Gênese da Carta

As memórias de FHC sobre o processo constituinte

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9 de setembro de 2013, 8h17

Em 3 de julho de 2013, o sociólogo, professor e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso concedeu entrevista ao Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), na companhia dos professores Gilmar Ferreira Mendes, José Serra, Eduardo Graeff e Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch para expor suas impressões sobre os trabalhos da Assembleia Nacional de Constituinte de 1987/1988 (ANC). Na qualidade de um de seus principais líderes, ofereceu uma perspectiva interna dos debates políticos e sociais que permearam o último processo constituinte brasileiro. O ex-presidente concentrou a sua exposição nos debates mais polêmicos e centrais da ANC, identificando os pontos de tensão então existentes na delimitação de questões essenciais à construção do desenho institucional brasileiro.

O ex-presidente da República, à época líder do PMDB no Senado Federal, acumulou cargos fundamentais ao longo do processo constituinte, dentre os quais a relatoria do regimento interno da ANC — etapa determinante para o processo decisório da constituinte — e a relatoria adjunta da estratégica Comissão de Sistematização.

Sob essa perspectiva de liderança, descreveu a grande tensão política existente entre a ANC e a Presidência da República, bem como segmentos sociais importantes, como as forças armadas e as diversas categorias profissionais que pressionavam pela inserção de seus interesses no novo texto constitucional.

Dentre os pontos de maior conflito, em uma perspectiva política, Fernando Henrique Cardoso destacou as discussões acerca da duração do mandato presidencial e a eleição do sistema de governo, que pendeu entre o parlamentarismo e o presidencialismo. Outros pontos polêmicos incluíram a reforma agrária, a delimitação de direitos sociais trabalhistas, como a estabilidade de emprego e a limitação da jornada de trabalho, e a definição do conceito de empresa nacional. Descreveu a liderança do processo constituinte, nesse sentido, como uma tentativa de estabelecer consenso entre as diversas demandas sociais, objetivo no qual, em sua análise, a empreitada foi bem sucedida.

Por outro lado, a tentativa de acomodar massivamente o grande volume de demandas populares foi um dos fatores apontados pelo ex-presidente como responsáveis pela prolixidade do texto constitucional, aliado a uma desconfiança generalizada na lei e à necessidade de garantias de uma sociedade que acabara de vivenciar um período marcado pelo autoritarismo. Por seu turno, José Serra apontou a prolixidade como o maior defeito da Constituição de 1988, acrescentando a superinflação aos fatores que resultaram em um texto extremamente longo e marcado pela presença de matéria não constitucional. Ao discorrer sobre o caráter analítico da Constituição, Fernando Henrique Cardoso relembrou, ainda, a proposta de implementação de um regime semirrígido, que equipararia a matéria não constitucional contida no texto às leis ordinárias.

O ex-presidente destacou a relevância da discussão acerca do sistema de governo a ser adotado pelo novo texto constitucional, afirmando que o parlamentarismo, inicialmente preferido pela maioria, serviu de base à formulação da Constituição e, com a eleição do sistema presidencialista, o texto final teve que sofrer alterações.

Essa derrota do sistema parlamentarista, apesar do apoio majoritário, foi atribuída à dificuldade de organização das forças políticas. José Serra, por sua vez, ponderou que a derrota do parlamentarismo se deu em razão de sua associação com outros debates políticos polêmicos, relativos à fixação de prazos para eleição, aplicação imediata do novo sistema e duração dos mandatos.

Tendo caracterizado a Constituinte como a concretização da luta de uma geração pela democracia, o ex-presidente apontou a existência de novas demandas da nova geração, que chega aos 25 anos do texto constitucional. Uma vez alcançada a democratização do país, o debate público hoje se dirige à luta por qualidade de vida, traduzida no bom funcionamento dos serviços sociais básicos, como a educação, a saúde e os transportes.

A rica entrevista com o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso é fruto de mais de um ano de trabalho do Grupo de Pesquisa Reconstrução Histórica da Constituinte (RHC), o qual é liderado pelo ministro Gilmar Mendes, e coordenado pelos professores Rodrigo Mudrovitsch e Rodrigo Kaufmann. Além disso, o grupo de pesquisa é formado por aproximadamente 70 alunos da graduação, da pós-graduação e do mestrado do IDP, como também de outros cursos de graduação e pós-graduação de Brasília.

O grupo, que é destinado a reconstruir os bastidores não só da Constituinte, mas também dos movimentos sociais que a geraram, bem como a preencher a lacuna referente ao mapeamento de dados, entrevistas, documentos e reportagens de sua época inicial, terá como marco final de seus trabalhos o XVI Congresso Brasiliense de Direito Constitucional, cujo tema é “Do Poder Constituinte aos dias atuais – Em defesa da Constituição na celebração dos seus 25 anos”. Nesse congresso serão debatidas as principais questões ligadas aos reflexos produzidos na sociedade brasileira pela Constituição de 1988, com enfoque no processo constituinte que a deu origem, por meio de palestras proferidas por aqueles que exerceram papéis de destaque desse momento histórico brasileiro. Entre os ilustres palestrantes que participaram do evento, já estão confirmadas as presenças dos ex-presidentes da República Fernando Henrique Cardoso e José Sarney, que realizarão, respectivamente, a abertura e o encerramento do evento.

Assista abaixo o vídeo com os melhores momentos do depoimento de FHC:

Assista abaixo a íntegra do depoimento de FHC no IDP:

Clique aqui para ler a transcrição completa do encontro.

Clique aqui para acessar a página do projeto Reconstrução Histórica da Constituinte.

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