Recuperação judicial

Honorário advocatício é crédito com privilégio geral

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12 de setembro de 2013, 8h08

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.377.764/MS, declarou a sujeição dos honorários advocatícios aos efeitos da recuperação judicial, assim como o equiparou ao crédito trabalhista. A decisão foi noticiada aqui mesmo na revista Consultor Jurídico.

No voto da ministra relatora, Nancy Andrighi, acompanhado por unanimidade pelos demais ministros da 3.ª Turma, restou expresso que “ a manutenção do entendimento do Tribunal de origem, no sentido de considerar os honorários advocatícios como importância de caráter extraconcursal, resultaria em indevida violação ao princípio do par conditio creditorum e em chancela de uma desigual e indesejável situação fática: por um lado, admitir-se-ia a submissão de créditos trabalhistas aos efeitos da recuperação judicial – ainda que esses fossem reconhecidos em juízo posteriormente ao seu processamento –, mas, por outro lado, não se admitiria a sujeição a esses mesmos efeitos de valores que ostentam idêntica natureza jurídica. Ademais, cumpre assinalar que o próprio Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906⁄1994), em seu art. 24, prevê a necessidade de habilitação dos créditos decorrentes de honorários quando se constatar a ocorrência de ‘concurso de credores, falência, liquidação extrajudicial, concordata ou insolvência civil’. É importante ressaltar que o diploma legal mencionado é anterior à publicação da Lei n. 11.101⁄2005, de modo que, por imperativo lógico, não se poderia exigir que vislumbrasse o destino dos valores aqui discutidos nas hipóteses de concessão de recuperação judicial. Portanto, os créditos derivados de honorários advocatícios sucumbenciais, mesmo que decorrentes de sentença proferida em ação julgada posteriormente ao pedido de recuperação, estão sujeitos aos efeitos desta”.

Percebe-se nitidamente uma confusão entre os sistemas da recuperação judicial e da falência[1]. Aquilo que até hoje é chamado de Direito Falimentar vai muito além dele. O que a Lei 11.101/2005 fez foi instituir entre nós o regime jurídico do devedor empresário em crise. Ou seja, foi criado o conjunto de regras e princípios jurídicos destinados a disciplinar os fatos referentes aos empresários em situação de crise econômico-financeira. Aos viáveis, destinou o instituto da recuperação de empresas (judicial e extrajudicial), aos inviáveis reservou à falência. O primeiro é meio de intervenção do Estado na ordem econômica, protegendo empresários que, ainda que viáveis, não encontraram solução de mercado, o segundo é instituto de proteção do próprio mercado, dos consumidores e dos contribuintes, na medida em que liquida empresários inviáveis.

Caberia um artigo apenas para tratar dos aspectos teleológicos da Lei 11.101/2005 e dessa nova concepção que deve ser atribuída ao Direito Falimentar (que me parece deva dar lugar à disciplina que regula o regime jurídico do devedor empresário em crise), mas para o presente texto, essa pequena síntese cumpre seu papel.

Pois bem. Na recuperação judicial os credores sujeitos aos efeitos da recuperação serão pagos conforme previsão no plano de recuperação judicial aprovado pela assembleia-geral de credores e homologado judicialmente. Já na falência, o regime é o concurso, não à toa a falência também é vista como execução em concurso de devedor empresário.

Assim, não há que se falar em princípio da par conditio creditorum, pois esse princípio dispõe a respeito das condições igualitárias que credores em concurso devem ter. Obviamente, credores sujeitos à recuperação judicial também têm que receber tratamento isonômico, mas por determinação constitucional, e não por conta desse princípio em questão.

Submeter-se ou não à recuperação não significa estar ou não em concurso com outros credores. Não haverá ordem de preferência entre eles. Credores sujeitos, repita-se, receberão consoante determinado no plano porventura aprovado pela assembleia e homologado pelo juiz da causa. Impossível, portanto, violar a par conditio creditorum se nem sequer será aplicável à recuperação judicial. Os credores não estarão dispostos em uma ordem de pagamento.

Outro equívoco é a equiparação dos honorários ao crédito trabalhista. O raciocínio é simples: se o crédito tem natureza alimentar (e tem mesmo, isso não se discute) é, portanto, de natureza trabalhista!

No julgamento do REsp 1.377.764/MS é citado o REsp 793.245/MG, onde se fez tal equiparação, nos seguintes termos: “Por isso – e a experiência de advogado militante me outorga autoridade para dizê-lo – os honorários advocatícios têm natureza alimentar e merecem privilégio similar aos créditos trabalhistas. De fato, assim como o salário está para o empregado e os vencimentos para servidores públicos, os honorários são a fonte alimentar dos causídicos. Tratá-los diferentemente é agredir o cânone constitucional da igualdade. Conforta-me saber que, nesse entendimento, estamos na boa companhia da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, que, em recente julgado, reformou acórdão desta Corte (RMS 17.536⁄DELGADO, relator para acórdão Ministro FUX) e definiu a natureza alimentícia dos honorários de advogado, livrando-os da dolorosa fila dos precatórios comuns (cf. RE 470.407⁄Marco Aurélio no Informativo do STF n. 426 de 17 de maio de 2006). Louvado nesses argumentos, empresto ao Art. 24 do EOAB, interpretação coerente com o princípio da proporcionalidade. Entendo que o termo ‘crédito privilegiado’ transporta acepção que se harmonize com natureza laboral-alimentar – dos honorários como fruto do labor advocatício destinado às necessidades alimentares. Vale dizer: os honorários constituem crédito privilegiado, que deve ser interpretado em harmonia com sua natureza trabalhista e alimentar (EOAB, Art. 24).”

