Importância no interior

Extinção do jus postulandi deve ser melhor debatida

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2 de outubro de 2013, 6h04

A ausência de condenação do réu em honorários advocatícios pela simples sucumbência e a capacidade postulatória assegurada à parte pela legislação são dois temas que ainda hoje ocupam a centralidade dos debates sobre o Processo do Trabalho.

O modelo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) — e, mais adiante, da Lei Federal 5.584/70 —, com a expectativa de forte atuação dos sindicatos na assistência judiciária, mostra-se muito distante da realidade atual dos foros trabalhistas.

Por isso, também acredito que esse sistema deve ser repensado, até mesmo para que o acesso à Justiça do Trabalho, em relação àqueles que gozam do benefício legal da justiça gratuita, seja efetivamente assegurado sem quaisquer ônus.

Ainda que tenha havido avanços no tema, com o reconhecimento de que é possível a condenação do réu em honorários advocatícios sucumbenciais nas ações que não se relacionam com a relação de emprego (conforme Instrução Normativa 27, do Tribunal Superior do Trabalho), o que temos na maioria dos casos é a retribuição do importante trabalho do advogado por meio da retenção de honorários do crédito que o trabalhador tem a receber, na modalidade de honorários contratuais, ainda que, paradoxalmente, tenha o trabalhador, por exemplo, requerido o benefício da justiça gratuita na petição inicial.

Parece-me que esse regime realmente está em desacordo com vários preceitos, tais como: a) o da reparação integral; b) o da justiça gratuita (artigo 5º LXXIV da Constituição Federal e artigos 3º, inciso V e 4º da Lei 1.060/50); e c) o da sucumbência, que deveria atribuir ao vencido o ônus de arcar com as despesas processuais experimentadas pelo vencedor.

Acresce a essa quadra o fato de que a Defensoria Pública da União, a quem compete prestar assistência gratuita nas causas submetidas à jurisdição da Justiça do Trabalho, não tem apresentado estrutura para atender a demanda de jurisdicionados.

Por outro lado, a tese de que a possibilidade de condenação do réu em honorários sucumbenciais decorria diretamente do artigo 133 da Constituição Federal não empolgou a jurisprudência, assim como também parece receber muitos obstáculos a tese de condenação do réu em indenização equivalente, como reflete a seguinte decisão do Tribunal Superior do Trabalho:

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL. RESSARCIMENTO DE DESPESA COM ADVOGADO. […] Ocorre que em face de o artigo 791 da CLT conferir às partes capacidade postulatória para virem a juízo na Justiça do Trabalho, os honorários advocatícios previstos nos referidos artigos 389 e 404 do Código Civil, ainda que não se confundam com o encargo decorrente da sucumbência, não podem ser concedidos, pois na Justiça do Trabalho o deferimento de honorários advocatícios tem regramento próprio, nos termos da Súmula 219 do TST e da Orientação Jurisprudencial 305 da SBDI-1. Assim, ausente a assistência sindical, não se há de falar em indenização para ressarcimento da despesa com honorários advocatícios. Precedentes. Recurso de revista conhecido por contrariedade à Súmula 219 do TST e provido (RR-55300-76.2009.5.02.0251, Rel. Min. Agra Belmonte, 3ª Turma, 20/09/2013).

Como se pode observar desse precedente, a jurisprudência uniformizada continua a homenagear as regras que pressupõem o protagonismo das entidades sindicais na prestação da assistência gratuita. E recordo que, nessas hipóteses, a condenação de honorários é em favor do sindicato, a quem compete remunerar (por suposto com o que é arrecadado de contribuição sindical) o profissional da advocacia contratado para assistir aos integrantes da categoria. Assim, essa rubrica teria o caráter de reembolso ou compensação (integral ou parcial) dos valores gastos na atividade de assistência.

No entanto, como já sublinhei, esse modelo parece em agudo desacordo com a realidade atual do mundo do trabalho e com o que sucede na Justiça do Trabalho.

Há vários projetos de lei em tramitação no Congresso cuidando do tema. Um deles parece em estágio mais avançado, eis que aprovado pela Câmara dos Deputados este ano. Trata-se do Projeto de Lei 3.392/2004, que atualmente tramita no Senado como sendo o PLC 33/2013.

