Silogismo e Antilogia

Magistratura livra-se de tributos sobre adicional de férias

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4 de outubro de 2013, 15h12

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

Decisões recentes de duas juízas federais do Distrito Federal têm afastado a incidência de Imposto de Renda sobre o chamado “terço constitucional de férias”, também conhecido por “adicional de férias”, bem como a restituição dos valores pagos nos últimos cinco anos.

A gênese dessas decisões está em precedentes do STF e STJ dispensando de contribuição previdenciária o adicional de férias. Essas decisões consideram que o adicional não é remuneração, que estaria em princípio sujeita à contribuição, mas indenização, que escaparia à incidência.

Interessante é que não se encontra nas várias decisões qualquer indicação do que está sendo indenizado. Sabemos que indenização é uma reparação financeira por perda patrimonial. Por exemplo, a cobertura de seguro que indeniza as perdas sofridas em razão de sinistro. Porque a combinação do mais (indenização) e do menos (perda) não resulta em acréscimo patrimonial, as indenizações estão tipicamente fora do alcance do Imposto de Renda.

O STF resolveu que o adicional de férias tem caráter indenizatório e, portanto, não está sujeito à contribuição previdenciária porque ele não se incorpora à remuneração do trabalhador para efeito de aposentadoria. Um non sequitur. Uma ilação que, mesmo que fosse correta quanto à contribuição social, perderia totalmente sua lógica quando aplicada ao Imposto de Renda.

E como passamos da não tributação do adicional pela contribuição previdenciária para a não tributação pelo IR? A cadeia de raciocínio parece ter sido a seguinte:

1. Adicional não é incorporado para fins de aposentadoria, logo é indenização (STx)

2. Sendo indenização, está isento de contribuição social (STx)

3. Se é indenização para fins de contribuição social, o é também para o IR (JFDF)

4. Sendo indenização, está isento de IR (JFDF)

Numa das decisões, a juíza entende que não se pode aceitar que a verba seja indenizatória para um tributo e não o seja para outro. Lógica irretorquível, consistente com a generalização do equívoco da decisão superior. Na outra decisão, a juíza decidiu que o adicional constituía “mera recomposição por uma perda sofrida”, sem apontar que perda seria essa.

Em decisão mais recente, o STJ dá outra interpretação ainda mais ampla para a não incidência da contribuição previdenciária: é que nas férias usufruídas, não há efetiva prestação de serviço pelo trabalhador, portanto “não há como entender que o pagamento de tais parcelas possui caráter retributivo”. Claro está que, nessa linha de argumentação, não somente o adicional de férias estaria livre de contribuição previdenciária e IR, mas também as próprias férias, o abono anual (13º salário) e prêmios eventuais.

E por que não retirar da base do IR toda a remuneração do trabalho? Afinal, no dizer do presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), “quem trabalha acaba altamente tributado. E aqueles que mais lucram acabam com uma tributação menos drástica, menos draconiana”. Consistente com o slogan populista do passado: “salário não é renda”.

Todas as decisões mencionadas (exceto talvez a última referida, que parece ir além) convergem no sentido de que “o principal” das férias usufruídas está sujeito à contribuição previdenciária e IR, enquanto que o adicional de 1/3 (“terço constitucional de férias”) estaria livre de ambos.

Interessante observar que a Constituição Federal não prevê nenhum adicional de férias; o que lá se vê (artigo 7, XVII) é o direito do trabalhador a “gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal”. Simplesmente, a remuneração é maior durante as férias. Ficamos a imaginar como poderá ter-se desenvolvido o raciocínio especioso que repartiu essa verba em duas partes, uma sujeita a IR, outra livre dele. E adicional, se houvesse, não seria de 1/3, mas de pelo menos 1/3.

As duas ações de Brasília, que lograram efeito suspensivo da cobrança do IR sobre o adicional de férias, foram ajuizadas pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). Em ações em separado, a Ajufe busca também isentar os juízes de IR sobre o auxílio creche, o auxílio babá, o auxílio pré-escola, a gratificação especial de localidade e outros benefícios que recebem os magistrados. De notar que o adicional de férias é especialmente importante para os juízes, já que suas férias são mais longas do que as do comum dos mortais.

Se esses feitos prosperarem, poderão escapar do IR diversos itens que compõem a retribuição direta e indireta não só dos juízes, mas de todos os servidores públicos e trabalhadores do setor privado. Talvez explique até a não tributação da própria remuneração, já que ela poderia ser vista como “indenizatória”.

Já que a questão da tributação dos proventos de férias interessa a toda população, teria sido preferível que o litígio tivesse sido iniciado por outro grupo de profissionais, para não deixar a impressão de que os juízes estão decidindo em causa própria.

No passado tivemos, sob a Constituição de 1946, os juízes imunes ao IR. Esse e outros privilégios injustificáveis levaram Octávio Gouveia de Bulhões a verberar que “Os Congressistas não fazem cerimônia em arquitetar deduções peculiares a suas funções e os Magistrados não se sentem acanhados em pleitear a isenção do Imposto de Renda” (Dois Conceitos de Lucro, 3ª ed., p.115).

Autores

  • Brave

    é coordenador de Pesquisa do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Fundação Getulio Vargas; professor de Cursos de Pós Graduação (GVlaw) da Direito GV; consultor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); mestre em Economia pela Universidade Federal da Bahia e doutor em Economia (Comércio Internacional e Finanças Públicas) pela University of Rochester (EUA). Trabalhou no FMI e foi Secretário Adjunto da Receita Federal na Administração Dornelles.

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