A Toda Prova

A tipologia do exercício abusivo de posições jurídicas

Autor

  • Aldo de Campos Costa

    é procurador da República. Foi advogado professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça assessor especial do Ministro da Justiça e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.

14 de novembro de 2013, 13h13

A supressio pode coexistir com os prazos legais da decadência (Prova objetiva seletiva do 11º concurso público para provimento de cargos de juiz federal substituto do Tribunal Regional Federal da 5ª Região).

Spacca
O abuso do direito pode ser conceituado como o desempenho disfuncional de uma certa posição jurídica[1]. Refere-se ao exercício de quaisquer situações jurídicas e não apenas aos de direitos subjetivos[2]. É, ademais, instituto puramente objetivo[3]. Não depende de culpa do agente nem de qualquer elemento subjetivo, muito embora a presença ou a ausência de tais elementos possam, posteriormente, contribuir para a definição das consequências do abuso, que podem ser variadas:  a supressão do direito; a cessação do concreto exercício abusivo; um dever de restituir; um dever de indenizar[4]

A tipologia do abuso de direito compreende atuações contrárias à boa fé que, de início, se apresentam como legítimas. São elas: a) o venire contra factum proprium; b) a inalegabilidade formal; c) a suppressio (supressão); d) o tu quoque e e) o desequilíbrio no exercício[5].

O primeiro tipo de atuação abusiva organiza-se em torno da locução venire contra factum proprium[6]. Estruturalmente, postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si, mas diferidas no tempo. A primeira — o factum proprium — é contraditada pela segunda — o venire[7]

O venire é positivo quando se traduz numa ação contrária ao que o factum proprium deixaria esperar[8], vale dizer, quando uma pessoa manifesta, em termos não vinculativos, a intenção de não praticar determinado ato e, depois, o pratica[9]. Pode implicar o exercício de direitos potestativos[10], subjetivos comuns[11] ou de liberdades gerais[12]. O venire é negativo quando redunda numa omissão contrária no mesmo factum[13], isto é, quando uma pessoa manifesta, em termos não vinculativos, a intenção de praticar determinado ato e, depois, não o pratica.

Só é proibido em circunstâncias especiais[14]. Explicam-nas duas fundamentações dogmáticas: 1ª) as doutrinas da confiança (Canaris); 2ª) as doutrinas negociais (Weling)[15]. Para as primeiras, o venire seria proibido quando viesse a defrontar inadmissivelmente uma situação de confiança legítima gerada pelo factum proprium[16] , não se podendo atribuir ao comportamento do titular-exercente o sentido de uma declaração negocial, por falta de consciência da declaração[17]. Para as segundas, o agente ficaria vinculado, em termos negociais, pelo factum proprium em questão; ao perpetrar o venire, estaria a violar a vinculação daí derivada. Prevalecem as doutrinas da confiança[18].

A confiança põe-se entre a boa fé e o caso concreto[19]. Exige que as pessoas sejam protegidas quando, tenham sido, justificadamente, impelidas a acreditar na manutenção de um estado de coisas[20]. Quem confia, legitimamente, não pode ser tratado como se não tivesse confiado, sob pena de olvidar-se o princípio da igualdade: o igual deve ser tratado de modo igual e o diferente de forma diferente[21].

A tutela da confiança só pode operar, na falta de preceitos jurídicos, quando se verificar a reunião de quatro proposições, entre as quais, ressalte-se, não há hierarquia: a) uma situação de confiança; b) uma justificação para essa confiança; c) um investimento de confiança; d) a imputação da confiança[22]. O modelo opera mesmo na ausência de uma ou outra, mas desde que a intensidade assumida pela proposição faltante permitir, valorativamente, compensar a falha[23]

O segundo tipo de atuação abusiva organiza-se em torno da locução inalegabilidade formal. Diz respeito à situação da pessoa que, por exigências do sistema, não pode valer-se da nulidade de um negócio jurídico causada por vício de forma[24]. Revela-se, em princípio, como uma modalidade de venire contra factum proprium: o agente dá ensejo a uma nulidade formal, de molde a prevalecer-se do negócio e a invoca quando resultar-lhe conveniente[25].

A inalegabilidade formal exige a presença de três pressupostos adicionais, considerados os já requisitados para tutelar-se a confiança[26]. Eis a síntese do necessário: 1º) devem estar em jogo tão somente os interesses dos envolvidos; excluindo-se os de terceiros de boa fé; 2º) a situação de confiança deve ser censuravelmente imputável à pessoa a ser responsabilizada; 3°) o investimento de confiança deve ser sensível e dificilmente assegurado por outra via[27]

O terceiro tipo de atuação abusiva organiza-se em torno da locução suppressio (supressão)[28]. Abrange as situações nas quais uma posição jurídica que não tenha sido exercida, em certas circunstâncias e por certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo, de outro modo, se contrariar a boa fé[29]. É uma forma de tutela do beneficiário, confiante na inatividade do agente, que vê surgir, na sua esfera, uma nova posição jurídica: a surrectio (surgimento), contraponto da suppressio[30]

Distingue-se do venire, no que o factum proprium é constituído por uma inação não tão clara e óbvia. É prolongado o não-exercício. O quantum exato, entretanto, vê-se determinado pelas circunstâncias do caso concreto. 

