Dano moral

Atraso na entrega do imóvel não motiva indenização

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9 de setembro de 2013, 7h00

Como para os adquirentes é desnecessário o aprofundamento técnico e filosófico sobre o que é dano moral, basta apenas entender que o dano é caracterizado pela diminuição ou subtração de um bem, seja ele palpável (patrimonial) ou não (moral), e sempre que o bem for lesionado estaremos diante da possibilidade do pleito indenizatório, cuja pertinência ou não do pedido caberá à Justiça decidir. E moral é algo abstrato e extremamente mutante, pois é um conjunto de valores e sentimentos do individuo, lastreado em sua experiência de vida, nicho social, sentimentos, compreensão e inúmeras outras sensações psíquicas naturais e individuais de cada pessoa e está relacionada ainda com os padrões da própria Sociedade, e é algo personalíssimo, excetuando situações específicas em que há requerimento de requerimento por reparação de forma coletiva.

Destarte, socorrendo-se de alguns doutrinadores podemos definir o dano moral como:

Para Savatier, dano moral "é qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legitima, ao seu pudor, à sua segurança e tranquilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc.". (Traité de La Responsabilité Civile, vol.II, nº 525, in Caio Mario da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, Editora Forense, RJ, 1989). (Grifo nosso)

Para o Professor Yussef Said Cahali, dano moral "é a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral(honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)" (Grifo nosso)

Segundo Minozzi, um dos Doutrinadores Italianos que mais defende a ressarcibilidade, Dano Moral "é a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a aflição física ou moral, em geral uma dolorosa sensação provada pela pessoa, atribuindo à palavra dor o mais largo significado". (Studio sul Danno non Patri moniale, Danno Morale, 3ª edição, p. 41).

E para Wilson de Melo Silva, "dano moral é o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico" (O dano Moral e sua Reparação, Editora Forense, RJ, 1993, p. 13).

Perceptível, portanto, que o Dano Moral é uma lesão inquestionável e possível de afetar qualquer indivíduo, mas por ser uma lesão psíquica e personalíssima à comprovação da sua lesão está atrelada muitas vezes ao subjetivismo do Julgador e o lastro legal utilizado para procedência do pedido são os dispostos no art. 5º, X da CF, Art. 186 e 927 do CC, Art. 6ª, IV do CDC e outros existentes em normas específicas.

O dano moral nos processos judiciais

Destarte, em que pese previsão na Constituição e Código Civil, foi após o advento do Código do Consumidor que existiu aumento dos processos judiciais em decorrência das relações de consumo.

A situação parece até certo ponto lógica, pois vivemos em uma sociedade capitalista e com o forte incentivo ao consumo, por consequência há o aumento das discussões decorrente dessas relações no âmbito judicial, especialmente pelo fato de que o CDC trouxe elementos favoráveis aos consumidores nas disputas judiciais.

Entretanto, com o aumento das ações, muitas das quais propostas com o único afã de obter vantagem excessiva, surgiram novas teses de defesas por parte dos prestadores de serviços e outras empresas, arguindo que vários pleitos indenizatórios nada mais seriam decorrentes de situações reflexas do descumprimento contratual e, portanto, representaria apenas “mero dissabor do cotidiano”, mas sem ser capaz de causar o dano moral indenizável, tese de defesa que está sendo amplamente acatada em várias decisões judiciais de todos os Tribunais.

Em outra esfera, por mais que os serviços prestados continuassem, e muitos continuam, sendo prestados com deficiência, nos casos em que há condenação por danos morais, os valores arbitrados são ínfimos e de certa forma não prestam para evitar que problemas, especialmente, os rotineiros continuem existindo. Parece até que há maior preocupação em não permitir que o valor da indenização seja elevado ao invés de adotar uma punição severa com características educativas e de sanção.

Destarte, aliado a outros fatores, se criou uma falsa impressão de que há no Judiciário uma enxurrada de ações indenizatórias, “Indústria do dano moral”, quando, entendo, que há no mesmo grau de igualdade, no mínimo, uma indústria de serviços precários e pagar indenização ínfima é financeiramente mais rentável do que alterar atitudes e evitar que vários processos continuem existindo.

Assim, consequentemente várias situações passaram a ser interpretadas genericamente como “mero dissabor do cotidiano” refletindo na improcedência de várias ações ou no arbitramento de valores modestos à título de indenização.

