Decisões em excesso

Objetivo inicial do julgamento monocrático é desvirtuado

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18 de outubro de 2013, 7h11

É inerente ao conceito de recurso que o seu julgamento se dê perante um tribunal e de forma colegiada. Garante-se às partes, com esse sistema, que as decisões dos juízes de primeiro grau, solitárias por natureza, sejam revistas por vários julgadores, usualmente mais experientes, assegurando-se aos advogados o direito de sustentar oralmente as razões desses apelos. Assim ocorre com todos os recursos previstos no processo civil brasileiro, com exceção dos Embargos de Declaração e dos agravos, para os quais inexiste previsão de sustentação oral, mantida, porém, a regra da colegialidade.

Essa realidade começou a ser mitigada com a permissão legislativa inserida no artigo 557 do Código de Processo Civil (redação dada pela Lei 9.756/98), que passou a permitir que o relator, nos casos em que o recurso se apresentasse manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, pudesse julgá-lo de maneira monocrática, ou seja, solitária.

O objetivo da alteração legislativa era claro e até elogiável: reduzir o volume de trabalho dos tribunais, barrando, por decisão singular do relator, os recursos que não tivessem qualquer chance de êxito, quer por lhe faltarem requisitos processuais, caso de inadmissão, quer por serem, no mérito, incompatíveis com a jurisprudência já pacificada dos tribunais. Olvidou-se, porém, o legislador de lançar no texto legal o que se mostra hoje uma salutar advertência: “julgamentos monocráticos em excesso podem atentar contra a vida do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal: aplicar com moderação!”.

O que era para ser uma exceção, com o passar dos anos converteu-se em regra; o poder de julgar monocraticamente o recurso hipertrofiou-se de tal maneira que se transformou num verdadeiro superpoder, com gravíssimas consequências para as garantias constitucionais mencionadas no parágrafo anterior. Normalmente, apelações, agravos e outros recursos são abortados ab ovo por decisões genéricas, tipo modelo, que a qualquer caso se amoldam, sempre sob a lacônica alegação de que o recurso é contrário à jurisprudência dominante do tribunal. Para empiorar, na maioria das vezes o julgador sequer cita a tal jurisprudência dominante que ensejou a prematura rejeição do recurso.

Nesses casos, fica a parte em total desamparo, pois o agravo (interno ou regimental) cabível contra tais decisões monocráticas quase nunca (ou nunca) é acolhido pelos colegiados, até porque igualmente vitimado por decisão do tipo modelo, que por seus termos sempre genéricos também se amoldam a quase todos os casos julgados. A situação, calamitosa por si, torna-se dramática quando o recurso barrado pelo superpoder monocrático é a Apelação, visto que nesse caso a decisão singular do relator surrupia da parte – e de seu advogado – o sagrado direito de sustentar oralmente as razões do recurso perante o órgão colegiado, pois o agravo (interno ou regimental) não comporta tal sustentação.

Ora, é claro que a forma como os tribunais têm aplicado a técnica do julgamento monocrático macula o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal. Em palavras mais claras: o superpoder monocrático tem sido utilizado de maneira inconstitucional, pois que em violação a direitos fundamentais das partes.

A comunidade jurídica precisa reagir. A doutrina deve se manifestar de maneira veemente sobre o tema, com o que estará a exercer seu papel de constranger a jurisprudência a aplicar a técnica dentro dos limites da Constituição. Mas é sobretudo a Ordem dos Advogados do Brasil, quer por seu Conselho Federal, quer por suas seccionais, quem deve levantar a bandeira de conscientização e luta contra essa sinistra situação, honrando a incumbência que lhe dá o artigo 44, I, da Lei 8.906/94, de defesa intransigente da Constituição, da ordem jurídica e do Estado democrático de direito.

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