Segunda Leitura

Repressão ao crime organizado envolve sequestro de bens

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

13 de outubro de 2013, 8h00

Spacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">Na visão da sociedade a punição pela prática de um crime resolve-se com a prisão do condenado.  As sanções restantes são desprezadas. No entanto, desde que aplicadas e acompanhadas com empenho e seriedade, elas podem constituir-se em eficiente forma de punição ou regeneração.

Entre as formas de atingir-se o autor do crime, está o sequestro dos seus bens. Isto vale para um crime comum, como um atropelamento com morte, e também para o crime organizado. Contudo, é medida cuja implementação ainda não atingiu o grau de eficiência que dela se espera.

Para o juiz federal Sérgio Moro “não basta para prevenir ou reprimir o crime, a imposição de prisão ao criminoso. O que é essencial é privá-lo dos ganhos decorrentes de sua atividade, ou seja, sequestrar e confiscar o produto do crime” (O Estado de S. Paulo, 26.7.2009, p. J5).

O assunto assume especial atenção pela divulgação da eficiente investigação promovida pelo Ministério Público de São Paulo sobre as atividades de uma das mais importantes organizações criminosas do Brasil. O título de notícia jornalística diz tudo: “Maior investigação da história do crime organizado denuncia 175 do PCC” (O Estado de S. Paulo, 11.10.2013, A-16 a 18) e revela a existência de bases da sociedade na maioria dos Estados brasileiros, no Paraguai e na Bolívia.

A perda dos instrumentos do crime (v.g., um revólver) ou do produto do crime ou bem ou valor dele decorrente eram regulados pelo artigo 91 do Código Penal de 1940. Todavia, sua aplicabilidade sempre foi pífia, pois a redação era pouco clara, exigia que a perda fosse originada de crime, excluindo as contravenções (v.g., jogo do bicho) e impunha prova segura de que o produto (p. ex., um depósito em Banco) foi obtido com o crime. A jurisprudência era quase inexistente. Basta ver a obra de Cezar Roberto Bitencourt, Código Penal, Saraiva, 2ª. ed., 2004, pgs. 303-305, onde constam apenas 10 precedentes.

Todavia, esta situação vem se alterando. A Lei 12.694, de 24.7.2012, inovou ao dar no artigo 4º nova redação ao artigo 91 do Código Penal, introduzindo um parágrafo 1º que diz: “Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior”.  Portanto, agora, outros bens ou valores poderão substituir os que correspondam ao produto do crime, pondo-se fim à cômoda situação de o infrator investir em negócios ou atividades e livrar-se da apreensão, sob o argumento de que o sequestro só poderia dar-se no produto direto do crime.

Mas de nada adiantaria esta inovação legal, se não viesse acompanhada de medidas processuais que lhe dessem efetividade. Neste sentido, a nova redação do artigo 144-A do Código de Processo Penal avança significativamente, ao dispor que: “O juiz determinará a alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção”.

A possibilidade de alienação antecipada resolve o problema da manutenção, por anos, de bens sequestrados, que é cara, ineficiente e prejudicial a todos, inclusive aos denunciados. Todos já viram dezenas de carros apreendidos que se deterioram em terrenos baldios, testemunho vivo da ineficiência do Estado. Agora, situações como esta podem ser resolvidas de imediato, por leilão eletrônico, depositando-se o valor apurado, que não poderá ser inferior a 80% da avaliação. Se sobrevier condenação, recolhe-se a favor do Estado. Em caso de absolvição, devolve-se ao réu. 

A Lei 12.850/2013 deu um novo passo a favor do combate ao crime organizado. No artigo 1º, parágrafo 1º, dispõe que “Considera-se organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional”. O conceito auxilia a definir a distinção entre bando e quadrilha (Cód. Penal, artigo 288) e organizações estruturadas e permanentes. 

Referida lei, antevendo o futuro, dispôs que ela se aplica aos crimes previstos em tratados internacionais e aos de terrorismo, indesejadas mas reais tendências do século XXI. 