O quarto tipo de atuação abusiva organiza-se em torno da locução tu quoque[31]. Exprime a máxima segundo a qual a pessoa que viole uma norma jurídica não pode, depois e sem abuso: a) prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente[32]; b) exercer a posição jurídica violada pelo próprio[33]; ou c) exigir de outrem que aceite a situação já violada. 

É instituto que busca efetivar a realidade subjacente, tomando-se como neutro o aspecto formal[34]. Tem aplicação restrita às partes envolvidas[35].

O quinto tipo de atuação abusiva organiza-se em torno da locução desequilíbrio no exercício das posições jurídicas. Constitui um tipo extenso[36] e residual de atuações contrárias à boa fé[37]. Comporta diversos subtipos, a revelar hipóteses em que o titular, embora no exercício de um direito formal, atua de forma atentatória a vetores fundamentais do sistema, despontando como exemplos: a) o exercício danoso inútil, visando apenas provocar danos na esfera de terceiro; b) o dolo agit qui petit quod statim redditurus est, consistente na exigência daquilo que, em seguida, terá de ser restituído;  e c) a grave desproporcionalidade entre a vantagem alcançada pelo titular no exercício do direito e o sacrifício por ele imposto a outrem[38].


[1] Cf. CORDEIRO, Antonio Menezes. Do abuso de direito: estado das questões e perspectivas. In: Revista da Ordem dos Advogados, ano 65, v. 2, set. 2005, p. 15.
[2] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 15.
[3] Vide, a propósito, questão da prova objetiva seletiva do concurso público para o provimento de cargos de juiz federal substituto do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (2011), no qual deu-se como incorreta a seguinte assertiva: a configuração do abuso de direito exige o elemento subjetivo. Confira-se, ainda, questão da prova objetiva seletiva do concurso público para o provimento de cargos de promotor de justiça do Ministério Público do Estado de Roraima (2012), no qual também deu-se como incorreta a seguinte assertiva: determinada pessoa pode exercer um direito contrariando um comportamento anterior próprio, sem necessidade de observância dos elementos constitutivos da boa-fé objetiva.
[4] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 15.
[5] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 1. Vide, a propósito, questão da prova objetiva seletiva do concurso público para provimento de vagas e formação de cadastro de reserva para o cargo de analista da Empresa Brasil de Comunicação (2011), no qual deu-se como correta a seguinte assertiva: O princípio da boa-fé objetiva contratual tem, entre outras funções, a de limitar o exercício de direitos subjetivos, sobre a qual incidem a teoria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios, daí derivando os seguintes institutos: tu quoque, venire contra facutm proprium, surrectio e supressio. Este último assegura a possibilidade de redução do conteúdo obrigacional pactuado, pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, ao exercer direito ou faculdade, criando para a outra a legítima expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa.
[6] Vide, a propósito, questão da prova objetiva do concurso público para provimento de cargos de procurador da Fazenda Nacional (2012), no qual deu-se como correta a seguinte assertiva: a proibição do venire contra factum proprium, corolário do princípio da boa-fé, impede que sejam adotadas posturas contraditórias no processo e constitui lastro para a teorização da preclusão lógica no processo civil.
[7]Cf. CORDEIRO, Antonio Menezes. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2007, p. 745. Cita, à página 749, como exemplos: a) o caso de advogado que, de início, estipula, com o constituinte, determinados honorários em montante muito inferior ao prescrito legalmente e para valer em caso de êxito, mas depois, tendo perdido a causa, reclama os honorários legais (acórdão do Bundesgerichtshof, de 26 de outubro de 1955); b) o caso de um pai que entrega, em vida, a um filho do primeiro casamento, uma propriedade que tinha em comum com a segunda mulher, da qual tinha vários filhos que, com isso, na altura, concordaram, mas que vêm a impugnar a transmissão, morto o pai, alegando a falta de consentimento formal de todos os interessados (acórdão do Oberster Gericht für die britische Zone, de 2 de dezembro de 1948); c) o caso do diretor de uma sociedade que, não podendo celebrar um contrato com a própria sociedade, o faz mediante convênio através da assembleia geral, que, posteriormente, impugna a deliberação em causa, ante o argumento de que, para o efeito, competente seria o conselho fiscal, não obstante os representantes do órgão implicado participarem todos, sem exceção, daquele (acórdão do Bundesgerichtshof, de 21 de abril de 1960). No tocante à jurisprudência brasileira, podem ser citados como exemplos de proibição de comportamento contraditório, o intento de cobrar-se valores devidos pela incorporada, após expressamente quitar toda e quaisquer dívidas com a incorporadora, por meio de novação da relação contratual havida entre as três (STJ REsp 1.297.847); executado que indica bem à penhora e, posteriormente, invoca a nulidade da adjudicação em razão da impenhorabilidade absoluta do objeto da constrição, por constituir equipamento essencial à continuidade do exercício da profissão (STJ REsp 1.365.418), entre outros.
