Comunicação processual

Intimação pessoal não conta com normatização autônoma

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30 de novembro de 2013, 6h00

Cabe, de início, perguntar: o que é intimação, em termos processuais?

Ora, o termo intimação, derivado do latim intimatio, de intimare (ordenar, dar a saber, declarar), genericamente, na terminologia jurídica, é empregado para designar todo ato processual que tem por fim levar ao conhecimento de certa pessoa, seja parte ou interessada no feito, ato judicial ali praticado, a pedido da outra parte ou por ofício do juiz.

Constata-se que o direito posto não trouxe um conceito jurídico explícito para a expressão “intimação pessoal”.

A intimação pessoal não conta, portanto, com a previsão normativa de um rol taxativo de forma que lhe garantam autonomia frente aos demais atos de comunicação processual.

Em suma, não há descrição em regra jurídica constante do Código de Processo Civil de um único modo ou forma substancial para que determinado ato de intimação seja qualificado de “pessoal”.

Em outras palavras, o núcleo compreensivo do instituto é claramente identificado nesta assertiva: realiza-se meio de comunicação processual hábil a dar conhecimento inequívoco ao destinatário.

Registre-se, por exemplo, que tem sido adjetivada de “pessoal” a intimação praticada pela via postal (desde que comprovada à entrega a seu destinatário, mediante aposição de sua rubrica no aviso de recebimento).

Essa a razão pela qual o Superior Tribunal de Justiça, reiteradamente, tem admitido a utilização de carta com aviso de recebimento ou de carta precatória como meios hábeis à cientificação dos representantes judiciais da Fazenda Pública nos processos judiciais.

Mas não é preciso ir longe para descobrir o que se deve entender por “intimação pessoal”.

O Supremo Tribunal Federal já nos deu a resposta, e já faz algum tempo.

Em novembro de 2003, no julgamento do Habeas Corpus 83.255, referida Corte resolveu a questão, consignando que o prazo de intimação pessoal do Ministério Público, para interposição de recurso, é contado a partir da entrada do processo nas dependências do Ministério Público.

O Ministro relator, Marco Aurélio, considerou intempestivo Recurso Especial do Ministério Público Federal ao Superior Tribunal de Justiça para cassar decisão do Tribunal de Alçada de São Paulo que suspendeu o andamento de processo aberto contra o advogado José Ramos Pereira, por suposta prática de apropriação indébita.

Observou, ainda, o relator que na rotina forense é procedimento comum a remessa de processos criminais à sede do Ministério Público, onde são recebidos por um funcionário do órgão.

Explicou o Ministro que a prática visa a facilitar a atuação do Ministério Público, isentando o representante do Ministério Público de ter que retirar os processos no cartório e evitando, ainda, que um oficial de Justiça tenha que localizar o (re)presentante do MP para intimá-lo pessoalmente.

Para o Ministro Marco Aurélio, a prerrogativa legal de intimação pessoal do Ministério Público (artigo 41, inciso IV, da Lei 8.625/93) não deve ser levada ao pé da letra, podendo ser considerada devidamente atendida com a chegada do processo devidamente formalizada às dependências do Ministério Público, mediante recibo do servidor e consequente encaminhamento devido.

“Não se pode levar a tanto a prerrogativa de intimação pessoal. Esta há de ser considerada como a distinguir-se da ficta, daquela decorrente da simples publicação de um ato no jornal oficial. Atende plenamente à citada prerrogativa a chegada do processo, devidamente formalizada, às dependências do Ministério Público, imaginando-se que o servidor público que passa o competente recibo esteja devidamente autorizado e que, a seguir, seja encaminhado o processo a quem de direito”, asseverou o Ministro Marco Aurélio.

Para deixar as coisas bem claras, segue a ementa do julgado referido acima:

DIREITO INSTRUMENTAL – ORGANICIDADE. As balizas normativas instrumentais implicam segurança jurídica, liberdade em sentido maior. Previstas em textos imperativos, hão de ser respeitadas pelas partes, escapando ao critério da disposição. INTIMAÇÃO PESSOAL – CONFIGURAÇÃO. Contrapõe-se à intimação pessoal a intimação ficta, via publicação do ato no jornal oficial, não sendo o mandado judicial a única forma de implementá-la. PROCESSO – TRATAMENTO IGUALITÁRIO DAS PARTES. O tratamento igualitário das partes é a medula do devido processo legal, descabendo, na via interpretativa, afastá-lo, elastecendo prerrogativa constitucionalmente aceitável. RECURSO – PRAZO – NATUREZA. Os prazos recursais são peremptórios. RECURSO – PRAZO – TERMO INICIAL – MINISTÉRIO PÚBLICO. A entrega de processo em setor administrativo do Ministério Público, formalizada a carga pelo servidor, configura intimação direta, pessoal, cabendo tomar a data em que ocorrida como a da ciência da decisão judicial. Imprópria é a prática da colocação do processo em prateleira e a retirada à livre discrição do membro do Ministério Público, oportunidade na qual, de forma juridicamente irrelevante, apõe o "ciente", com a finalidade de, somente então, considerar-se intimado e em curso o prazo recursal. Nova leitura do arcabouço normativo, revisando-se a jurisprudência predominante e observando-se princípios consagradores da paridade de armas. (HC 83255, Relator:  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2003, DJ 12-03-2004 PP-00038 EMENT VOL-02143-03 PP-00652 RTJ VOL-00195-03 PP-00966)

