Detido no exterior

Brasileiro não tem acesso a prova de prisão ilegal

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2 de setembro de 2013, 10h43

Em pouco menos de um ano, o destino do empresário brasileiro Amadeus Richers deixou de estar sob seu controle e passou a ter três possibilidades: continuar preso no Panamá, ser preso nos Estados Unidos ou voltar ao Brasil para responder às acusações penais feitas pelo governo americano. Tudo vai depender do julgamento de um Habeas Corpus pela Suprema Corte de Justiça do Panamá.

O brasileiro, sobrinho do produtor de filmes Herbert Richers, está preso no país desde o dia 10 de abril por conta das acusações que correm nos Estados Unidos. A ele são atribuídos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção internacional e formação de quadrilha, todos da época em que Richers foi diretor da empresa de telecomunicações Cynergy, que tem sede em Miami, na Flórida. O governo americano vem tratando o brasileiro como foragido desde janeiro de 2012, quando foi emitido mandado de prisão contra ele.

O acusado vem cobrando ajuda do governo brasileiro por meio de seu advogado, Vitor Marcelo Rodrigues, mas o envolvimento do Itamaraty vem sendo o de prestar assistência consular, como informou o Ministério das Relações Exteriores. A principal atitude tomada pela Embaixada do Brasil no Panamá foi na quarta-feira (28/8), quando ficou acordado que não haveria extradição do brasileiro enquanto não fosse julgado o Habeas Corpus.

A ordem de extradição de Amadeus Richers aos Estados Unidos foi expedida pelo ministro das Relações Exteriores do Panamá, Fernando Núñes Braga, no dia 6 de agosto deste ano. No entanto, os advogados reclamam, e o Itamaraty reconhece, que ela nunca foi publicada em diário oficial e ninguém foi oficiado dela. Quem recebeu a notícia foi o próprio Richers, na prisão, e aí contatou seus advogados. 

Telecomunicações
A denúncia envolve diretamente a Cynergy. Richers alega que entrou na história apenas por ter sido diretor da empresa, pois nunca esteve envolvido nos negócios denunciados pelas autoridades norte-americanas. A companhia tinha contratos com a Teleco, estatal de telecomunicações do Haiti. A acusação era de que a Cynergy subornou autoridades haitianas para ter facilidades em contratos de prestação de serviços e vencer licitações. Para o governo americano, o esquema em que a Cynergy se envolveu vai até o topo do governo haitiano e pode ter sido comandado pelo ex-padre Jean-Bertrand Aristide, que presidiu o Haiti por três vezes (1991, 1993-1996 e 2001-2004).

O mandado de prisão emitido pelos EUA é o que explica sua detenção no Panamá, segundo o advogado Vitor Rodrigues. Amadeus Richers foi preso no dia 10 de abril, quando ia do Brasil para o Equador visitar amigos. Ele saiu de São Paulo no dia 9 e chegaria a Quito, capital equatoriana, na madrugada do dia 11. Só que o voo fez conexão na Cidade do Panamá no dia 10, pela manhã, e de lá o empresário não saiu desde então.

Richers foi detido por volta das 3h do dia 10 de abril no Aeroporto Internacional de Tocumen, na capital panamenha. Segundo seu advogado, ele ficou em uma sala do aeroporto durante 30 horas e só depois foi transferido para um presídio. Sua transferência se deu por causa de um "alerta de difusão vermelha" feito pela Interpol, que o classificou como procurado internacional. Por isso é que ficou preso no Panamá, e por isso é que foi impetrado o HC contra sua prisão.

Os advogados de Amadeus Richers, Vitor Rodrigues, no Brasil, e Jhoane Long, no Panamá, reclamam que sua prisão foi “ilegal e arbitrária”, pois a difusão vermelha foi disparada mais de 24 horas depois de sua detenção no aeroporto. “Como não havia mandado escrito da autoridade competente contra Amadeus Richers no dia 10 de abril, ele foi ilegalmente detido no Aeroporto Internacional de Tocumen pelas autoridades panamenhas, o que violentou seu direito à liberdade, consagrado no artigo 21 da Constituição Política da República do Panamá”, diz o Habeas Corpus.

Cooperação internacional
Houve pedido de liminar no Habeas Corpus, impetrado no dia 2 de maio deste ano, mas ainda não houve julgamento. O advogado brasileiro estranha o comportamento do Judiciário panamenho. Segundo ele, assim como no Brasil, as liminares em HC costumam ser julgadas em até 72 horas. Mas no caso de seu cliente, a impetração já está prestes a completar cinco meses.

