Política e Judiciário

Câmara pode manter mandato de preso, diz professor

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2 de setembro de 2013, 16h28

Para o professor Eduardo Fortunato Bim, a cassação do mandato de um parlamentar condenado criminalmente é decisão que cabe à Casa Legislativa a que o político pertence. Seu ponto de vista consta de artigo publicado em 2006 na Revista de Informação Legislativa do Senado e diz que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre foi a de deixar que o Congresso dite o destino do deputado ou senador cassado.

A discussão veio à tona novamente na semana passada quando a Câmara dos Deputados decidiu manter o mandato do deputado federal Natan Donadon (ex-PMDB-RO), condenado a 13 anos de prisão por peculato e formação de quadrilha pelo STF. Houve reclamação sobre a legitimidade da decisão do Congresso, de manter entre seus pares um condenado criminalmente. Ministros do STF criticaram: Marco Aurélio disse que os deptuados fizeram uma "leitura equivocada da Constituição"; Gilmar Mendes, que a Câmara agiu por “corporativismo”.

E nesta segunda-feira (2/9), depois de pedido do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), o ministro Roberto Barroso suspendeu a manutenção do mandato de Donadon. Ele entendeu que o tempo de condenação do deputado vai ser maior do que o tempo que ele ainda tem de mandato para cumprir, o que impossibilita jurídica e fisicamente o seu cumprimento

De acordo com o artigo de Eduardo Bim, ao contrário da condenação criminal, que é uma decisão judicial, a cassação do mandato é política. Seu intuito, escreveu, é proteger a Casa, e não o parlamentar. Portanto, a palavra final sobre o que deve acontecer com o deputado é da Câmara dos Deputados, e não dos Supremo. "Com a previsão constitucional, a perda não é automática, dependendo da avaliação da casa parlamentar em um juízo político (processo de cassação) para averiguar eventuais danos à imagem da instituição”, diz o texto.

O artigo foi citado no acórdão da Ação Penal 470, o processo do mensalão, em que o STF condenou quatro deputados, João Paulo Cunha (PT-SP), José Genoíno (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT).

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Eduardo Bim considera que a decisão do mensalão é que foi "um ponto fora da curva". A manutenção do mandato de Donadon, segundo ele “foi legal, dentro da discricionariedade do órgão legislativo”.

Bim é procurador federal, professor de Direito Público na Facamp e doutorando em Direito do Estado pela USP. Sobre a consequência da decisão da Câmara, Bim é taxativo: "O mandato fica intacto, mas ele não exerce os atos de parlamentar".

Leia a entrevista:

ConJur — A decisão da Câmara de manter o mandato de Natan Donadon tem amparo legal?
Eduardo Bim —
Foi legal e dentro da discricionariedade do órgão legislativo. Se não gostam da decisão, elejam outro parlamento. A democracia não tem todas as repostas.

ConJur — Como fica o mandato dele?
Eduardo Bim —
O mandato fica intacto, mas ele não exerce os atos de parlamentar. Ninguém vai levar uma urna para ele na prisão para ele votar. Quem assume é a suplência. Se ele sair da cadeia em liberdade condicional, eventualmente pode voltar para o Congresso e votar.

ConJur — A Mesa Diretora da Câmara poderia ter declarado a perda de mandato enquanto a jurisprudência do Supremo era pela perda automática?
Eduardo Bim — Exatamente, a Câmara poderia ter extinto o mandato enquanto vigia o entendimento da AP 470, ou se o STF tivesse mantido aquele entendimento. Não teria nenhum problema. Se o STF decidiu, não poderia dizer que o comportamento era ilegal. Mas talvez fosse necessário acertar o Regimento Interno.

ConJur — Por que o senhor defende que a perda de mandato não é automática?
Eduardo Bim —
Pela redação do artigo 55 da Constituição. Ele cria um regime de exceção à regra da perda de direitos políticos e tudo o que isso significa. Ele mantém uma reserva do Parlamento para dar a palavra final.

ConJur — O que mudou de quando você escreveu o artigo para hoje?
Eduardo Bim —
O ponto fora da curva é o mensalão. Ninguém nunca teve dúvida porque o dispositivo é claro. Não sei nem como têm coragem de dizer isso [que a perda de mandato é automática]. Você acha que não quero que eles percam o mandato? Claro que quero. Mas é muito pior perder a literalidade da Constituição para uma vontade do que eu quero, do que o que o povo decidiu pela Constituição. Isso custa caro para a democracia depois.

ConJur — Por que houve esse ponto fora da curva?
Eduardo Bim —
Imagino que seja pelo clamor popular. Embora o Supremo seja um tribunal extremamente técnico, nesse caso do mensalão a impressão que eu tenho é que aconteceu isso [clamor popular]. Quando escrevi o artigo, a jurisprudência era pacífica. A tese [de perda automática de mandato] não tem cabimento. Ela viola texto literal da Constituição. A nossa jurisprudência vai para um lado e para outro, parece um banana boat, para derrubar o cidadão.

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