Democracia fiscal

Segurança jurídica demanda mudança de atitude de auditores

Autor

  • Eurico de Santi

    é professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas

10 de outubro de 2013, 7h19

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

Nesses 25 anos de vigência da Constituição Federal de 1988, das 74 emendas feitas à Constituição, 33 cuidaram não só de matéria tributária mas em sua esmagadora maioria trataram direta ou indiretamente do aumento da pressão fiscal sobre os contribuintes: criação do IPMF, depois convertida na CPMF, aumento da base de cálculo do PIS/Cofins para receita bruta, autorização da progressividade para o IPTU, instituição da Contribuição de Iluminação Pública, novas hipóteses de incidência para Cide combustíveis, edição do PIS/Cofins importação, exigência do ICMS na importação de pessoa física, aumento da carga tributária nominal pela inauguração do PIS/Cofins não-cumulativo, constitucionalização do malsinado regime da substituição tributária para o ICMS e a oportuna desvinculação de arrecadação de impostos e contribuições sociais da União (DRU).

O direito não é uma varinha mágica. O projeto de sistema tributário exaustivamente instalado no texto constitucional, limitando o número de impostos e formalizando o pacto federativo de 1988, não impediu o aumento da carga tributária, não inibiu o avanço da guerra fiscal nem o aumento da complexidade. Não precisamos de mais regras. O direito, aqui, encontra seus limites. O que falta é mais debate democrático: a carga tributária sobe porque os gastos públicos aumentam. É preciso orientar o foco das eleições no debate sobre tributação, federalismo e tamanho do Estado.

Guerra fiscal e federalismo são problemas políticos. O direito pode formalizar o pacto federativo, mas não é instrumento suficiente para definir os limites e contornos da federação. Que serviços públicos queremos nas três esferas de poder e quanto estamos dispostos a pagar por eles? Quanto custa a guerra fiscal, quem paga por isenções, incentivos e anistias? Os dilemas fiscais e federativos do Brasil não se resolvem a partir de uma simples conversa de técnicos. São problemas da nossa frágil democracia, na qual o eleitor não se sente contribuinte nem é convidado a deliberar sobre assuntos de Estado.

Já a segurança jurídica e a simplicidade tributária demandam a simples e revolucionária mudança de atitude dos auditores fiscais, no sentido de utilizarem sua expertise a favor do contribuinte, na sistematização e interpretação da legislação tributária. Afinal, a verdadeira e última legalidade está nos atos de interpretação do direito. A estabilidade funcional existe para garantir a liberdade de expressão do servidor público na defesa da sociedade. Há que se romper a prática de o Fisco servir aos interesses do chefe do executivo, utilizando o sigilo fiscal como barreira estratégica para ocultar a promiscua relação entre privilégios fiscais e financiamento de campanhas políticas.

O mundo mudou. A era da informação é uma realidade e nos oferece a tecnologia e o fluxo comunicacional que nos faltou em outras eras históricas. A Lei de Responsabilidade Fiscal iniciou esse trabalho, a Lei de Transparência e a Lei de Acesso à Informação consolidaram a possibilidade do efetivo exercício do poder orientado pela sociedade em rede, rumo a um Estado aberto na Internet. Falta empoderarmos o povo brasileiro. O gigante acordou, parece que já encontrou o caminho das ruas, sua voz já foi ouvida, só falta informá-lo e dar valor e importância à sua deliberação.

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    é professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas

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