Propriedade intelectual

STJ decidirá foro em que empresa estrangeira deve responder

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30 de outubro de 2013, 5h11

Recentemente, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina admitiu um Recurso Especial interposto por uma empresa estrangeira, que questiona o fato de uma empresa nacional ter proposto a ação no foro de seu domicílio, e não no foro de domicílio de seus advogados constituídos no país.

No caso concreto, uma empresa de Palhoça (SC) ajuizou uma ação declaratória de não infração de patente em face da empresa estrangeira titular da referida patente (que não possui filial no país), elegendo o foro de seu domicílio para a propositura da demanda.

Para tanto, a autora invocou a regra do art. 94, § 3º, do CPC, que estabelece que “quando o réu não tiver domicílio nem residência no Brasil, a ação será proposta no foro de domicílio do autor.”

No prazo legal, a empresa estrangeira, que foi citada na pessoa de seus representantes legais constituídos no país, no endereço deles no Rio de Janeiro, arguiu Exceção de Incompetência, defendendo a incompetência do foro de domicílio da autora, à luz dos artigos 217 da Lei 9.279/96 c/c 94, caput, do CPC.

O artigo 217 da LPI dispõe que “[A] pessoa domiciliada no exterior deverá constituir e manter procurador devidamente qualificado e domiciliado no país, com poderes para representá-la administrativa e judicialmente, inclusive para receber citações.”

Ao analisar a questão e interpretar a teleologia dos dispositivos em tela, a juíza de primeiro grau acolheu a Exceção de Incompetência, reconhecendo a competência do foro de domicílio dos representantes legais da empresa estrangeira para processar e julgar a causa.

Em sede de Agravo de Instrumento, o TJ-SC deu provimento ao recurso da autora, declarando a competência do foro de seu domicílio.

Em síntese, o colegiado acolheu a tese defendida pela autora no sentido de que o artigo 217 da Lei 9.279/96 estabelece apenas “a obrigação da pessoa domiciliada no exterior vir a constituir, em solo nacional, procurador com poderes para representá-la, o que não importa em critério de fixação de competência”. Em vista disso, foi aplicada no julgamento a regra do artigo 94, § 3º, do CPC.

Inconformada, a empresa estrangeira interpôs Recurso Especial, que veio a ser recentemente admitido pela Terceira Vice-Presidência do TJ-SC, que afastou a regra do artigo 542, § 3º, do CPC (retenção) e asseverou que “o presente reclamo merece ser admitido quanto à aventada violação aos artigos 217 da Lei 9.279/96; e 94 do CPC, uma vez demonstrada a aventada violação dos dispositivos legais.”

Portanto, em breve o STJ terá que decidir essa instigante questão.

A discussão é realmente interessante e as teses são sólidas.

De um lado, estão aqueles que defendem que as regras de competência são estabelecidas apenas no CPC e, portanto, não pode a Lei 9.279/96 criar uma norma especial. De outro, estão os que sustentam que a interpretação do artigo 94, § 3º, do CPC, deve ser feita em harmonia com o artigos 217 da Lei de Propriedade Industrial e 94, caput, do CPC.

O tema é inédito no âmbito do STJ.

Em que pese o cenário jurisprudencial ainda indefinido, ousamos afirmar que a razão parece estar com aqueles que entendem que a empresa estrangeira titular de uma patente deve ser acionada no foro de domicílio de seus representantes legais.

Explica-se: o artigo 217 da Lei 9.279/96 obriga as pessoas jurídicas domiciliadas no exterior, que sejam titulares de direitos de propriedade industrial registrados no INPI (patentes, marcas e desenhos industriais), a manter procurador devidamente qualificado e domiciliado no Brasil, com poderes para representá-la judicialmente, inclusive para receber citações.

Em outras palavras, o que a Lei 9.279/96 fez foi criar um domicílio para a empresa estrangeira no país.

A essência de tal dispositivo é, de um lado, evitar que o autor da demanda tenha que providenciar a citação da empresa estrangeira através de carta rogatória, o que certamente demandaria tempo e recursos, e de outro, criar um domicílio no país para a empresa estrangeira, permitindo que ela seja citada no endereço de seu representante, que deve ter poderes para receber citação e representá-la judicialmente.

Sem dúvida que a finalidade do artigo 217 da Lei 9.279/96 é facilitar o acesso à justiça, não só do autor da demanda — que não precisará litigar ou cumprir cartas rogatórias no exterior — mas também da própria empresa estrangeira, que poderá se defender no foro de seu próprio domicílio, no caso de seu procurador devidamente habilitado, que tem poderes para receber citação e representar judicialmente a pessoa jurídica.

Sobre a peculiaridade e importância desse dispositivo da LPI, assinala o doutrinador José Carlos Tinoco Soares:

"as empresas estrangeiras com domicílio fora do território nacional não podiam ser acionadas judicialmente em razão de não possuírem procurador hábil com poderes expressos para receber as citações. Tanto isto é fato que muitas ações foram iniciadas, mas não tiveram o seguimento em virtude dos procuradores administrativos não terem quaisquer poderes para recebê-las e contestá-las. Visando sanar completamente essa irregularidade, resolveu então o legislador e o fez diante dos termos do último Código de Propriedade Industrial, determinando expressamente a obrigatoriedade de, em todas as procurações provenientes do exterior, conter os poderes de representação e recebimento de citações judiciais relativa à propriedade industrial" (Lei de Patentes, Marcas e Direitos Conexos, Ed. Rev. dos Tribunais, pags. 328/329).

