Objetivo específico

Nova definição de organização criminosa é progresso

Autores

  • Heloisa Estellita

    é professora da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Direito Penal Econômico e da Empresa na mesma instituição.

  • Luís Greco

    é doutor em direito pela Universidade Ludwig Maximilian de Munique.

14 de setembro de 2013, 13h03

Entrará em vigor, no próximo dia 16 de setembro, a Lei 12.850, a qual, além de definir “organização criminosa” e dispor sobre medidas especiais de investigação para tal âmbito, altera a redação do artigo 288 do Código Penal.

Em sua redação anterior, o dispositivo tinha a seguinte dicção: “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes”. A partir da entrada em vigor da nova lei, o dispositivo passará a ter a seguinte redação: “Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes”. Foi alterada a rubrica, que agora nomeia a infração penal como “Associação Criminosa”, mas mantida a pena de reclusão de um a três anos, tendo-se alterado a causa de aumento da pena do parágrafo único, que passou a determinar o aumento de pena de até a metade “se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente”.

Se, de um lado, diminuiu-se o número mínimo de “associados” para o patamar de três (antes, quatro), incluiu-se o adjetivo “específico” qualificando o “fim” da associação das pessoas. 

É obscuro o significado do termo. Segundo o Dicionário Aurélio[1], específico é um atributo “exclusivo de uma coisa ou espécie”. Antes da alteração, o fim da associação poderia ser também a prática de crimes, agora, porém, a associação de três pessoas para a prática de crimes somente configurará a associação criminosa do artigo 288 desde que se dê para o fim específico da prática de crimes. O que parece claro, contudo, é que o universo de condutas abarcado pela nova disposição é menor que o anterior. Um exemplo ajuda a demonstrar o que se afirma. Se, até o advento da lei, uma associação de quatro pessoas para fins de execução autorizada de grafites em áreas urbanas, que também realizasse, casualmente, grafites em propriedades alheias sem autorização[2], poderia ser considerada uma quadrilha ou bando, com a nova redação, porém, ausente a finalidade criminosa específica da associação, não há mais que  falar no delito do artigo 288 do CP.

A alteração é um progresso. Ela pode ser entendida como uma tentativa de contemplar, já na letra do tipo penal, o desvalor do objeto da proibição, antes somente alcançado pela via de uma interpretação restritiva do tipo penal orientada pelo bem jurídico tutelado, conforme afirmávamos, já em 2011. Naquela oportunidade, sustentamos que os tipos penais de associações criminosas “devem ser entendidos como protetores dos bens que poderão vir a ser lesionados pelos delitos fins da associação”. Como esses bens estão sendo protegidos contra aquilo que, materialmente, são meros atos preparatórios, é necessário encontrar uma justificativa para tal antecipação da tutela penal. Dissemos, assim, que essa justificativa só pode se encontrar em uma “orientação objetiva da organização no sentido da prática de delitos” [3]. Deve existir algo objetivo, um dado externo, que chamamos de "injusto da organização", para que se justifique uma proibição de tal abrangência[4].

É de se observar, contudo, que o legislador ficou a meio caminho. Afinal, o novo elemento do tipo foi subjetivado: ele é um predicado do “fim” almejado pelos agentes. Com isso, o legislador agravou ainda mais as dificuldades, tanto de fundamentação, como probatórias, ligadas à  inserção de elementos volitivos no tipo penal[5]. Mais feliz a definição de organização criminosa do parágrafo 1o do artigo 1o da lei, baseada primordialmente em elementos objetivos.

Não obstante, a nova dicção acresce elemento que pode facilitar que, como tentamos explicitar no artigo acima, a autêntica criminalidade de empresa seja excluída do âmbito de incidência da norma do artigo 288. Diante da prática de condutas ilícitas no contexto econômico de uma empresa lícita, não se poderá dizer, ordinariamente, que a associação de três pessoas ou mais em tal contexto tenha se dado com o fim específico da prática de crimes.


[1] Dicionário Aurélio Eletrônico.

[2] Conduta definida como crime pelo artigo 65 da Lei n. 9.605/98.

[3] ESTELLITA, Heloisa, GRECO, Luís. Empresa, quadrilha (art. 288 do CP) e organização criminosa: uma análise sob a luz do bem jurídico tutelado. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 91, julho-agosto/2011, p. 400.

[4] ESTELLITA, Heloisa, GRECO, Luís, idem, p. 406.

[5] Para os problemas de fundamentação, pioneiramente, JAKOBS, Kriminalisierung im Vorfeld einer Rechtsgutsverletzung, in: ZStW 97 (1985), pp. 751-785 e ss. (753 e ss.) (há versão espanhola, traduzida por Peñaranda, no livro JAKOBS, Estudios de Derecho Penal, Madrid: Civitas, 1997, p. 293 e ss.). Para os problemas de prova cf.  Ragués I Vallès, Ramon. Consideraciones sobre la prueba del dolo. Revista de Estudios de la Justicia, Chile, n. 4, 2004, p. 13-26. 

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