Dano por reflexo

Filha ganha indenização por acidente de trabalho do pai

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28 de outubro de 2013, 13h53

O dano infligido a um trabalhador acidentado, que restou mutilado, tem reflexos sobre aqueles com quem ele mantêm ligação afetiva. Isso porque expor o trabalhador a risco pode comprometer não só sua incolumidade física, diretamente, mas também, por via reflexa, o patrimônio subjetivo de seus entes.

Com este entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul acolheu recurso para reconhecer dano moral por ricochete — ou por afeição —, determinando o pagamento de R$ 50 mil de reparação à filha de ex-operário aposentado por invalidez desde 1998. O trabalhador teve suas indenizações determinadas em sentença proferida em maio de 2006 pela 4ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo, inclusive por dano moral.

Ao contrário da sentença que negou reparação à filha, o colegiado entendeu que este tipo de dano não necessita de comprovação. ‘‘Se o dano moral relaciona-se ao sofrimento psíquico que molestou o patrimônio moral por afeição da demandante, o dano é de todo evidente, prescindindo prova de sua efetiva ocorrência, sendo, pois, in re ipsa’’, explicou o relator do recurso, juiz convocado Marcos Fagundes Salomão.

Para o relator, à época dos fatos, a autora tinha quatro anos de idade e, seguramente, atravessou sua infância presenciando o sofrimento do pai. Houve, pois, ‘‘evidente constrangimento perpetrado em seu meio social, causado pela nova e terrível aparência física do pai’’. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 17 de outubro.

Acidente de trabalho
O imbróglio teve início dia 14 de março de 1998, quando o pai da autora sofreu acidente de trabalho ao operar uma máquina industrial da Termosola Fabricação e Injeção de Plásticos, sediada em Novo Hamburgo, na região metropolitana de Porto Alegre. Como resultado, ele teve todos os dedos amputados da mão esquerda e queimaduras de terceiro grau na totalidade das mãos, inclusive dorso e primeiro terço do antebraço.

Em vista do fato, o trabalhador ingressou com Ação Indenizatória na Justiça Comum em novembro de 1998. Os autos só foram parar na 4ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo, em função da declinação da competência cível, em outubro de 2005.

Em 31 de maio de 2006, a então juíza do trabalho Rejane de Souza Pedra — hoje, desembargadora do TRT — julgou a demanda parcialmente procedente. Condenou o empregador a: pagar pensão vitalícia correspondente a 40% do salário percebido à época do acidente, devidamente atualizado; constituir um capital para garantir o cumprimento da obrigação alimentar; reparação moral no valor de 60 vezes o salário-mínimo — R$ 7,2 mil.

A magistrada ainda determinou ao empregador que custeasse o tratamento médico-hospitalar, para a tentativa de regeneração, assim como as cirurgias plásticas na mão e antebraço. Ou seja, a empresa foi compelida a arcar com o custo do tratamento, observada a sua proporção de culpa no episódio — dois terços, segundo apurou o juízo.

Posteriormente, a 3ª Turma do TRT, em acórdão assinado em 22 de novembro de 2006, reformou parte da sentença. Atendendo recurso da empresa, o colegiado excluiu a condenação ao pagamento de despesas com tratamento médico-hospitalar. E, também por unanimidade, deu parcial provimento ao pedido do autor para fixar a pensão vitalícia em 100% dos ganhos; e aumentar a indenização por dano moral para 120 salários-mínimos — R$ 10 mil à época dos fatos.

Reparação moral
Quatro anos depois desta decisão, a filha do trabalhador — já aposentado por invalidez — ajuizou Ação de Indenização por Danos Morais em face daquele acidente. Na época, a autora tinha pouco mais de quatro anos de idade.

Em suas razões, afirmou que passou toda a infância sem poder ter o colo do pai, em razão da condição física deste. Alegou que tinha vergonha de ir com ele ao colégio, pois sabia que seus colegas iriam caçoar da sua aparência, além das chacotas. Disse que sofreu preconceito e discriminação, especialmente por parte dos colegas de escola. Atribuiu à causa o valor de R$ 150 mil.

Sentença improcedente
A juíza Déborah Madruga Costa Lunardi, da 4ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo, afirmou na sentença que não ficou demonstrado qualquer dano à esfera íntima da autora que pudesse amparar pedido indenizatório.

Para tanto, citou o laudo assinado por perito especialista em Psiquiatria. Parte do documento revela: ‘‘Não há qualquer indicativo de transtorno mental no exame da periciada. Pelo contrário, trata-se de uma adolescente saudável, que consegue manter relações interpessoais favoráveis (…). No caso em tela, não há qualquer indício de que o acidente do trabalho do pai tenha trazido qualquer consequência ao seu desenvolvimento’’.

A magistrada também comentou as respostas aos ofícios expedidos pelo juízo às escolas em que a autora estudou. Todas se manifestaram pela inexistência de danos psíquicos ou mesmo de acompanhamento psicológico. Ou seja, foram unânimes em negar a ocorrência de queixas por parte da autora ou de sua família quanto à ocorrência de discriminação e preconceitos por parte de colegas de aula, em razão da aparência da mão esquerda de seu pai.

‘‘Em sendo da autora o ônus da prova quanto à ocorrência dos fatos articulados na petição inicial (artigos 818 da CLT e 333, inciso I, do Código de Processo Civil), não se desonerou satisfatoriamente, de sorte que a pretensão merece indeferimento’’, afirmou a juíza.

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