O dano moral na entrega do imóvel

Como consequência, os pleitos judiciais recentes relacionados ao atraso na entrega do imóvel, provavelmente terão como uma das teses de defesa da parte contrária que o atraso na entrega da obra não é situação autorizadora para justificar o pleito indenizatório, pois tal fato deve ser tratado sob a ótica do descumprimento contratual, podendo existir outras formas de reparo para tal situação.

E, na maioria das vezes, tais explanações serão aceitas. Assim, não é que direito ao pleito indenizatório deixou de existir, mas passou a ser tratado como uma “exceção”, cabendo ao adquirente produzir provas de que tal situação extrapola o simples dissabor. E, lembrando-se que dissabor é algo subjetivo para cada interprete.

Destarte, considerando que tal raciocínio está sendo adotado na maioria dos casos, quando o adquirente almejar ingressar com requerimento de danos morais, precisará ter em mente que o aceite do pedido não será simples ao ponto de considerar que o êxito será uma “exceção” e decorrente das provas específicas produzidas no caso concreto.

Sobre o fato de ser correto ou não tratar o direito como forma de “exceção”, é um posicionamento extremamente difícil. Isso porque, mesmo sendo contrário a forma genérica do aceite da tese de “mero dissabor do cotidiano” em excesso, entendo que isso é fruto de vários processos interpostos com interesses escusos, mas acredito que seria mais proveitoso e educativo punir com lastro nas ferramentas processuais existentes àqueles que querem obter vantagem indevida ao invés de generalizar os fatos em detrimento dos adquirentes.

Entretanto, como tal fato é recorrente nas decisões judiciais, o papel do advogado ao lidar com os anseios dos clientes é fundamental, pois caberá ao profissional atuar como o primeiro “juiz” da causa e analisar a situação com sensatez e extrair se para o caso concreto apresentado existe algum dano que extrapole o “mero dissabor do cotidiano” sob a ótica das decisões judicias proferidas ou se a situação analisada é semelhante aos casos de improcedência.

Assim, o posicionamento não é fácil, mas é importante, pois possibilitará aos adquirentes esclarecimentos sobre as decisões judiciais, situação que poderá culminar com a perda de expectativas de que em decorrência da situação enfrentada poder-se-ia receber valores expressivos para reparar a dor moral sofrida, culminando até com a não interposição da ação judicial.

Mas, se o profissional verificar que há elementos suficientes para demonstrar que o caso específico extrapola o “mero dissabor do cotidiano” o trabalho será árduo, pois terá que romper com a predisposição interpretativa do “mero dissabor do cotidiano” para ter sucesso na demanda.

Para melhor visualização, podemos nos valer dos exemplos abaixo, que podem servir para lastrear várias outras interpretações e exemplificações individuais, neste sentido:

Exemplo A – Quando estamos diante de atraso na entrega e o adquirente é investidor, o pleito por Dano Moral, salvo situação extremamente específica, dificilmente será deferido. Isso porque, os prejuízos decorrentes do atraso poderão ser ressarcidos sob a ótica do dano material (lucro cessante) e outros prejuízos financeiros.

Exemplo B – Quando estamos diante de recém-casados que adquiriram o imóvel e em decorrência do atraso na entrega precisam continuar morando com seus pais a situação é suficiente para justificar o pleito indenizatório, uma vez que não é crível aceitar que o rompimento de um planejamento de vida possa ser encarado sob “mero dissabor do cotidiano”, os fatos extrapolam o bom senso. Porém, o valor a ser arbitrado dependerá de várias situações, como o prazo de atraso, capacidade econômica das partes etc. Ademais, para o presente exemplo, em sendo comprovado a existência de prejuízos materiais os mesmo poderão ser requeridos no mesmo procedimento processual.

Assim, percebe-se que o direito ao dano moral em decorrência do atraso na entrega do imóvel não deixou de existir, mas sua avaliação necessita de maiores critérios e provas.

Dessa forma, considerando a fase atual, em que há divulgação de dados relatando o aumento de problemas relacionados à pontualidade na entrega de imóveis, a crítica é no sentido de ofertar maior aceitação à tese do “mero dissabor do cotidiano” ao invés de adotar uma postura mais ríspida com arbitramento de indenizações elevadas como forma de inibir os constantes atrasos, sob pena da impontualidade ser rentável em detrimento do adquirentes, senão vejamos:

Informativo nº 0216 Período: 2 a 6 de agosto de 2004. Quarta Turma AUSÊNCIA. DANO MORAL. ATRASO. ENTREGA. IMÓVEL. A Turma entendeu não ser cabível a indenização por dano moral somente pelo fato de o imóvel prometido à venda ter sua conclusão atrasada. Precedentes citados: REsp 202.564-RJ, DJ 1º/10/2001; Ag 442.548-RJ, DJ 21/10/2002, e REsp 196.040-MG, DJ 27/3/2000. REsp 592.083-RJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 3/8/2004