O artigo 2º prevê como conduta típica “Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”. É dizer, aqueles que não participam, mas se beneficiam da associações criminosas, por exemplo, emprestando dinheiro a juros mais convenientes, sujeitam-se a uma pena que vai de 3 a 8 anos de reclusão.

Por sua vez o artigo 3º coloca a legislação brasileira no mundo real, prevendo a possibilidade de uso de provas contemporâneas, como a colaboração premiada, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, e a infiltração, por policiais, em atividade de investigação.

Mas, de todas, talvez a mais importante seja a recomendação do inciso VIII do artigo 3º, que fala da necessidade de cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas. Aqui o mais difícil.

As instituições públicas, tal qual as pessoas, buscam destaque próprio. O individualismo, característica de nosso povo, contribui para que isto se dê com frequência. O resultado é que a tendência é dos órgãos da Segurança Pública, do Ministério Público, do Poder Judiciário e do Poder Executivo trabalharem isoladamente.

No entanto, é preciso que se reconheça e louve algum progresso neste tipo de conduta. No ano de 2003 criou-se, no âmbito do Ministério da Justiça, a Enccla – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, a qual “Consiste na articulação de diversos órgãos dos três poderes da República, Ministérios Públicos e da sociedade civil que atuam, direta ou indiretamente, na prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, com o objetivo de identificar e propor seu aprimoramento”. 

Das reuniões periódicas da Enccla, saem orientações, acordos, aproximações, que muito contribuem para o combate aos crimes contra a ordem econômica e a lavagem de dinheiro. Por exemplo, não há como apurar tais delitos sem a participação da Receita Federal. 

Dentre os órgãos que atuam na Enccla um merece especial menção: a Controladoria-Geral da União (CGU), que é regulada pela Lei 10.693/2003 e que tem por missão apurar denúncias fundamentadas relativas a lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público. A CGU não somente instaura procedimentos, como pode avocar os que se encontrem em tramitação para corrigir-lhes o andamento, inclusive promovendo a aplicação da penalidade administrativa cabível. Presidida com competência e discrição pelo juiz aposentado Jorge Hage, tem prestado colaboração a outros órgãos públicos, inclusive ao Conselho Nacional de Justiça nas investigações feitas pela sua Corregedoria. Da mesma procede a CGU nos seus processos. No rumoroso caso da servidora Rosemary Noronha, que chefiava a superintendência da Anac em São Paulo, aos 24.9.2013 a CGU aplicou a pena de perda da função pública. 

Aí estão algumas medidas que, na área da Segurança Pública, o Estado brasileiro pode utilizar para cumprir o mandamento constitucional da eficiência, que a Constituição lhe atribui no artigo 37. Mas é preciso que o sequestro e perdimento de bens, inclusive com alienação antecipada, tornem-se parte da rotina das Varas Criminais. 

Neste particular, é preciso que o assunto seja mais discutido, inclusive em sala de aula, onde muitas vezes ainda prevalecem as teorias e os exemplos do século XIX. Além das publicações impressas, a internet disponibiliza bons estudos a respeito, como o livro Confisco Criminal, de Marcos Falcão Critsinelis. 

E mais. É necessário que os juízes se afastem do modelo de magistrado distante e recluso em seu gabinete e compreendam que estamos vivendo um novo momento, o qual exige do juiz uma ação mais participativa, que no caso em estudo se concretiza com atitudes que deem efetividade às novas normas, inclusive a alienação antecipada de bens. Disto já há diversos precedentes, inclusive com rendimentos expressivos para o Estado, como o caso de traficante cujos bens leiloados atingiram R$ 6 milhões

Cabe aqui lembrar que o CNJ, através de sua Corregedoria Nacional, editou um Manual de Bens Apreendidos que, muito embora anterior às leis citadas, é de grande utilidade.

Em suma, muito há a fazer neste campo e a Constituição Federal, no artigo 144, dispõe que a Segurança Pública é direito e responsabilidade de todos, o que é pouco conhecido e lembrado. 

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