Caso concreto

Decisão da Raposa Serra do Sol não tem efeito vinculante

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23 de outubro de 2013, 17h34

Embora o Supremo Tribunal Federal tenha definido parâmetros para a demarcação de terras quando julgou o caso da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em 2009, a extensão da decisão é ao caso específico dessa reserva. Portanto, os parâmetros definidos naquele acórdão não têm efeito vinculante para todos os casos de demarcação de terras. Foi o que o Supremo definiu nesta quarta-feira (23/10) no julgamento dos Embargos de Declaração interpostos contra o acórdão da demarcação da Raposa Serra do Sol.

Ao todo foram sete embargos opostos, todos sob a relatoria do ministro Roberto Barroso. O relator foi acompanhado em todos os sentidos de seu voto, à exceção dos ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa. O cerne do voto do ministro Barroso foi que a decisão do STF no caso da reserva indígena gerou um precedente jurisprudencial importante, mas que não tem efeito vinculante. “Foi uma decisão atípica e ousada. Até nem acho que esse deva ser o padrão, mas se o tribunal não tivesse feito como fez, a decisão não seria cumprida”, pontuou o relator.

Os embargos serviram para que o tribunal explicasse sua própria decisão, tomada em ação popular, e que fixou 19 parâmetros para demarcação de terras. O tribunal, à época, seguiu o voto do ministro Menezes Direito, que julgou procedente a ação e deu parâmetros sobre como a União deveria proceder na demarcação das terras da Raposa Serra do Sol, palco de conflitos entre índios e donos de terras.

Com a fixação desses 19 parâmetros, pelo que foi alegado nos embargos interpostos pela Procuradoria-Geral da República, o Supremo “traçou parâmetros abstratos de conduta”, o que não lhe cabe, e sem que houvesse prévia discussão com a sociedade.

De acordo com os embargos, assinados pela ex-vice-procuradora-geral da República Deborah Duprat, “o princípio democrático da separação de poderes impõe limites para a atividade normativa do Supremo Tribunal Federal que foram ostensivamente ultrapassadas no caso. Na hipótese, sem nenhuma discussão previa, foram estabelecidas linhas gerais de conduta em temas complexos. Tal procedimento viola não apenas as regras legais concernentes aos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, como fere de morte os princípios democráticos da separação de poderes segundo os quais cabe ao legislador a prerrogativa de expedir normas gerais e abstradas de conduta”.

Esse argumento, de acordo com o próprio Barroso, foi o mais técnico interposto no caso. Mas ele discordou. Afirmou que o tribunal seguiu o que propôs o ministro Direito e entendeu que “não seria possível por fim aos conflitos sociais e fundiários sem anunciar os aspectos básicos do regime jurídico aplicável à área demarcada”. No entanto, continuou Barroso, a opção tomada pelo STF não transforma “a coisa julgada em ato normativo geral e abstrato vinculante para outros processos”.

“Não se aplica no Brasil o sistema do common law, no qual as razões de decidir dos tribunais superiores vinculam os demais tribunais, embora essa seja a tendência aqui. Dessa forma, a decisão não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas. Foram inclusive extintos monocraticamente vários pedidos que queriam a extensão automaticamente a outras áreas de demarcação”, pontuou o relator.

Ele ponderou que isso não quer dizer que o STF deva se limitar a resolver o caso concreto, apenas que suas decisões não têm caráter vinculante formal — à exceção, claro, dos casos em que o tribunal exerce o papel de controle de constitucionalidade. “Tendo a corte enunciado a sua compreensão acerca da matéria, a partir da aplicação do sistema constitucional, é apenas natural que esse entendimento seja relevante em outras questões.”

O ministro Marco Aurélio ficou vencido nessa questão. Enquanto o relator acolheu os embargos infringentes para esclarecer a questão, Marco Aurélio acolheu para modificar o sentido da decisão: para ele, o tribunal se excedeu em suas funções de julgar o que foi posto, e estabeleceu regras de conduta. Seu voto, portanto, foi para acolher os embargos “com eficácia modificativa substancial”.

No julgamento da ação popular, o ministro Joaquim Barbosa votou pela improcedência total do pedido. No julgamento dos embargos, concordou com a argumentação de Marco Aurélio: a fixação de parâmetros de demarcação de terras pelo Supremo significou a edição de norma abstrata de conduta. No entanto, como ficaria vencido ao lado de Marco Aurélio, acompanhou o relator e votou no sentndo de que os parâmetros se apliquem apenas ao caso da Raposa Serra do Sol.

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