Obrigação do Estado

Cinemas não são obrigados a exibir fotos de desaparecidos

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7 de outubro de 2013, 10h19

Uma lei municipal pode transformar empresas em agentes de cooperação do sistema de segurança pública? Para o juiz Hélio do Valle Pereira, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Florianópolis, a resposta é não. Graças a uma liminar concedida em 17 de julho pelo juiz, três operadoras de cinema podem manter as salas abertas ao público. Os locais foram fechados pela Prefeitura de Florianópolis, em meio às férias escolares, devido ao descumprimento, por parte das empresas, da Lei municipal 9.028/2012, que torna obrigatória a exibição de fotos de crianças e adolescentes desaparecidos após os trailers e antes dos filmes.

A decisão marca mais um capítulo na guerra aberta entre a Prefeitura de Florianópolis e os cinemas da cidade. Desde que a lei entrou em vigor, no ano passado, apenas duas das 22 salas de cinema no município têm cumprido a regra, segundo o secretário de Serviços Públicos de Florianópolis Acácio Garibaldi.

Sancionada em 31 de agosto de 2012 pelo prefeito Dário Berger (PMDB), a lei determina, em seu artigo 1º, parágrafo 1º, que “a exposição das fotos deverá ocorrer antes da exibição do filme em cartaz, logo após divulgação do trailers”. Já o artigo 1º, parágrafo 2º, prevê que “o tempo destinado para a veiculação das fotos deve ser de, no mínimo, 30 segundos em cada exibição de filmes em cartaz”. As punições estão regulamentadas no artigo 3º: notificação com prazo de 15 dias para cumprimento, suspensão do funcionamento por 30 dias e cassação do alvará.

Ao conceder a liminar que permitiu a reabertura das salas, o juiz afirmou que a lei é altruísta e não se discute a intenção que pode levar à localização de pessoas desaparecidas. No entanto, não há justificativa que permita a imposição de dever de cooperação a empresas privadas que atuam em atividades sem conotação estatal. Para Pereira, a Prefeitura abusou de seu poder ao imputar à entidade particular responsabilidade estranha ao seu objeto social.

De acordo com a decisão, o poder de polícia estatal abrange apenas aspectos inerentes à atividade da companhia. Assim, uma operadora de cinemas deve preocupar-se com a segurança de seus clientes e com o respeito à classificação etária. Impor obrigação de fazer “desentrosada da exploração econômica de que se cogita”, segundo o juiz, não é razoável.

Outros dois argumentos também são citados na decisão: a ausência de competência municipal para legislar sobre crianças e adolescentes, de acordo com o artigo 24, inciso XV, da Constituição, e o desrespeito aos próprios termos da Lei 9.028. O texto da norma aponta que a suspensão das atividades só ocorre após a notificação, o que não ocorreu na situação.

Para o advogado das salas exibidoras, Ricardo Costa Bruno, do escritório Martinelli Advocacia Empresarial, a Prefeitura não tem poder para criar obrigação para as empresas privadas. O segundo erro do governo municipal ocorreu, continua ele, durante a execução da lei. Ricardo Bruno afirma que as operadoras receberam notificações com prazo de apenas sete dias, enquanto a lei prevê 15 dias.

Além disso, os mandados que permitiam a interdição continham data posterior à data em que as salas foram fechadas. Ele informou que a liminar concedida pelo juiz Hélio do Valle Pereira, que permite o funcionamento dos cinemas, foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, e já foi impetrada uma ação questionando a constitucionalidade da Lei 9.028.

O secretário de Serviços Públicos de Florianópolis, Acácio Garibaldi, afirmou que "a lei foi feita para cumprir, não nos cabe interpretar”, e explicou a razão que levou a Prefeitura a fechar os cinemas. Segundo ele, entidades que atuam na busca por crianças e adolescentes desaparecidos apresentaram diversas reclamações contra a postura das operadoras. Acácio lamentou que, após a concessão da liminar, os cinemas continuem desrespeitando a lei municipal, e informou que a Prefeitura está disposta a negociar. 

Clique aqui para ler a decisão.

Clique aqui para ler a Lei 9.028.

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