[8] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 6.
[9] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 6.
[10] É o caso de: a) trabalhador que deixa de demitir-se por oposição de empregador que, um mês após, o despede, alegando o mau estado da empresa (acórdão do Bundesarbeitsgericht, 8 de de junho 1972); b) senhorio que, depois de ter afirmado ao inquilino a possibilidade de ele permanecer no local arrendado até certa data mínima vem, antes dela, rescindir o contrato de arrendamento (acórdão do Arbeitsgericht de Münster, de 21 de março de 1972); c) comprador de veículo que aceita, em negociação, a reparação de certo vício, mas o devolve contra o preço, alegando outro vício adveniente (acórdão do Oberlandersgericht de Colônia, de 8 de novembro de 1972), cf. CORDEIRO, Da boa fé…, p. 747.
[11] É o caso de: a) agente que ao obter mandato em exclusivo declara, na assinatura correspondente, tratar-se apenas de uma formalidade, para, depois, exigir indenização por violação do exclusivo (acórdão do Bundesgerichtshof, de 23 de abril de 1969); b) senhorio que estimula a instalação de uma indústria doméstica no local arrendado e, fundando-se na existência dela, move uma ação de despejo contra o inquilino (acórdão da Relação de Luanda, 17 de julho de 1970), cf. CORDEIRO, Da boa fé…, p. 748.
[12] Cf. CORDEIRO, Da boa fé…, p. 748.
[13] Cf. CORDEIRO, Da boa fé…, p. 747.
[14] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 6.
[15] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 6.
[16] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 7.
[17] Cf. CORDEIRO, Da boa fé…, p. 762; CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 7.
[18] Segundo CORDEIRO, Da boa fé…, p. 761, não se requer culpa, por parte do titular exercente, na ocorrência da contradição, daí ser a doutrina uniforme em tomar a previsão de venire contra factum proprium por meramente objetiva. Vide, a propósito, questão da prova objetiva seletiva do concurso público para o provimento de cargos de juiz federal substituto do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (2009), no qual deu-se como correta a seguinte assertiva: a boa-fé objetiva recomenda a verificação da vontade aparente das partes. Alerta o autor, contudo, para o fato de não ser possível dar-se mais consistência ao factum proprium do que ao próprio negócio jurídico em situações a envolver simulação, reserva mental, falta de seriedade, falta de consciência, coação física, erro, dolo, coação moral, incapacidade acidental ou a atuação de incapaz quando da produção do factum proprium.
[19] O princípio da boa-fé objetiva ecoa por todo o ordenamento jurídico, não se esgotando no campo do direito privado, no qual, originariamente, deita raízes (STJ HC 175217). Daí o esquema de pensamento pressuposto pelo venire contra factum proprium vir sendo transposto para o direito penal. Confira-se com os seguintes casos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: falar-se em reconhecimento de nulidade, decorrente da utilização de prova emprestada para a condenação penal, quando a própria defesa técnica com o seu emprego concordou (HC 216.374); profissional da advocacia que defende, em agravo regimental, tese diametralmente oposta à que defendera em recurso especial (AgR-AREsp 318.341); acusado que tem ciência do processo penal a que responde, sem demonstrar interesse em atualizar sua localização, e que, posteriormente, responsabiliza o Estado pela descoberta de seu paradeiro (AgR-RHC 34.139); juiz singular que não conhece dos embargos de declaração opostos, sob fundamento de que não haveria interesse a ampará-los, porquanto seria reconhecida a prescrição e, posteriormente, em outra decisão, tomada de ofício, afirma que os crimes não estariam prescritos (REsp 1.329.048); profissional da advocacia que durante o intervalo de meses, responde a todas as intimações endereçadas a causídico integrante da sociedade advocatícia que não detinha a prerrogativa de ser comunicado com exclusividade sobre os atos processuais, e que, posteriormente, insurge-se contra estas mesmas intimações irregulares, alegando a impossibilidade de comparecimento a audiência de instrução e julgamento, em face da ausência de comunicação adequada (RMS 33.204).
[20] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 7.
[21] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 7.
[22] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 7.
[23] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 7.