TJSE-031655) APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. DANO MORAL QUE NÃO SE RECONHECE. Mero descumprimento contratual que não gera direito à indenização. Precedentes do STJ. Recurso conhecido e provido. Sentença reformada apenas para excluir a condenação imposta a título de danos morais. (Apelação Cível nº 2012211033 (10704/2012), 1ª Câmara Cível do TJSE, Rel. Maria Aparecida Santos Gama da Silva. unânime, DJ 27.07.2012)

Contudo, como exposto anteriormente, e, mesmo que em menor quantidade, ainda há decisões deferindo o direito ao ressarcimento pelo dano moral decorrente do atraso na entrega do imóvel. E, diga-se, nada mais justo, afinal somente o adquirente que teve a entrega frustrada dentro do prazo previsto é sabedor do quão lesiva é tal situação, afinal, querendo ou não, ter a casa própria ainda é sonho de milhões de brasileiros e o não cumprimento do prazo causa os piores sentimentos, dentre eles o sentimento de incapacidade, desdém, deboche etc., afinal não há nada que possa ser feito, razão pela qual comprovada uma situação especifica o direito à indenizações por danos morais é deferido, senão vejamos:

TJRJ-158368) APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA. CONSTRUTORA QUE NÃO CUMPRE O PRAZO ESTABELECIDO NO CONTRATO PARA ENTREGA DO IMÓVEL. DANO MORAL CARACTERIZADO. LUCROS CESSANTES NO VALOR PREFIXADO NO CONTRATO COMO ALUGUEL DO IMÓVEL. COBRANÇA DE JUROS COMPENSATÓRIOS POR VALOR ADIANTADO NO CURSO DA CONSTRUÇÃO. COTAS CONDOMINIAIS ATÉ A ENTREGA DAS CHAVES. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INDENIZATÓRIO. 1 – Não configura mero aborrecimento o atraso por mais de 2 anos da entrega do imóvel, devendo ser reconhecido o direito à indenização por danos morais. 2 – Deve ser reconhecido o direito a lucros cessantes, cujo quantum corresponde ao montante prefixado em contrato a título de "aluguel pela utilização ilegal". 3 – Nulidade da cláusula de juros compensatórios no curso da construção da obra. Precedentes do STJ. 4 – Valores referentes às cotas condominiais vencidas antes da entrega do imóvel devem ser suportados pela alienante (art. 502 do NCCB). 5 – Rejeição do agravo retido. Apelação da autora que se dá parcial provimento e parcial provimento do recurso da ré para reduzir o valor da verba honorária para 10% sobre o valor da condenação. (Apelação nº 0336153-73.2008.8.19.0001, 6ª Câmara Cível do TJRJ, Rel. Teresa Castro Neves. j. 09.05.2012).

TJRN-0030375) CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL C/C DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. Alegação de que a demora se deu em razão da crise econômica mundial e ocorrência de fortes chuvas na área do empreendimento. Previsão contratual de prorrogação de prazo para conclusão da obra alegação de ocorrência de caso fortuito ou força maior descabimento. Efeitos já superados pelo tempo. Ausência de mero dissabor experimentado pelo demandante. Danos morais configurados. Precedentes do STJ e desta Corte. Conhecimento e desprovimento do recurso. (Apelação Cível nº 2012.016287-1, 3ª Câmara Cível do TJRN, Rel. Convocado Eduardo Pinheiro. unânime, DJe 07.03.2013).

Em razão do exposto, é possível concluir que, malgrado estejamos vivenciando um período em que o atraso na entrega dos imóveis dentro do prazo é recorrente, ainda assim, o Poder Judiciário acata na maioria dos processos judiciais a tese de que o atraso por si só não é fato autorizador para o pleito indenizatório.

Não obstante, em algumas situações, desde que com lastro em documentação comprobatória e fática, ao ponto de ser considerada exceção, o Poder Judiciário concede o direito à indenização, porém, salvo algumas situações isoladas, o valor arbitrado é extremamente modesto.

Destarte, é possível extrair que a interposição de requerimento judicial objetivando unicamente a indenização deverá decidida com frieza, e avaliando os riscos x benefícios da demanda, sob pena do adquirente além da frustração pelo atraso na entrega ter que lidar com o ônus de uma sentença judicial negativa.

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