a dispensa do depoimento da vítima deve ser analisada caso a caso e sempre deve ser garantido ao acusado o direito de questionar a versão durante o julgamento, ainda que não possa confrontar a vítima diretamente. O albanês Gani, por exemplo, teve duas oportunidades para esse questionamento: durante o depoimento da vítima para o juiz de instrução, para o qual seu defensor foi convocado, mas não compareceu; e no próprio julgamento, quando o relato da vítima foi lido para todos os julgadores. (Clique aqui para ler a decisão em inglês.)

Gani ainda tentou apelar para a câmara principal de julgamentos da corte europeia, última instância no tribunal. Mas, na última segunda-feira (9/9), a câmara rejeitou reabrir a discussão e o caso foi considerado encerrado.

Crimes sexuais
A Corte Europeia de Direitos Humanos vem consolidando jurisprudência no sentido de que, em crimes sexuais, os abalos sofridos pela vítima podem justificar a flexibilização de direitos do réu. O mesmo entendimento tem sido adotado na Justiça nacional de países europeus, como Reino Unido e Espanha.

Em dezembro de 2011, a corte europeia considerou válido o julgamento com base nos relatos de vítima que não participou do julgamento. O caso aconteceu na Inglaterra. Um médico foi condenado por abusar sexualmente de pacientes. Uma das vítimas contou a agressão sofrida a um policial. Antes de o julgamento começar, a paciente se matou. Durante o julgamento no tribunal do júri, o relato da vítima foi lido para os jurados e serviu como prova para sustentar a condenação do médico.

Na mesma ocasião, a corte explicou que o direito de a defesa confrontar vítimas e testemunhas só pode ser afastado em casos excepcionais. Os juízes europeus consideraram injusta a condenação de um iraniano por esfaquear um colega em Londres. A única testemunha ocular do crime não quis depôs durante o julgamento, mas o depoimento prestado à Polícia foi lido para os jurados. Para a corte europeia, neste caso, não havia nada que justificasse a ausência da testemunha e o consequente afastamento do direito de o réu confrontá-la diretamente.

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