Polêmica das biografias

Não existe direito absoluto à informação ou à intimidade

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19 de outubro de 2013, 13h39

"Aperfeiçoa-te na arte de escutar, só quem ouviu o rio pode ouvir o mar" (Leão de Formosa)

A sensação é de frustração. Tínhamos uma oportunidade fantástica de discutir um tema relevante quando fomos tragados pela passionalidade. O assunto é fascinante: pondera dois direitos constitucionais, o da informação e o à intimidade.

Ao contrário do que tem sido publicado, é o direito à informação, e não à liberdade de expressão, que está em jogo. Este último, mais amplo, abrange falar o que se pensa e se tem coragem de dizer, respondendo pelo excesso nos termos da lei. Cada um sabe a dor e a delícia de dizer o que quer!

O direito à informação é o que se aplica às biografias. O biógrafo se informa para contar o que julga ser verdade sobre o biografado. Se inventar, é ficção, não biografia.

Importa discutir quem é o destinatário do direito contraposto. Quem deve ter preservada sua intimidade e em quais limites. Há três classificações: o agente público, o cidadão com notória exposição e o anônimo.

Julgamos ter o direito de saber como se porta o agente público no afã de exercer certo domínio psicológico e ideológico sobre ele, exigindo-lhe coerência entre sua vida e seu discurso. Isso não significa que precisamos saber suas impotências.

O cidadão-celebridade ocupa um lugar no imaginário nacional, e o público tem o direito de saber sobre o que lhe deu notoriedade, seja ele um cantor, um ator, um jornalista. Fora dessa hipótese, o direito à intimidade desse cidadão deve ser mais preservado do que o do agente público.

Quanto ao anônimo, que não buscou ou não conseguiu notoriedade, pouco resta a dizer, pois não se vê no rol dos possíveis biografados e mantém preservado seu direito à intimidade, no mais amplo aspecto.

Qualquer ponderação entre esses direitos (informação e intimidade) que lance a um plano menor a conquista fantástica que é a preservação da vida íntima, é mesquinha, injusta e reducionista.

Pessoas sérias brincam com lugares-comuns tipo "afasta de mim este cale-se", ou "é proibido proibir". Emperram uma reflexão necessária. Muitos que clamam pelo direito à informação (traduzido em escrever e vender biografias) circunstancialmente defendem o respeito à intimidade, quando lhes convém.

Não existe direito absoluto, nem à informação, nem à intimidade. Nessa ponderação é que podemos testar o que molda o caráter e a têmpera de cada um. Sou contra qualquer hipótese de censura prévia. Quero, no entanto, poder recorrer ao Judiciário para reparar prejuízos, impedir danos, ou mesmo garantir o direito de informar e ser informado.

Um exemplo ajuda a refletir. Imagine uma mulher que tenha sido sequestrada e submetida a sevícias sexuais. Libertada, e preso o seu algoz, ela leva no íntimo dois dramas: o flagelo de ter sido violentada e o medo feroz de ver exposta tal vilania.

O sequestrador tem o direito de publicar os sórdidos detalhes, verdadeiros, desse horror? O direito à informação é absoluto? Se você concorda que seria um ultraje, mesmo sendo um caso extremo, me garante o direito de discutir o assunto.

Eu sou, e cada um é, dono da sua verdade e vontade. O Judiciário dará a palavra final caso a caso. Não é real, como se tem afirmado, que os defensores do direito à intimidade pretendem criar uma nova lei. Esse discurso não passa de marketing. O que se quer é garantir o livre exercício do direito à liberdade de expressão, de informação e também à intimidade, seja um agente público, uma celebridade ou um anônimo.

Todos têm o direito de ser prepotentes e incoerentes, mas passionalidades exageradas cansam. Vamos ouvir e nos posicionar, mas com delicadeza e respeito. Lembro o querido Pessoa, na pessoa de Pessoa: "Arre, estou farto de semideuses"! 

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