Desvio de pedágio

Panfleto intimidatório não causa dano moral, decide TJ-RS

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14 de outubro de 2013, 9h55

Embora o artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor, acene com a possibilidade de reparação por danos morais coletivos, não é qualquer atentado ao interesse dos consumidores que se encaixa nessa previsão. A violação deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiro sofrimento, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva.

O entendimento levou a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a derrubar sentença que condenou uma concessionária de rodovias a pagar R$ 50 mil a título de dano moral coletivo. Motivo: a empresa espalhou cerca de 20 mil folhetos alertando para os perigos e ilegalidades de evitar as praças de pedágio via ‘‘rotas de fuga’’.

O relator da Apelação, desembargador Túlio de Oliveira Martins, afirmou no acórdão que o simples recebimento de um panfleto não é suficiente para causar sofrimento, abalo psíquico, ofensa à honra ou algo do gênero. Logo, não houve violação do patrimônio moral da coletividade, como entendeu o juízo de origem.

Conforme o relator, a ‘‘rota de fuga’’ não é uma opção de pista alternativa, pois o trecho percorrido se resume a um contorno à praça de pedágio. Tal atitude, a seu ver, evidencia locupletamento indevido, já que o usuário da rodovia goza de serviço público outorgado sem o devido cumprimento da contraprestação pecuniária.

‘‘Ressalte-se que a concessionária tem como fonte essencial, senão única, os recursos oriundos das tarifas pagas pelos usuários. Assim, a ausência desse suporte financeiro, em decorrência do estímulo às rotas de fuga, sem dúvida, implica a quebra ou ameaça ao equilíbrio financeiro da equação. O rompimento desse equilíbrio acarretaria enorme dano ao erário e ao poder público em geral e, em última análise, a toda população’’, encerrou. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 26 de setembro.

Atuaram na defesa da concessionária os advogados Antonio Henrique de Oliveira Braga Silveira, Joel Picinini e Marcos Brossard Iolovitch, do escritório Brossard, Iolovitch Advogados, de Porto Alegre.

O caso
Em fevereiro de 2003, Valmor Colombo e Juarez Camargo compareceram à 2ª Promotoria de Justiça de Farroupilha para denunciar que a concessionária Convias estava distribuindo panfletos intimidatórios, com o intuito de coibir os usuários das rodovias RS-122, trecho Farroupilha/Caxias do Sul, e da BR-116, em Vila Cristina, de utilizar rotas alternativas como desvios dos postos de cobrança de pedágio.

No ‘‘Aviso aos Usuários das Rotas de Fuga’’, a permissionária advertia que as manobras chamadas de irregulares, feitas para evitar a praça de pedágio, colocavam em risco a própria vida do motorista e as dos demais usuários da rodovia. Dentre as manobras, citava: as paradas sobre a pista, as conversões à esquerda ou à direita na contramão do fluxo do tráfego e as evasões para não pagar as tarifas.

As infrações apontadas, conforme o ‘‘Aviso’’, estão previstas nos artigos 182, 207 e 209 do Código de Trânsito Brasileiro. As duas últimas são consideradas graves e sujeitam os usuários à multa e registro de pontos na Carteira Nacional de Habilitação. Assim, ‘‘os usuários das rotas de fuga poderão ser responsabilizados por danos materiais e morais, em decorrência de acidentes causados por infrações às normas do tráfego de veículos’’, encerrava o ”Aviso”.

Em face do ocorrido, o Ministério Público do Rio Grande do Sul ajuizou Ação Civil Pública contra a Convias, sustentando que a divulgação do panfleto teve caráter de coação, a fim de compelir os usuários a passar pelas praças pedagiadas. Ou seja, que o texto teria sido montado para atemorizar os que usam as vias de chão batido — ‘‘estradas de colônia’’ — para fugir da cobrança.

O MP afirmou que a concessionária utilizou a Polícia Rodoviária estadual para obrigar os motoristas a parar seus veículos e receber os panfletos. Destacou que a presença de policiais rodoviários emprestou ao ato conotação de legalidade, já que sua presença impõe respeito e medo aos usuários da rodovia.

Tais atos, segundo a inicial, contrariaram as disposições do Código de Defesa do Consumidor e do princípio de dignidade humana, agredindo, também, os direitos difusos da coletividade formada pelos usuários de rodovias. Além de dano moral coletivo, o MP pediu que a concessionária fosse condenada a se abster desse tipo de ato e de indenizar os usuários prejudicados.

Além da concessionária, integrou o polo passivo da demanda o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer). A Associação dos Usuários das Rodovias Concedidas (Assurcon-Serra) foi admitida no polo ativo da ação.

A sentença
A juíza Claudia Bampi, da 3ª Vara da Comarca de Farroupilha, considerou a distribuição dos folhetos abusiva, em face do seu conteúdo. Primeiro, porque, no caso da praça Caxias-Farroupilha, não se trata de ‘‘rota de fuga’’ criada com a finalidade de burlar o pedágio, mas de desvio puro e simples.

‘‘O caminho já existia antes mesmo da criação da praça de pedágio, sendo utilizado por moradores e não-moradores. O fato de grande quantidade de pessoas passar a usá-la depois da criação do pedágio não a torna ilegal’’, escreveu na sentença.

Em segundo lugar, porque os autos demonstraram que não havia uma determinação do Daer para que se fizesse tal advertência aos usuários. A seu ver, teria ocorrido orientação, sugestão, e não determinação, como constou expressamente no material distribuído.

Segundo a juíza, a prática abusiva infligiu danos a toda uma coletividade de pessoas, sendo desnecessária a averiguação da efetiva ocorrência do dano na esfera moral de cada indivíduo. ‘‘O fato em tela, além de notório, restou amplamente demonstrado nos autos, conforme se infere, em especial, das matérias jornalísticas acostadas, causando intranquilidade social e gerando sentimento de revolta na comunidade.’’

Assim, a juíza julgou a demanda parcialmente procedente. Condenou a concessionária a se abster de proibir os usuários da RS-122 de utilizar outros caminhos e a pagar R$ 50 mil a título de danos morais coletivos em favor do Fundo Estadual de Reconstituição de Bens Lesados.

Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão. 

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