O projeto, que dá nova redação ao artigo 791 da CLT, estabelece um regime de honorários sucumbenciais em desenho semelhante ao processo comum, com retribuição fixada em percentual (entre 10 e 20%), de acordo com critérios como: a) zelo profissional, b) lugar da prestação de serviço; c) natureza e importância da causa; e d) trabalho realizado e tempo exigido para o serviço.

Preocupa-me, no entanto, que o projeto proponha a extinção do jus postulandi, que é o direito do cidadão propor a ação sem necessária assistência de advogado, justificando que “atualmente, na prática, já não existe o jus postulandi na Justiça do Trabalho”.

Esse dado empírico me parece superavaliado, já que testemunho diariamente ações que tramitam pelo exercício da capacidade postulatória pela própria parte, muitas até de expressão econômica pequena, que talvez sequer despertasse interesse de patrocínio por advogado. Outras, de jurisdição voluntária, apenas para correção de informações nos cadastros federais ou expedição de alvarás para processamento de pedidos de benefícios (como seguro-desemprego), sem expressão econômica direta alguma.

Por quase dez anos, atuei em Varas no interior do Estado do Rio Grande do Norte, e pude constatar a importância do jus postulandi em áreas de baixa presença da advocacia, sendo integralmente atendida pela Justiça do Trabalho em razão da capacidade postulatório que lhe assegura a lei.

Nos maiores centros, é certo que o uso desse instituto é mais rarefeito, mas, ainda assim, está presente e creio que possui a sua importância, não estando seguro do acerto de sua completa eliminação.

Talvez seja justificável a exigência de advogado para a interposição de recursos de natureza extraordinária, devido a sua complexa tecnicidade, como agora entende o Tribunal Superior do Trabalho. No entanto, para a instância ordinária e, principalmente, no Primeiro Grau de jurisdição, considero que a proposta mereça mais reflexão e debate.

Não seria mais interessante, por exemplo, uma transição de modelos, adotando-se, por exemplo, uma forma mista, semelhante do que fora inserido no artigo 9º da Lei 9.099/95 (“nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória”), isto é, exigindo-se a assistência técnica somente a partir de uma determinada. Será que esta não poderia ser aquela fixada para o rito sumaríssimo (conforme Lei 9.957/2000), ou seja, quarenta salários mínimos.

Creio que esse mecanismo atenderia melhor às características federais da Justiça Trabalho, bem como ao perfil diversificado de seus jurisdicionados.

Ainda sobre o artigo a respeito dos registros comerciais
Sobre o artigo que publiquei aqui na Conjur sobre os registros comerciais e a figura dos “laranjas”, recebi alguns comentários de leitores que, apesar de reconhecerem o problema, sustentam a impossibilidade de uma das minhas sugestões, que é a de se fazer uma entrevista com os postulantes aos quadros sociais de empresas.

Colaboraram os leitores com dados empíricos no sentido de que essas entrevistas são impraticáveis, tendo em vista a quantidade de pedidos de registros comerciais.

Agradeço as valiosas colaborações e os dados empíricos, e volto ao tema, de forma complementar, para enfatizar que a reflexão que fiz não implica a adoção de uma medida isolada.

Minha proposta foi no sentido de se incrementar as atribuições das juntas comerciais, de modo que elas possam fazer uma análise da idoneidade do pedido de registro, tendo em vista a quantidade de situações verificadas na prática forense de uso dos registros para a ocultação patrimonial, simulações e fraudes a credores.

Nesse mister, seria preciso fortalecer a instituição, em ordem a dotá-la de mecanismos efetivos para evitar a fraude, até mesmo a possibilidade de, em determinados casos, instar o requerente a prestar informações sobre a idoneidade de sua condição de sócio ou empresário.

Se nada puder ser feito nesse sentido, talvez então todo o sistema possa ser substituído por um registro eletrônico. Bastaria isso. Mas, esse não me parece o melhor caminho, tendo em vista as sérias implicações que os registros comerciais geram (civis, tributárias e, também, trabalhistas).

Nesse passo, melhorar a confiabilidade dos registros é medida de segurança jurídica que deve ser perseguida. E, nessa linha, creio ser desconfortável um desenho institucional passivo dos órgãos de registro de comércio.

Nosso propósito foi o de fomentar o debate e, assim, a julgar pela interação que mantive com os leitores, parece que ele foi atingido.

Autores

  • Brave

    é Juiz do Trabalho, titular da 2ª Vara do Trabalho de Natal, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

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