Sou advogado e gostaria de concordar com o entendimento acima, quem sabe, igualmente saudá-lo, mas, infelizmente, não é isso que o sistema jurídico prevê. Se honorário é verba trabalhista, toda e qualquer dívida cujo credor seja profissional liberal também será. Aliás, todo crédito pertence à microempresário que exerce sua atividade como empresário individual ou em uma sociedade familiar, também será, pois, senão, restará violada a igualdade[2]. Se “vale” para os advogados tal benefício, por que não estender aos demais?

O artigo 24, do Estatuto da OAB não foi “harmonizado” com a natureza alimentar e “trabalhista” do honorário advocatício, pelo contrário, ele foi deixado de lado. Se o Superior Tribunal de Justiça entende que honorário advocatício, na recuperação judicial e na falência, é verba trabalhista deve declará-lo inconstitucional, e não “harmoniza-lo” com aquilo que lhe é o oposto.

Não gostaria que assim o fosse, mas é o que o sistema prevê. O artigo 24, do EOAB é suficientemente claro, e prevê: “a decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.”

A não ser que esse dispositivo seja inconstitucional (e não é, porque o sistema de trabalho e de remuneração do profissional liberal é muito diferente dos empregados e servidores estatutários), na recuperação judicial os honorários pertencerão à classe III, conforme previsão do artigo 41, III, da Lei 11.101/2005. Já na falência, onde há concurso, estarão os honorários entre os créditos com privilégio especial e os créditos quirografários (artigo 83, V, da Lei 11.101/2005).

Antes de concluir, quero deixar claro que, ainda que não seja equiparável aos créditos trabalhista na recuperação e na falência, o honorário advocatício tem natureza alimentar. O que não me parece correto é concluir que, por ser alimentar, é também trabalhista. Tenho consciência de que a tese é contramajoritária e tendente a sofrer inúmeras críticas, no entanto, insisto, não se trata daquilo que eu gostaria que fosse, mas daquilo que o sistema prevê, a não ser que o artigo 24, do EOAB seja declarado inconstitucional e se equipare os demais credores cujos créditos igualmente são destinados para a manutenção de sua própria subsistência.

No caso específico do REsp 1.377.764/MS a equiparação à classe trabalhista trouxe consequências negativas ao(s) advogado(s) em questão, já que, tomando-o(s) como credor(es) trabalhista(s), acabou sendo aplicado o artigo 6.º, § 2.º, da Lei 11.101/2005[3], que permite que o crédito trabalhista seja constituído, por sentença, ao longo do processo de recuperação, para somente aí, ocorrer a habilitação (desde que o processo já esteja em curso no momento do ajuizamento da recuperação).

Se não levarmos em conta o julgado, crédito de honorário advocatício é crédito com privilégio geral e será sujeito aos efeitos da recuperação judicial se for constituído até a dada do pedido de recuperação judicial (cf. artigo 49, caput, da Lei 11.101/2005[4]). Caso prevaleça o entendimento do REsp 1.377.746/MS, o honorário é crédito trabalhista, também sujeito, porém não precisaria ele ter sido constituído antes da propositura da recuperação, pois o artigo 6.º, § 2.º, da Lei 11.101/2005, determina que créditos constituídos por sentença (prolatada após o pedido de recuperação) sejam habilitados na recuperação, bastando que no momento da distribuição da ação de recuperação estejam os processos em curso.

Assim, se a decisão beneficia alguns advogados[5], certamente prejudicará muitos outros, pois terão indevidamente seus créditos atraídos para a recuperação, uma vez que pode ocorrer da sentença que constitui o crédito de sucumbência somente ser prolatada após o pedido de recuperação.

Em síntese, honorário advocatício é crédito com privilégio geral, na recuperação é crédito sujeito aos seus efeitos e está previsto na classe III; já na falência, não tem preferência sobre crédito trabalhista, com garantia real, tributário e com privilégio especial, estando à frente dos créditos quirografários, das multas contratuais e das penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias, assim como dos créditos subordinados.


[1] Confusão similar aconteceu no julgamento da sujeição dos adiantamentos a contrato de câmbio aos efeitos da recuperação judicial. Tratei a respeito em outro artigo publicado aqui na Conjur.

[2] Quem vivencia o ambiente das recuperações judiciais e das assembleias de credores vê de perto a quantidade de pequenos credores que são atingidos pela recuperação. Já cheguei a participar de mais de uma assembleia onde constavam inúmeros pequenos agricultores que tinham entregado toda a sua safra para a sociedade empresarial devedora que pleiteava recuperação. Se os advogados merecem tratamento diferenciado, sujeitos como esses também merecem.

[3] Art. 6.º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

[…]

§ 2.º É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8.º desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.

[4] Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

[5] E, sem dúvida, beneficia, já que aos credores trabalhistas não é lícito propor os deságios que usualmente são propostos, assim como, o prazo para pagamento é limitado a 12 meses, conforme dispõe o artigo 54, da Lei 11.101/2005.

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