Princípio da legalidade

Interpretação do RTT não retroage para exigir imposto

Autor

  • Mary Elbe Queiroz

    é advogada tributarista sócia da Queiroz Advogados Associados pós–doutora em Direito Tributário (Universidade de Lisboa – Portugal) Doutora em Direito Tributário (PUC-SP) mestre em Direito Público (UFPE) professora e presidente do Conselho Jurídico do Ibrei.

2 de outubro de 2013, 8h38

A Receita Federal editou, no dia 17 de setembro, a Instrução Normativa 1.397/2013, que disciplina o Regime Tributário de Transição (RTT – transitório que acabou permanente). Essa IN não traz nada inovador, uma vez que as regras nela tratadas já existem desde 2008. A empresa já fazia ajustes e apresentava o Controle Fiscal Contábil de Transição (FCONT) com resultados separados: o resultado fiscal apurado com base em regras contábeis até o ano de 2007 e o resultado societário com regras do IFRS (padrão internacional de contabilidade) após o ano de 2008.

A novidade é a interpretação da IN, para a tributação sobre a distribuição de: lucros (com base no Parecer 202/2013 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional); juros sobre capital próprio; equivalência patrimonial e a criação de mais obrigações acessórias e complexidade para as empresas.

De acordo com a IN, para fins fiscais as regras são as vigentes até 2007, ou seja, antes do IFRS. Isto já estava na Lei 11.941/2009, que criou o RTT. Alterações de resultados registradas com base no IFRS não serão consideradas para fins fiscais, já que deverá ser respeitado o princípio legal da neutralidade tributária, como defendido por todos.

A IN só alcançará quem é obrigado a fazer ou optou pelo IFRS e teve resultado diferente em relação ao resultado fiscal apurado com base em regras contábeis até 2007. O IFRS pode ter gerado aumento de lucro ou não, e para saber será preciso analisar cada caso. A nova IN, entretanto, poderá possibilitar um aumento de distribuição de lucro isento maior para as empresas que tiveram lucro contábil-fiscal de acordo com as regras até 2007, maior do que o apurado com base no IFRS. Porém, no caso de o lucro societário ser maior do que o lucro contábil-fiscal o entendimento é de que a isenção está limitada à distribuição do lucro contábil-fiscal.

Três resultados e três lucros
A IN 1.397 criou uma nova obrigação acessória a Escrituração Contábil Fiscal (ECF), o que aumenta a complexidade. Agora as empresas terão que apurar três resultados e três lucros. São eles:

O lucro contábil-fiscal que é o lucro líquido contábil apurado com base nas regras contábeis vigentes até 2007, a partir do qual será apurado o lucro real e os lucros a serem distribuídos, inclusive para quem apura lucro presumido que será informado na ECF.

O lucro real — base de cálculo para apurar o IRPJ e a CSLL — apurado a partir dos ajustes ao lucro contábil-fiscal, feitos no LALUR, lucro tributável. Este resultado poderá ser negativo e não haver IRPJ e CSLL a tributar.

E o lucro societário para fins contábeis e societários, apurado com base no IFRS que deverá atender às regras da CVM.

Foram alteradas as regras para a tributação dos lucros distribuídos. Antes era isento o valor do lucro contábil distribuído, mas agora se considera como isento, apenas, a distribuição do lucro contábil-fiscal apurado com base nas regras até o ano de 2007. Ou seja, será considerado o lucro líquido contábil-fiscal e não o lucro contábil societário — aquele apurado com base no IFRS.

Assim, se houve distribuição de lucro com base na apuração do lucro contábil com base no IFRS, e este foi maior que o lucro contábil fiscal pelas regras até 2007, a Receita entende que poderá cobrar tributo sobre o que foi distribuído a mais aos sócios, pessoas jurídicas ou físicas, ou seja, sobre a diferença entre o lucro contábil-fiscal e o lucro societário distribuído.

