Reunião de comissão

Aluno de Direito tem deficiência do ensino básico

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30 de outubro de 2013, 20h39

Diretrizes curriculares nacionais, habilidades e competências dos profissionais do Direito, além de prática e experiência dos graduandos. Esses foram os três temas debatidos na reunião da Comissão de Reforma do Marco Regulatório do Ensino Jurídico no Brasil promovida nesta terça-feira (29/10), na Faculdade de Direito da USP.

Criada a partir de uma iniciativa conjunta do Ministério da Educação e da Ordem dos Advogados do Brasil, a comissão tem o objetivo de identificar os principais problemas na formação dos bacharéis em Direito, o excesso de oferta de vagas, a qualidade dos cursos, além de propor mudanças na regulação sobre o ensino jurídico.

Presidente da Comissão, Adalberto Maciel explicou que as atividades estão divididas em dois eixos fundamentais: revisão das diretrizes curriculares nacionais e a questão da avaliação de cursos. “Não temos conclusões. O que temos são caminhos”, ponderou.

Teoria e ensino
Responsável por abrir a exposição, o professor Celso Fernandes Campilongo, da USP, colocou a Teoria do Direito no centro da questão sobre a formação dos estudantes. “São recorrentes e contínuas as teses escritas na faculdade, especialmente as defendidas por professores, que tocam neste ponto: o quanto a Teoria Geral do Direito está relacionada com os problemas dos conteúdos das disciplinas”, disse Campilongo. Para o professor, o problema do ensino jurídico não é uma questão pedagógica, mas de teoria jurídica.

Segundo Campilongo, os operadores do Direito estão cada vez mais às voltas com normas que dizem respeito a produção de outras normas. Como exemplo ele citou a questão sobre a atuação de notários como mediadores. “O problema é saber como se produz e regula uma norma jurídica. Um mediador, seja ou não um notário, ele está produzindo norma jurídica. Esse tipo de instância reflexiva anda faltando no ensino jurídico”

O professor também defendeu a adoção de critérios de avaliação diferentes para cada tipo de universidade, que levem em conta se ela é pública ou privada, se possui curso de pós-graduação e seu tempo de existência. “Não posso tratar escolas quase bicentenárias da mesma maneira como são tratadas as escolas criadas há poucos anos”, afirmou.

Provas integradas
Na sequência, o professor Ingo Wolfgang Sarlet, da PUC-RS, chamou atenção para as limitações da comissão, principalmente tendo em vista a dificuldade em lidar com o público ingressante dos cursos. “Recebemos analfabetos funcionais em número cada vez maior, isso inclusive nas instituições comunitárias”, desabafou o professor.

Na avaliação de Sarlet, os problemas do ensino jurídico não serão resolvidos com o acréscimo de anos de estudo na graduação ou com a exigência de mais créditos, mas com ajustes simples, como a aplicação de exames integrados de todo o conhecimento jurídico ensinado nos primeiros anos.

“É um cenário absolutamente improdutivo o aluno fazer três, quatro provas por semestre de cada disciplina. Ele faz de 20 a 30 provas por semestre, é obrigado a se preparar para essas provas, que são parciais, no próximo semestre ele faz mais 20, 30 provas, no final não sabe nada e tem de fazer a reconstrução disso nos cursos preparatórios”, disse Sarlet. Para ele, as instituições de ensino devem formar “juristas integrais”, capazes de atuar nos diferentes ramos do direito, seja advocacia, magistratura ou Ministério Público.

Em relação ao sistema de avaliação dos alunos, Sarlet defendeu a adoção de um modelo parecido com o da Alemanha. Lá há um primeiro exame de Estado, aplicado após os primeiros oito semestres da graduação. Quem é reprovado ainda tem uma segunda chance, mas se não passar mais uma vez, fica impedido de fazer faculdade em todo o país. Apenas depois dessa prova o candidato é admitido para estagiar nas carreiras jurídicas. Há ainda um segundo exame de Estado, feito depois de dois anos de estágio. A prova é teórica e prática, com sentenças, petições, recursos e pareceres, e dá acesso definitivo a todas as carreiras jurídicas. “Medidas desse tipo podem ser induzidas no marco regulatório. Evidentemente que pode se fazer uma composição razoável entre as diferenças entre as instituições”, diz o professor.

Desafio na pós
Coordenador da Área de Direito da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), órgão ligado ao Ministério da Educação, Martonio Mont’Alverne disse que o crescimento da pós-graduação se tornou um verdadeiro desafio nacional. Segundo ele, dos 86 cursos de pós-graduação em Direito no país, apenas 31 são de mestrado e doutorado, sendo os 55 restantes apenas de mestrado.

Acompanhando a pós-graduação brasileira desde 1998, o professor da Universidade de Fortaleza diz observar uma evolução "da água para o vinho". “Temos uma produção que não deixa nada a dever à da Alemanha, dos EUA ou de qualquer canto”. Ele reconhece que ainda há problemas quanto à assimetria de qualidade, mas que a Capes tem tentado identificar com a melhora do ranking dos periódicos. 

Ele diz notar ainda outro aspecto positivo nos últimos cincos anos: uma preocupação maior de alunos e professores com a publicação de artigos científicos internacionais. “isso tem sido extremamente positivo porque não só tem atraído a atenção de estudantes estrangeiros para o sistema de pós-graduação brasileiro como o contrário também”, disse.

Advocacia
Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-SP, Dircêo Torrecillas disse que a reunião foi produtiva, pois permitiu um debate amplo entre os interessados na melhoria do ensino jurídico. “O ensino do direito não deve ser igual, devemos respeitar as diferenças das regiões do Brasil, estados, que são distintos uns dos outros”, disse.

Para o presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, José Horácio Halfeld, o problema no ensino jurídico decorre também de um acúmulo de deficiências que os graduandos trazem do ensino médio e fundamental. “Isso é um ponto que o MEC tem uma responsabilidade no sentido de tomar providências, pois podemos fazer toda a nossa lição de casa, mas é fato que estamos lidando com material humano em algumas situações sem condições de cursar uma faculdade de direito”, disse.

O encontro também teve a presença dos professores Alexandre Veronese (UnB), Loussia Felix (UnB), Otavio Luiz Rodrigues Jr (USP), Gregório Assagra e Igor Lima Goettenauer de Oliveira (Ministério da Justiça), que integram a Comissão.

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