Rodrigues especula, no entanto, que o governo norte-americano esteja intervindo no caso para que Amadeus Richers continue preso e, dessa forma, seja extraditado para os Estados Unidos. “Amadeus pode ser processado pelos crimes de que é acusado aqui no Brasil, por meio da Justiça Federal. É o mesmo caso dos corintianos que ficaram presos na Bolívia: voltaram para o Brasil, mas não se livraram do processo. Só que é muito mais conveniente para os Estados Unidos processá-lo no próprio país”, analisa o advogado.

Também há a versão de que o governo americano está mais interessado nos políticos haitianos envolvidos na história do que em Richers ou em qualquer empresário. Acredita-se que o governo americano queira saber o tamanho da responsabilidade de Jean-Bertrand Aristitde no caso. Reportagem do jornalista Marcelo Auler publicada pela revista CartaCapital conta que o brasileiro foi procurado, na prisão, por emissários do governo americano que lhe ofereceram um acordo de delação premiada para que Richers contasse o que sabia do envolvimento de Aristide no caso. 

Só que Amadeus vem afirmando que nunca conheceu o ex-presidente e não tem conhecimento sobre o que ele poderia ter a ver com o caso investigado nos Estados Unidos. O brasileiro tem acesso a e-mail e telefone no Panamá, mas a revista Consultor Jurídico não teve resposta de seus questionamentos até a conclusão desta reportagem.

Prova fundamental
O advogado reclama da demora da Justiça panamenha, mas reclama ainda mais da Interpol. Ele conta que o alerta de difusão vermelha nunca foi enviado à defesa de Richers, e esse documento é a prova de que seu cliente foi preso ilegalemte. Isso porque, para a prisão ter acontecido no Panamá, só poderia ter acontecido no dia 10, único dia em que Richers estaria no aeroporto de Tocumen, pois logo depois seguiria viagem para Quito. 

A versão do advogado Vitor Rodrigues é que Amadeus Richers foi preso mais de um dia antes de a ordem de prisão ser expedida pela Interpol. Só que, segundo ele, a conta não fecha: Richers foi autorizado a sair do Brasil pela Polícia Federal sem maiores problemas, mas, ao chegar no Panamá, numa conexão, foi detido. “Se já havia a ordem de prisão da Interpol, por que ele foi autorizado a sair do Brasil? Como sabiam o exato dia em que ele sairia do Brasil? E como sabiam que ele faria conexão na Cidade do Panamá?”, provoca o advogado.

Se a defesa conseguir a comprovação do alerta vermelho, diz Rodrigues, será a prova definitiva de que Richers foi preso sem qualquer determinação legal. O advogado afirma que esteve no gabinete da Interpol no Brasil e o delegado responsável mostrou o alerta vermelho, cuja data de expedição era do dia 11 de abril. Mas o delegado também explicou que somente a sede da Interpol, que fica na França, pode enviar o documento aos advogados. E até hoje não enviou.

A ConJur também tentou contato com a Interpol no Brasil — que funciona como um órgão dentro da Polícia Federal —, mas não conseguiu. O delegado-chefe, Luiz Eduardo Navajas Telles Pereira, está em missão fora do Brasil e não pôde responder às perguntas da reportagem, e a assessoria de imprensa da Polícia Federal informou que pouco poderia acrescentar ao caso, já que ele diz respeito à Interpol em Paris. 

Não somos advogados
Quando do primeiro contato da ConJur com o Ministério das Relações Exteriores, no dia 27 de agosto, a informação passada foi de que o governo brasileiro não tinha conhecimento da ordem de extradição de Amadeus Richers aos Estados Unidos. A pasta afirmou que, nesses casos, a praxe é acompanhar a situação do brasileiro no exterior e prestar a chamada "assistência consular": contato constante com o empresário e com a família, visitas ao presídio e atenção às questões humanitárias.

No segundo contato, no dia 30 de agosto, o Itamaraty já havia pedido para que Richers fosse mantido no Panamá até o julgamento do HC pela Suprema Corte panamenha. O Ministério também afirmou que foram feitos alguns pedidos para que o empresário fosse transferido a um hospital local, já que sofre de câncer de próstata e tem mais de 60 anos. Mas as autoridades panamenhas avaliaram o estado de saúde dele e concluíram que não era o caso de transferência.

O Itamaraty explicou que não pode intervir diretamente nas decisões do governo panamenho e nem pedir para que Richers seja enviado de volta ao Brasil. “Só poderia pedir a extradição se houvesse alguma acusação contra ele aqui no Brasil”, disse o Itamaraty, por meio de sua Secretaria de Comunicação. “O que o governo pode fazer é negociar com o governo estrangeiro, garantir que os trâmites legais sejam respeitados e que as exigências burocráticas sejam atendidas. Mas não há como pedir a extradição a um país com o qual não temos acordo. O Panamá diz que pode extraditar para os EUA por conta de um acordo bilateral, e o Brasil não pode interferir nisso como se fosse advogado.”

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