Complexidade financeira

Ministros querem adiar julgamento de planos econômicos

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25 de novembro de 2013, 12h56

Embora esteja na pauta para começar esta semana, o julgamento dos planos econômicos — que vai decidir se os poupadores que entraram na Justiça têm direito a reembolso da correção — pode ficar para o ano que vem. Pelo menos cinco ministros acham que o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, deve deixar essa decisão para depois. Para o ministro Marco Aurélio, "faz mais sentido deixar tudo para fevereiro", quando o tribunal volta à atividade. "Não me parece boa ideia começar um julgamento dessa importância neste fim de ano", disse Marco Aurélio, que defende o julgamento ininterrupto da matéria. “Ouvir as sustentações orais este ano e apreciar os argumentos no ano que vem é um contrassenso”, afirmou.

O caso dos planos econômicos tem o potencial de ser o processo mais importante julgado pelo Supremo pelo menos nos últimos 20 anos. Em cinco processos (quatro recursos extraordinários e uma ADPF), todos pautados para esta quarta, o STF vai discutir se os mecanismos de correção monetária das aplicações em cadernetas de poupança, baixados pelo governo entre 1986 e 1994 como forma de conter a hiperinflação registrada na época, foram constitucionais ou não.

A discussão é se os mecanismos de contenção da inflação, que estabeleceram correções artificiais das cadernetas de poupança, resultaram em expurgos inflacionários que acarretaram em perdas financeiras para os poupadores. E se essa chamada indexação da economia foi uma medida constitucional ou não, já que houve congelamento artificial de preços, salários, alugueis e, no caso do Plano Collor 1, houve o confisco da poupança de quem tivesse mais de 50 mil cruzados novos guardados.

Os poupadores alegam perdas. Os bancos alegam que não poderiam ter agido diferente, já que as regras foram editadas pelo governo federal e depois referendadas pelo Congresso Nacional. Já o governo afirma que os planos foram a medida possível para conter a inflação da época sem desestabilizar as obrigações contratuais assumidas e sem interferir na segurança jurídica do país.

O ministro Marco Aurélio não diverge de seus colegas de corte quando se diz incomodado com a data do julgamento. Sua ideia de abrir espaço para as sustentações orais (são pelo menos 15) nesta quarte vem até sendo considerada uma proposta de negociação. O que vem sendo falado entre os ministros é que o presidente da corte, ministro Joaquim Barbosa, deve retirar o caso de pauta e trazê-lo de volta em fevereiro, quando o tribunal retoma suas atividades.

Ministros ouvidos pela revista Consultor Jurídico têm reclamado do fato de o caso exigir certa imersão por parte dos ministros, e começar a julgar na quarta, inevitavelmente, vai exigir que ele seja interrompido e retomado em 2014. “Um julgamento dessa complexidade não pode ser feito de forma descontinuada”, reclamou um ministro.

Os relatores dos processos são os ministros Ricardo Lewandowski, que ficou com a ADPF que questiona os planos; Dias Toffoli, relator de dois recursos extraordinários; e Gilmar Mendes, relator de outros dois. A ADPF é o caso mais amplo, pois discute todos os planos. Os recursos discutem um ou dois por vez. Sabe-se que o relatório do ministro Gilmar já estava pronto há algum tempo, mas que só recentemente Toffoli e Lewandowski completaram seus trabalhos. Por isso é que o caso, que aguarda definição há 20 anos, foi pautado para o fim deste ano.

Jogo duro
A reclamação é que não se pode discutir um caso desse tamanho, com tantas consequências para a vida de milhões de brasileiros, sem dedicação total. E o caso já começa cheio de contratempos. O ministro Luís Roberto Barroso, último a chegar à corte, deve se declarar impedido, pois já advogou para os bancos. Pela regra regimental, o ministro que está há menos tempo do tribunal é sempre o primeiro a votar, depois do relator. Sem Barroso, o menos antigo é Teori Zavascki. Só que ele não estará no Pleno nesta quinta, devido a compromissos externos inadiáveis.

E aí a situação é: o julgamento já vai ser desfalcado naturalmente pelo impedimento de um ministro, e no primeiro dia de sessão, justamente o das manifestações dos envolvidos, outro ministro não estará no Plenário. O quadro tem causado mal estar.

Mas se dentro da corte o clima é de insegurança quanto à necessidade de se interromper o julgamento no meio, para quem espera uma definição, a insegurança é quanto aos votos. Ainda está difícil fazer qualquer previsão de como será o julgamento, o que tem mexido com os ânimos da cúpula do governo federal, principalmente da equipe econômica.

É que, de acordo com o artigo 23 da Lei 9.868/1999, para se declarar constitucional ou inconstitucional uma lei, é preciso estar configurada uma maioria de seis ministros no mesmo sentido. A conta que o governo vem fazendo é que os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Gilmar Mendes serão a favor dos planos. Celso de Mello, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski são tidos como votos certos a favor dos poupadores.

Até aí, três a três. Será necessário convencer três ministros, mas Joaquim Barbosa e Teori Zavascki têm sido considerados incógnitas, e recai sobre eles a esperança de que eles vão definir a questão — tanto para o lado dos poupadores quanto para o lado dos bancos.

Precedente duvidoso
Confrontados com essas análises de contexto, os ministros se mostraram céticos. É que claramente o governo e os bancos estão usando como base a decisão que o Supremo tomou em relação à correção monetária baixada no Plano Verão para o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica.

Seguindo voto do ministro Marco Aurélio, o STF, por maioria, declarou o mecanismo, chamado OTN, inconstitucional. É que essas OTN se baseavam numa inflação menor do que a real e, por isso, a Receita passou a considerar que as empresas tiveram perdas menores que as reais. No entendimento do ministro Marco Aurélio, isso levou o fisco a tributar o patrimônio da companhias, o que é inconstitucional. Ele foi seguido pelos ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Luis Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa. Contra, Dias Toffoli, Fux e Gilmar Mendes, justamente os que os bancos contam como votos a favor.

No entanto, o que os ministros têm comentado é que os bancos estão olhando para o precedente errado. É que o caso do Plano Verão dizia respeito ao IRPJ de algumas empresas, e não implicava perdas econômicas tão vultosas. Na verdade, o caso trata mais de renúncia fiscal do que impacto econômico. E o governo nem chegou a calcular a renúncia fiscal desse caso.

Estudiosos que acompanham o caso não conseguem fazer previsões seguras sobre os votos dos ministros. “Não tem nada a ver com o outro julgamento, que envolveu a manipulação da BTN no Imposto de Renda”, comentou um deles. Ele também lembra que o tribunal vem decidindo pela relativização da imutabilidade dos contratos, o que com certeza será levado ao Pleno no caso dos planos econômicos.

O que dá para saber é que os ministros querem as férias para refletir. “Não adianta ter enfoque para beneficiar poupadores se quem vai arcar é o contribuinte”, afirmou um ministro. “A complexidade do caso é grande demais, e não podemos fingir que se trata de um processo qualquer. Isso pode mexer com a estabilidade do país”, completou outro.

*Texto alterado às 15h02 do dia 25/11/2013 para correção.

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