25 anos da Constituição

Jurista vê erro na interpretação de teorias estrangeiras

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7 de setembro de 2013, 15h12

Sem saber compreender a complexidade do texto constitucional, a doutrina brasileira posterior à Constituição de 1988 importou e interpretou de maneira equivocada teorias estrangeiras, gerando um caos interpretativo. A afirmação foi feita pelo procurador de Justiça do Rio Grande do Sul Lenio Luiz Streck, colunista da revista Consultor Jurídico e professor da Unisinos, em palestra durante o evento 25 Anos da Constituição Cidadã, promovido pelo Superior Tribunal de Justiça, na última quinta-feira (5/9)

A palestra teve como título O novo e o velho: as recepções (hermenêuticas) equivocadas a partir de 1988 e, de acordo com ele, o imaginário jurídico anterior a 1988 era formalista-positivista, sem consistência teórica. Isso não condiz com as novas formas de compreensão necessárias quando da promulgação de uma nova Carta Magna, explica. Assim, para o procurador, os juristas brasileiros não possuíam uma teoria constitucional apta, e passaram a importar teorias estrangeiras.

Os exemplos citados pelo professor são a jurisprudência dos valores alemães, a teoria da argumentação do jurista alemão Robert Alexy e o ativismo norte-americano. Streck aponta que, no caso da primeira, motivos históricos justificam a busca alemã por valores para além dos textos jurídicos, mas sua incorporação pelo Brasil se deu de forma descontextualizada.

A má compreensão da teoria da argumentação, continua ele, deu origem ao pan-principiologismo, uma bolha especulativa de princípios, muitos dos quais sem qualidade normativa. No caso do ativismo norte-americano, ele aponta que a adoção se deu como uma espécie de “moda”, sem levar em conta que, nos Estados Unidos, isso ocorrera por conta de contingenciamentos.

Isso gerou uma espécie de caos no Judiciário brasileiro, de acordo com o professor, e permitiu a criação de antídotos como a súmula vinculante, a repercussão geral e a chamada jurisprudência defensiva. Agora, acrescenta, é necessário que os juristas preocupados com a efetividade da Constituição criem discursos para acabar com o caos.

Um exemplo citado por Streck foi o fato de, até pouco tempo, o estupro ser considerado um crime contra os costumes. “Veja como o legislador esconde uma questão de violação da dignidade da mulher atrás de um bem jurídico chamado costumes". Ele aponta dois incisos do artigo 107 do Código Penal que previam a extinção de punibilidade no caso de casamento do estuprador com a vítima, ou quando esta se casava com um terceiro.

"Os tribunais da República não conseguiam entender que esses dispositivos eram inconstitucionais. Sempre sustentei que era o caso da aplicação do princípio da proibição de proteção insuficiente. Participei da luta para derrogar essa legislação. E conseguimos. O STF, na decisão do RE 418.376, em parte, chegou a albergar minha tese", acrescenta.

“Hoje temos o juiz boca da lei e o juiz dos princípios, aquele que pega os princípios como valores e moraliza o direito”, compara Streck. Se a nação depende do perfil desse segundo tipo juiz que, segundo ele, decide conforme seus princípios, não tem uma verdadeira democracia.

O procurador gaúcho analisou o caso específico do Mandado de Segurança concedido pelo ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, em ação que pedia a interrupção do mandato do deputado federal Natan Donadon. O professor afirma que Barroso errou ao vincular a perda de mandato ao tempo de condenação do réu. Para ele, o ministro fez uma alusão à moral, como se tais argumentos pudessem corrigir o Direito. No entanto, concluiu, o Direito “não é moral, não é sociologia, não é filosofia, é um conceito interpretativo e encontra resposta nas leis, não na vontade individual do aplicador”.

Conflito democrático
Para o professor da Universidade de Fortaleza Martonio Mont’Alverne, responsável pela palestra Constituição e Política, nada é mais democrático do que o conflito. A frase utilizada por ele engloba a perspectiva de Nicolau Maquiavel, que defendia também o conflito, aponta. O professor afirma que a Constituição de 1988 surgiu no contexto de redemocratização e conflito. Em seu arcabouço, o texto limita a dimensão do conflito. Defendendo que a política entre pelos tribunais, Martonio aponta que é melhor decidir, mesmo errando, do que não decidir.

O fundamental, continua, é que o Judiciário defina até onde pode ir e quem deve dar a última palavra sobre os mais diversos temas. De acordo com o especialista, o dirigismo constitucional brasileiro, que dá ao Estado grande poder de intervenção, não é inédito, tendo raízes na Constituição de 1937.

A prova do dirigismo da constituição, aponta, está em seu artigo 219: “o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal”.

O constitucionalismo democrático, conclui Martonio, também passa por cisões econômico-políticas, sendo um exemplo a dificuldade para instituição do exemplo de grandes fortunas, já que a parcela mais rica da população tem forte peso político. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ. 

* Notícia alterada às 14h30 do dia 9/9 para acréscimo de informações.

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