Aqui há grande contradição entre leis vigentes, pois os artigos 247 e 248 do RIR (Lei 7.450/1985 e Lei 8981/1995) e o artigo 67 do Decreto-Lei 1.598/1877 dizem que o lucro líquido para apuração do IRPJ e da CSLL é o lucro contábil apurado de acordo com as regras da lei comercial (Lei 6.404/1976) que hoje adotado o IFRS. Portanto, terá que haver outra lei expressamente alterando estes dispositivos, pois a Lei 11.941/2009 não revogou aquelas dipossições.

Cabe observar que quatro contas podem ser afetadas pela interpretação dada pela IN: prêmio sobre emissão de debêntures; subvenções para investimento; juros sobre capital próprio e, ainda, avaliação de investimento pelo método de equivalência patrimonial, pois todos deverão ser calculados com base nas regras até 2007.

O imbróglio aumenta se os valores do IFRS que não foram tributados por conta da neutralidade em um ano forem tributados em ano subsequente. Então, se a distribuição desse lucro for tributada agora como ficará esse resultado posteriormente?

Em qualquer caso, em respeito à segurança jurídica, terá de ser respeitada a irretroatividade. A nova interpretação não poderá retroagir para exigir imposto de quem já distribuiu lucro com base no IFRS, pois as empresas pagarão de acordo com a lei vigente e a interpretação aceita até 16.09.2013. É certo que, por ser interpretação dada por Instrução Normativa, ela poderia retroagir para o ano de 2008, pois pelo artigo 144, parágrafo 1º, do CTN, as interpretações retroagem até a data da lei. Contudo, dessa interpretação não poderá resultar tributo maior do que seria devido com base na interpretação anterior. É que, de acordo com os artigos 5º e 150, inciso I, da Constituição, o tributo somente poderá ser aumentado por lei.

Também, de acordo com o artigo 146 do CTN, a mudança de critério jurídico somente será aplicável a um mesmo sujeito passivo para fatos geradores futuros, em nome da segurança jurídica. Ainda, o artigo 100 do CTN diz que se o contribuinte agir de acordo com as práticas reiteradas da Administração e estas forem alteradas, dele pode ser exigido o tributo, mas sem aplicação de penalidade.

Então, se das novas regras de distribuição de lucros, de juros sobre capital próprio etc., em razão da diferença da apuração do lucro contábil com base no IFRS e lucro contábil-fiscal com base nas regras até 2007, resultar aumento de tributo ou tributo a ser pago, tais regras não poderão ser aplicadas — em respeito ao princípio da legalidade — porque foram fixadas em Instrução Normativa e não por lei. Agora, se dessas regras resultar, por exemplo, a possibilidade de distribuição maior de lucro isento, as empresas poderão distribuir mais lucro para os anos de 2008 até agora, sem tributação. Será o caso, por exemplo, de o lucro contábil-fiscal ser maior do que o lucro com base no IFRS.

É importante considerar que o RTT somente surgiu no ano de 2008 (MP 449/2008) e a sua conversão na Lei 11.941 só se deu no ano de 2009. Portanto, as suas prescrições somente poderiam ser aplicadas a partir de 2010 (artigo 62, parágrafo 2º, da Constituição). Destaque-se, por outro lado, que o CTN prevê o prazo de cinco anos para a cobrança de tributos, portanto, qualquer diferença relativa ao ano de 2008 só poderá ser cobrada até 31 de dezembro de 2013.

Espera-se, porém, que seja respeitado o princípio da legalidade para editar lei que reduza a complexidade, garanta a irretroatividade e não cobre tributos nem imponha penalidades sobre quaisquer diferenças de tributos relativas à nova interpretação dada pela IN.

Autores

  • Brave

    é advogada tributarista, sócia do Queiroz Advogados Associados e presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários (IPET) e do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil (CEAT). É coordenadora científica do XIII Congresso Internacional de Direito Tributário de Pernambuco e membro imortal da Academia Brasileira de Economia e Ciências Sociais (ANE).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!