Defesa da concorrência

Programa de leniência é instrumento de combate a carteis

Autor

  • Vicente Bagnoli

    é professor do Insper Direito da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie pesquisador visitante do Instituto Max Planck de Inovação e Concorrência — Munique e presidente da Comissão de Estudos da Concorrência e Regulação Econômica da OAB-SP.

28 de outubro de 2013, 6h49

O programa de leniência no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) não é uma invenção nacional, pelo contrário, é a tradução de leniency agreement, como é chamado o instituto nos Estados Unidos. Praticamente todos os países com legislação de defesa da concorrência possuem um programa de leniência, ainda que com outros nomes, como programa de clemência em Portugal, programma di clemenza na Itália e conditional immunity na Comunidade Europeia.

Trata-se de importante mecanismo no combate aos cartéis, pois os indícios da infração anticoncorrencial são levados à autoridade, poupando significativos esforços e recursos públicos. A lógica, portanto, é inversa; não é a autoridade que “vai atrás” do cartel, é o cartel que é “levado” à autoridade.

Além disso, o instituto da leniência tende a desestabilizar um cartel, pois apenas o primeiro a delatar a prática (no caso do Brasil) tem direito aos benefícios estipulados no programa. Ou seja, qualquer desentendimento ou suspeitas dentre os membros do cartel traz a incerteza de que alguém poderá delatar a prática, sendo isso um forte incentivo para que aquele que se sinta ameaçado se antecipe e procure a autoridade de defesa da concorrência.

O programa de leniência foi instituído no Brasil no final do ano 2000 e o primeiro acordo de leniência foi firmado aos 8 de outubro de 2003, data que foi estabelecido o “dia nacional de combate aos cartéis”. Desde então diversos casos de cartéis, nacionais e internacionais, foram delatados e condenados. Alguns, talvez se não fosse o programa de leniência, estariam até hoje impunes, desvirtuando a concorrência e lesando a sociedade.

Atualmente o programa de leniência está previsto na Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/2011), pelo qual por intermédio da sua Superintendência-Geral o Cade poderá celebrar acordo de leniência com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de um a dois terços da penalidade, desde que haja colaboração efetiva com as investigações e o processo administrativo e que da colaboração resulte a identificação dos demais envolvidos na conduta infrativa e a obtenção de informações e documentos comprobatórios da conduta delatada.

Para que o acordo de leniência produza efeitos às empresas do mesmo grupo, de fato ou de direito, e aos seus dirigentes, administradores e empregados envolvidos na infração, todos devem firmar em conjunto o acordo.

A proposta do acordo de leniência é sigilosa, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo. Outrossim, a proposta não importa em confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada, caso seja rejeitada, e da mesma não se fará qualquer divulgação.

O sigilo, além de preservar o leniente, ajuda nas investigações em sua fase inicial, mas também resguarda informações de pessoas jurídicas e, sobretudo, a privacidade de pessoas físicas, que sofrem buscas e apreensões conduzidas pelo Cade com autorização do Poder Judiciário. É durante essa fase do sigilo que o Cade realiza a triagem do material e informações apreendidos, separando aquilo que se relaciona com as investigações e, portanto são de interesse público, e aquilo que nada diz respeito ao processo.

Por fim, o programa de leniência dispõe que nos crimes contra a ordem econômica e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como fraude em licitação pública, a celebração de acordo de leniência suspende o curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência. Mais ainda, uma vez cumprido o acordo de leniência, extingue-se automaticamente a punibilidade de tais crimes.

Contudo, o leniente não está eximido de se processado e condenado, reparar os danos causados à outrem pelo ilícito que cometeu. Ainda que seja algo muito incipiente no Brasil, sobretudo pela dificuldade em algumas situações para se calcular o valor do dano causado, são justamente esses danos que servem também de incentivo para a celebração de acordos de leniência nos Estados Unidos. Lá, quando da celebração do acordo já se estipula na conditional leniency letter os valores indenizáveis, que poderão ser pagos voluntariamente (single damages) ou por meio das ações civis (treble damages), de modo que o leniente consiga se estruturar e ao mesmo tempo a leniência produza um efeito indenizatório.

O programa de leniência, portanto, é um forte instrumento no combate aos cartéis. A preservação e o aprimoramento desse instituto é fundamental para a defesa da concorrência no Brasil e a respeitabilidade do País no cenário internacional.

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    é professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, presidente da Comissão de Estudos da Concorrência e Regulação Econômica da OAB-SP e conselheiro do IBRAC.

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