Não custa, demais disso, registrar outro interessante precedente da Suprema Corte sobre o tema:

INTIMAÇÃO PESSOAL – CARACTERIZAÇÃO. Fica caracterizada a intimação pessoal da defensoria pública, a contrapor-se à ficta – resultante da publicação do ato no Diário da Justiça – quando remetido ao Procurador-Geral ofício veiculando a data designada para a prática do ato e constando de cópia a notícia do recebimento. Descabe burocratizar a prática judicial exigindo-se a expedição de mandado e a intimação específica do defensor que vem patrocinando os interesses do acusado. Enfoque idêntico adota-se, até mesmo, ante a necessária paridade de armas quanto ao Ministério Público, ou seja, ao Estado acusador. (HC 75527, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 08/09/1998, DJ 30-10-1998 PP-00002 EMENT VOL-01929-01 PP-00107)

Oportuno, ainda, citar trechos do voto-condutor proferido no julgado acima:

A referência à intimação pessoa visa a afastar a ficta – resultante da notícia contida no Diário da Justiça. Inegavelmente a Defensoria Pública teve conhecimento da data do julgamento da apelação, não se podendo chegar ao ponto de exigir-se que a intimação se faça por mandado e, mais que isso, na pessoa do defensor que esteja patrocinando os interesses do acusado. Presume-se a organização do Órgão e que, havendo sido recebido ofício oriundo de tribunal, seja ele direcionado, pelo servidor, ao destinatário, no caso o Procurador-Geral. Há de adotar-se postura harmônica com o princípio da razoabilidade, evitando-se a burocratização dos atos processuais.

Assim, segundo a visão da Suprema Corte[1], percebe-se que, no caso do Ministério Público (e por óbvio, todos os demais órgãos que possuem também a prerrogativa de intimação pessoal), sequer se faz necessária uma autorização específica para recebimento dos atos processuais. Na prática, o servidor da secretaria recebe os mandados/autos processuais mesmo sem qualquer instrumento de delegação. E a razão é simples: a atividade desenvolvida pelo servidor, de natureza meramente administrativa, é imputada ao órgão a que se vincula (teoria do órgão), que, naturalmente, possui membros que gozam da mencionada prerrogativa processual (institucional). Ora, os procedimentos administrativos necessários à perfectibilização da intimação pessoal são claramente compreendidos no complexo das atividades administrativas de cada órgão ou entidade da Fazenda Pública.

Essa prática já se encontra totalmente sedimentada/legitimada no âmbito do Poder Judiciário, consoante se extrai Manual Prático de Rotinas das Varas Criminais e de Execução Penal editado pelo Conselho Nacional de Justiça:

2.1.5.9.1. Intimação do Ministério Público

É pessoal, com abertura de vista, através de:

a) retirada dos autos de cartório ou secretaria;

b) entrega dos autos no protocolo da promotoria ou procuradoria.

Para inumar qualquer dúvida, cita-se o seguinte precedente oriundo do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

CORREIÇÃO PARCIAL. ARTIGO 18, II, "H" DA LEI COMPLEMENTAR 75⁄93. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ENTREGA DOS AUTOS. INEXIGÊNCIA DE COMPARECIMENTO PESSOAL. O agente do Ministério Público deve ser intimado pessoalmente, mas não se exige que compareça à Secretaria para retirada dos autos. A tarefa pode ser delegada a funcionário credenciado. Tal possibilidade não confere prerrogativa de exigir que a Justiça faça por remeter-lhe os autos. (TRF4 – 200204010060865)

Dessume-se, pois, que o que revela a exigência de intimação pessoal não é o fato de um agente público ser, por exemplo, Promotor ou Procurador Federal, mas, sim, de ele pertencer à Instituição do Ministério Público ou da Advocacia-Geral da União (Fazenda Pública).

 


[1] Registre-se que esse também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: A contagem dos prazos para a Defensoria Pública ou para o Ministério Público tem início com a entrada dos autos no setor administrativo do órgão e, estando formalizada a carga pelo servidor, configurada está a intimação pessoal, sendo despicienda, para a contagem do prazo, a aposição no processo do ciente por parte do seu membro. (STJ REsp 1.278.239-RJ)

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