Desvio de conduta

Afastar a lei por aceitação social incentiva impunidade

Autor

  • Edson Luiz Vismona

    é advogado presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) fundador e atual presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman (ABO) e ex-secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo.

13 de setembro de 2013, 7h22

O Brasil é um país que confere um tratamento peculiar às leis. Aqui tem lei que não pega (como se fosse uma doença) e têm leis que, na definição de algumas decisões judiciais, não devem ser aplicadas, caso exista “aceitação social” para a conduta tipificada.

Essa é a constatação ao se analisar a decisão do juiz titular da 10ª Vara Criminal de Goiânia, que absolveu uma mulher acusada de pirataria e que foi presa em flagrante com mais de 700 CDs e DVDs falsificados, entendendo que essa conduta é aceita pela sociedade e representa uma oportunidade profissional para pessoas que não são aceitas no mercado formal de trabalho. Portanto, a lei, especificamente a que defende os direitos de autor, não deve ser aplicada, pois, no entender desse magistrado, vender obras falsas, é uma conduta aceita pela sociedade brasileira e, assim, não merece punição.

Seguindo esse pensamento o mesmo deveria acontecer com quem não respeita faixa de pedestre ou transita pelo acostamento, ou quiçá, vende bebidas para menores. Afinal, essas práticas são tão comuns, que podem ser consideradas aceitas pela sociedade.

Será que o magistrado que proferiu tal sentença teria a mesma postura, caso um livro eventualmente por ele escrito fosse livremente falsificado e vendido em praça pública?

Essa visão peculiar da aplicação da lei, não é civilizatória, segue na contramão de qualquer ação de evolução da sociedade. Havendo lei tipificando uma conduta é porque existe um valor que deve ser protegido, um bem que deve ser defendido. Afastar a lei por conta de uma “aceitação social” é corromper todo o sistema jurídico, incentivando, mais uma vez a impunidade e o desvio de condutas.

E mais, essa decisão desconhece que atrás dos camelôs existe a atuação de sofisticadas redes criminosas, quem movimentam bilhões de reais fornecendo produtos ilegais (só na cidade de São Paulo, entre 2010 e 2012 foram apreendidos mais de dois bilhões de reais em mercadorias ilegais). Essa movimentação financeira já supera o tráfico de drogas e alimenta o crime nas suas mais profundas ações, mas, no entender do juiz, fazer o quê se a sociedade aceita?

Em verdade, estamos diante de graves ameaças quando as leis são ignoradas pelo próprio Poder Judiciário e por consequência os valores por elas defendidos.

Diante do argumento “de fato socialmente aceito” podem ser justificadas a tortura, o linchamento, a pena de morte, pois não faltam, diante de crimes violentos, opiniões defendendo essas práticas.

Fazer o que é certo deve ser estimulado. A consciência dos direitos passa pelo cumprimento de deveres, esse é o efetivo exercício da cidadania.

Não é sem razão que a criminalidade só aumenta. Para tudo há uma justificativa social, uma aceitação social e assim, das mais leves às mais graves lesões de direitos vamos aceitando e justificando. Afinal, no Brasil, a lei? Ora, a lei.

Autores

  • é advogado, presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade e do Instituto Brasil Legal, foi secretário da justiça e da defesa da cidadania do Estado de São Paulo (2000/2002).

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