No mesmo sentido são os comentários extraídos do livro “Comentários à Lei de Propriedade industrial”, Editora Renovar:

“Previsto na legislação anterior (caput do art. 116 do Código de 1971), o art. 217 tem como obrigatório que a pessoa domiciliada no exterior deve constituir e manter procurador devidamente qualificado e domiciliado no Brasil para representá-la, tanto administrativa como judicialmente, inclusive para receber citações, estas, evidentemente, apenas em ações relacionadas com a propriedade industrial.

A finalidade do dispositivo é permitir que as pessoas, físicas ou jurídicas, com domicílio fora do território nacional possam ser demandadas na pessoa do procurador habilitado com poderes para receber citações, evitando-se o complexo e moroso procedimento de citação por carta rogatória.

Na hipótese de pessoa domiciliada no exterior, cujos atos não sejam praticados por procurador habilitado na forma do art. 216, deverá ser apresentada procuração conforme estatuído no art. 217, ainda que o ato tenha sido praticado pessoalmente.” (Comentários à Lei de Propriedade Industrial, Ed. Renovar, pág. 468)

Vale registrar que, embora ainda não tenha enfrentado o tema, o STJ reconhece a importância do artigo 217 da LPI:

“(…) A representação da pessoa jurídica estrangeira junto ao INPI, e para todos os efeitos da Lei de Propriedade Industrial, é tratada com rigor e seriedade, tanto que o art. 217, deste diploma, prescreve que "a pessoa domiciliada no exterior deverá constituir e manter procurador devidamente qualificado e domiciliado no país, com poderes para representá-la administrativa e judicialmente, inclusive para receber citações". (…) Tal é a importância, que a legislação dá a este documento, que a inobservância da disposição é causa de extinção da patente, conforme dispõe o art. 78, V da mesma lei, cuja previsão já estava consignada no art. 116 da Lei nº 5772/71. A severidade das conseqüências não foi estabelecida por acaso. A citação doutrinária dá conta disso. E a justificativa é propiciar o ajuizamento de demandas contra aquelas empresas estrangeiras.” (Medida Cautelar 8.042 – SP, Relator Ministro Fernando Gonçalves, publicado em 30.04.2004)

Ao que parece, não se trata de um aparente conflito de normas (artigo 94, § 3º, do CPC x artigos 217 da Lei 9.279/96 e 94,caput, do CPC), já que, tendo a empresa estrangeira um domicílio no país, por força do artigo 217 da LPI, deveria, em tese, ser observada a regra geral de competência (artigo 94, caput, do CPC).

Até porque, se a demandada é a legítima titular e a proprietária da patente concedida pelo INPI, não poderia, a princípio, sofrer um ônus tão grande e injustificado que a obrigue, por exemplo, a litigar em cada estado do país, defendendo-se de eventuais ações declaratórias de não infração de seu bem.

Arriscamo-nos a dizer que o entendimento do TJ-SC coloca a empresa estrangeira em sitação de desvantagem em relação à empresa nacional, na medida em que reconhece a obrigação das pessoas jurídicas domiciliadas no exterior de manter um procurador devidamente qualificado e domiciliado no Brasil, com poderes para representá-las judicialmente em litígios envolvendo propriedade industrial, inclusive para receber citação, mas, por outro lado, permite que litígios dessa natureza sejam dirimidos no foro do domicílio do autor, o que, a princípio, fere o Princípio da Isonomia e a própria essência da Lei de Propriedade Industrial.

Com efeito, seria um total contrassenso afastar a necessidade de citação da empresa estrangeira através de carta rogatória, à luz do artigo 217 da LPI, e, ao mesmo tempo, obrigar o representante devidamente habilitado e qualificado, inclusive com poderes para receber citação, a litigar no foro de domicílio do autor.

Ora, para propor a ação, a empresa nacional pode evitar todos os desgastes e custos de uma carta rogatória, efetivando a citação da empresa estrangeira no foro de domicílio do representante desta última, mas, para se defender, a empresa estrangeira, que é a titular da patente, não pode se valer do foro de seu próprio domicílio, devendo suportar todos os ônus de um processo ajuizado no foro de domicílio da empresa nacional.

Com a devida venia, não se pode querer apenas o “bônus” previsto no artigo 217 da LPI, deixando os ônus para a empresa estrangeira.

Em suma, o artigo 217 da Lei de Propriedade Industrial (lei específica frente ao CPC) estabelece uma regra especial, criando um domicílio para a empresa estrangeira, que precisa, necessariamente, ser interpretada em harmonia com o artigo 94, caput, do CPC, à luz do Princípio da Isonomia.

Logo, entendemos que as empresas estrangeiras titulares de bens de propriedade industrial têm fortes argumentos para questionar a propositura de ações declaratórias de não infração de seus bens fora do foro de domicílio de seus representantes legais constituídos no país.

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