Direitos Humanos

Estados devem reparar apesar de leis de anistia

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22 de outubro de 2013, 19h38

Os Estados devem buscar formas de investigar o passado para elucidar crimes cometidos por seus agentes durante regimes totalitários e reparar suas vítimas apesar de suas leis de anistia. Essa é a posição do juiz Diego Garcia-Sayán, presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, durante entrevista coletiva na tarde desta terça-feira (23/10) na sede do Conselho Nacional de Justiça, em Brasília.

A fala de Sayán foi uma análise a respeito da situação dos países latino-americanos que, antes de acabar com seus governos ditatoriais, aprovaram leis anistiando os crimes cometidos pelos agentes estatais e pelos que lutaram contra o governo repressivo. A decisão da corte no caso específico do Brasil foi tomada quando do caso da atuação do Exército brasileiro na repressão à chamada Guerrilha do Araguaia.

Naquele caso, a corte deixou claro que a investigação de crimes cometidos por Estados durante ditaduras é obrigação de meios e não de resultado. E portanto não podem ser atrapalhadas pela existência de regras de anistia, ainda que sejam leis aprovadas pelo Poder Legislativo (clique aqui para ler a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em português).

É o caso do Brasil, que em 1979 viu aprovada a Lei 6.683 concedendo anistia a todos os que cometeram crimes políticos entre setembro de 1961 e agosto de 1979. A regra valeu tanto para agentes estatais quanto para os militantes que pegaram em armas para tentar derrubar o regime.

O comentário de Sayán repete a jurisprudência da Corte Interamericana, que determina aos Estados que passaram por ditaduras que investiguem os crimes cometidos pelos aparelhos de governo e busquem formas de reparar as vítimas e seus familiares. “Nós não propomos modelos, mas recomendamos que cada país encontrei seu próprio caminho”, disse o presidente.

No caso do Brasil, essa reparação poderia encontrar um empecilho justamente por causa da Lei de Anistia, de 1979. O Supremo Tribunal Federal brasileiro entende que crimes contra a humanidade, como nos casos de desaparecimento forçado por agentes estatais, são permanentes e não prescrevem. Só que decide isso apenas nos casos de ex-funcionários de ditaduras estrangeiras, já que no Brasil o próprio Supremo fixou que a Lei da Anistia foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, e portanto os agentes estatais que cometeram crimes não podem ser punidos por eles.

O governo federal brasileiro, em busca de fazer as investigações recomendadas em sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos, criou sua Comissão Nacional de Anistia, submetida ao Ministério da Justiça. A posição institucional da comissão, conforme explicitada por seu presidente, Paulo Abrão, é a de que a Lei de Anistia se tornou uma “regra de ouro” para ditadores do passado. Para Abrão, o fato de o Supremo ter entendido que a Lei da Anistia foi recepcionada pela Constituição, passa a mensagem ao “ditador do futuro” de que, antes de deixar o poder, edite uma lei que o "absolva de todos os seus crimes".

Entretanto, para García-Sayán, “as leis de anistia são faculdades dos poderes legislativos de cada país, e deixar sem efeito uma lei traz várias consequências”. A recomendação do presidente da Corte Interamericana é que cada país encontre o seu caminho que elucidar o próprio passado.

“Há países da América Latina em que as leis estão vigentes, mas o Judiciário vem desenvolvendo mecanismos de investigação. Há correntes na América Latina que buscam encontrar formas de que as vítimas sejam reparadas sem que se passe pelo caminho da vingança”, afirmou. É o caso da Argentina, onde a Corte Suprema declarou inconstitucionais as duas leis de anistia vigentes que impediam a apuração de crimes cometidos pela ditadura militar local, que foi de 1972 a 1977. No entanto, no Brasil, “temos uma lei e uma decisão desta Suprema Corte [o STF] que a chancelou”, como finalizou a questão o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa.

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