Justiça Tributária

O IPTU é um imposto justo para viver na cidade de SP

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

7 de outubro de 2013, 8h00

Spacca
O projeto de lei do prefeito paulistano, Fernando Haddad, pretendendo reavaliar a planta genérica de valores para viabilizar uma melhoria da arrecadação municipal, sob o argumento de que os lançamentos acham-se defasados ante a realidade imobiliária, merece algumas considerações à vista do conceito já consagrado da Justiça Tributária. 

Esse conceito não admite que o cidadão permaneça na egoística posição de recusar-se ao pagamento do tributo devido, eis que esse é o preço que todos devem pagar pela vida em sociedade. 

Ao refletirmos sobre essa nossa obrigação de cidadãos e contribuintes, devemos inicialmente nos recorrer das palavras contidas no juramento dos advogados, que todos os profissionais da área proferem solenemente ao receber a carteira que os habilita ao exercício da profissão que a CF afirma ser essencial à administração da Justiça: 

"Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da Justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.

A expressão justiça social, ali contida, indica o reconhecimento da necessidade de cumprirmos nossas obrigações tributárias. 

Nas recentes manifestações sobre o projeto de lei, vimos muitas críticas ásperas e o  prefeito, em entrevista à rádio CBN, afirmar que “esta cidade é um cemitério de políticos”, tamanha a celeuma que se criou sobre o assunto. Ao que parece quis ele afirmar que a carreira política do administrador da cidade se encerra por aqui, ante as dificuldades de cuidar de uma das maiores metrópoles do mundo, verdadeira usina permanente de problemas. Ora, quem aceita o desafio sabe da dificuldade e pode consagrar-se na história do país se sair-se bem da missão. Pelo menos até aqui, os resultados  não parecem ser negativos. Politicamente o Prefeito só morrerá se falhar nos próximos três  anos de seu mandato. Não há indícios de que isso ocorra. 

Na verdade, a grande encrenca criada na imprensa resulta em boa parte de falta de informação, inclusive de jornalistas. Por exemplo: confundem imposto com taxa e afirmam que não se deve pagar o IPTU em determinada rua porque lá não há asfalto. Os donos dos jornais e de outros veículos de comunicação querem jornalismo sem jornalistas, e quando contratam profissionais querem pagar salário de faxineiro. A qualidade da imprensa é prejudicada e o leitor é a vítima. 

Por outro lado, contém o projeto mecanismos que limitam os aumentos a 30% no caso dos imóveis residenciais e 45% para os não residenciais. Segundo o noticiário, 58% dos cerca de 3 milhões de contribuintes  teriam aumento no próximo exercício. À primeira vista, o aumento parece exagerado e alguns colegas já anunciam que vão contestá-lo judicialmente. 

Fala-se que o aumento anunciado poderia ter efeito confiscatório. A Constituição (artigo 150, IV) proíbe o uso de imposto com efeito de confisco. No caso do IPTU essa possibilidade não pode ser aceita, ante o que assegura o artigo 6º da mesma CF, que considera a moradia um dos direitos sociais de qualquer cidadão. Quer nos parecer, portanto, que é necessária a fixação de uma alíquota máxima a ser definida em lei complementar, como já existe para o ISS. Sem isso existe, sim, a possibilidade de confisco. 

Confisco tem origem em no verbo latim confiscare, que significa a ação de força exercida pelo Estado consistente em transferir para si todos ou parte dos bens de um particular. Também pode ser entendido como apreensão e adjudicação ao fisco de bens do patrimônio de alguém por violação da lei e como pena principal ou acessória.

O IPTU aqui vigente tem alíquota média de 1,5% ao ano. Isso significa que só em cerca de 70 anos o imposto ficaria próximo do valor do bem, se este fosse permanentemente atualizado. Não se pode afirmar efeito confiscatório num lançamento dessa espécie.  

O lançamento pode ser objeto de impugnação administrativa, o que está garantido pelo artigo 148 do CTN. Uma discussão judicial, contudo, só é aconselhada em valores de grande monta, de preferência depositando-se o valor questionado para garantir proteção para os juros e a correção. Considere-se ainda que uma ação judicial implica em custas e honorários advocatícios a pagar, além de despesas que incluem eventual perícia de engenharia.

Nenhum advogado pode garantir êxito numa demanda desse tipo. Trata-se, pois, de ação de risco que deve ser avaliado com critério. Não podemos esquecer que o imóvel pode ser penhorado para cobrança do imposto. 

Embora possa passar despercebido, o IPTU é instrumento da Justiça Tributária. Essa utilização se realiza através da aplicação de alíquotas variáveis, como prevê o artigo 156, parágrafo 1º ou mesmo pela aplicação das normas do artigo 182 da Constituição, estas combinadas com a Lei 10.257/2001 (Estatuto das Cidades). Afinal, a receita do imposto financia despesas municipais com saúde, educação etc. 

Retornando ao juramento dos advogados, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da Justiça não serão alcançadas se o profissional, descumprindo o juramento que fez, promover ação que desde o início sabe ser improcedente. 

A advocacia não é um negócio como qualquer outro. Advogado não pode ser um espertalhão, um vigarista que, a troco de dinheiro, faz o que lhe pede a vítima. Não pode ser “malando”, como, aliás, em entrevista na imprensa, declarou recentemente o sócio de um grande escritório de São Paulo que admite serem assim os seus colaboradores. Nós somos essenciais à administração da Justiça, não vendedores de ilusões ou milagreiros. 

A questão é simples: não existe almoço grátis. Se alguém está comendo é porque alguém paga. A prefeitura precisa de recursos orçamentários adequados para atender suas necessidades. Se eu resido numa rua e quero que lá exista coleta de lixo, tenho que pagar por isso. 

Não é justo que alguém, residindo num imóvel cujo valor de mercado seja, por exemplo, de R$ 1 milhão, insista em manter o valor venal reduzido apenas para pagar  imposto a menor. A diferença impede que haja serviços públicos essenciais para aqueles que deles necessitem e que muitas vezes moram nas favelas.

São Paulo não é uma cidade que ainda possa pertencer aos “barões”, a famigerada casta de malfeitores e parasitas que vivia à custa  do suor alheio. Esta é, meus caros leitores, a cidade mais importante do país da fraternidade, pois o Brasil a todos acolhe como irmãos e a todos oferece oportunidade. Nós, paulistanos, não somos mesquinhos ou egoístas. O IPTU é um imposto justo e a cidade precisa adequar seu lançamento à realidade. Viver aqui custa um pouco mais do que viver em outro lugar, mas, certamente, não lugar melhor que este!

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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