[24] É o caso: a) daquele que cede, por contrato, o uso de escritório e, muito mais tarde, pretende voltar a ele, pelo fato de a cessão não ter obedecido ao formalismo prescrito (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de novembro de 1994); b) do locador que embora conhecesse desde o início a situação, invoca a nulidade da locação financeira por vício de forma, não obstante atuasse de modo consentâneo com a validade do contrato (acórdão da Relação de Lisboa, de 31 de março de 1998); c) de quem usa largamente cartão de crédito solicitado através de terceiro a um banco, para vir depois a invocar a nulidade do negócio por ter subjacente um contrato que, contra o disposto na lei, não fora reduzido a escrito (acórdão da Relação de Lisboa, de 4 de março de 1999), cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 8. Em sentido semelhante, confira-se, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o REsp 1.159.941/SE, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, na Quarta Turma, julgado em 05 de fevereiro de 2013, com acórdão veiculado no Diário da Justiça de 17 de abril de 2013, a envolver o pagamento da retribuição financeira devida pela PETROBRAS a particulares.
[25] Segundo CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 8, “esta simplicidade esconde problemas dogmáticos muito consideráveis. De fato, o negócio que não respeite a forma legal é nulo. Essa nulidade é invocável a todo o tempo e por qualquer interessado, sendo declarável, de ofício, pelo tribunal. Não basta, nestas condições, paralisar a alegação da nulidade pelo agente: seria necessário mexer em profundidade em toda a estrutura das regras formais”. Na jurisprudência brasileira, confira-se o REsp 1.040.606/ES, da relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, na Quarta Turma, julgado em 24 de abril de 2012, com acórdão veiculado no Diário da Justiça de 16 de maio de 2012, a envolver hipótese em que a locadora buscava manter o contrato rompido e, ao mesmo tempo, obstar a devolução dos valores desembolsados pela locatária, ante o argumento de que a lei exige forma para conferir validade à avença.
[26] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 8.
[27] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 8.
[28] Cf. CORDEIRO, Da boa fé…, pp. 797-798, propõe o termo suppressio para exprimir a Verwirkung alemã. Sustenta a inadequação das locuções “caducidade”, que é a extinção de uma posição jurídica por decurso de um prazo a que esteja sujeita; “exercício inadmissível do direito”, com o que se designa na França, em sentido amplo, o abuso de direito; “decadência”, com o sentido de caducidade “inibição”, que implica uma ideia de não possibilidade transitória de exercício; “paralisação”, que associa-se ao funcionar de uma exceção de direito material; “preclusão”, que liga-se ao efeito emergente do decurso de prazo invariavelmente determinado; e “perda”, que equivale à extinção de um direito; seja por assumirem outros significados técnicos que, aqui, não ocorrem, seja por traduzirem efeitos e não causas. 
[29] Cf. CORDEIRO, Da boa fé…, p. 797. Cita, à p. 822, como exemplos: a) a situação criada numa sociedade que, durante duas décadas, com o acordo unânime de todos os sócios, procedeu a uma distribuição de lucros não correspondente ao contrato social, que só poderia ser alterado com certas formalidades, o que nunca foi feito (acórdão do Bundesgerichtshof, de 17 de janeiro de 1966); b) a situação criada por certa pessoa que, tendo construído uma casa com um empréstimo ao abrigo de regulamentação que só o autorizava vendê-la como habitação própria, a arrendara com obrigação de venda, ao locatário (acórdão do Bundesgerichtshof, de 20 de dezembro de 1971). Na jurisprudência brasileira, confira-se, entre outros, os acórdãos do REsp 1.124.506/RJ, relatado pela ministra Nancy Andrighi na Terceira Turma, julgado em 19 de junho de 2012, com acórdão veiculado no Diário da Justiça de 14 de novembro de 2012 e do REsp 1.190.899/SP, relatado pelo ministro Sidnei Beneti na mesma Turma, julgado em 6 de dezembro de 2011, com acórdão veiculado no Diário da Justiça de 7 de fevereiro de 2012.
[30] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 9. Vide, a propósito, questão da prova objetiva do 23º concurso público de provas e títulos para a Magistratura do Trabalho da 9ª Região (2012), no qual deu-se como correta a seguinte assertiva: Hércules e Aquiles Sociedade de Advogados celebrou com Transportes Dínamo Ltda. contrato de prestação de serviços advocatícios, prevendo o pagamento de prestações mensais de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), reajustáveis a cada 12 meses. Contudo, vigente o ajuste no período compreendido entre novembro de 2002 e outubro de 2008, não houve nenhuma correção no valor das prestações. Após o término do contrato, Hércules e Aquiles Sociedade de Advogados vai a juízo exigindo as diferenças decorrentes do valor das parcelas pagas sem correção monetária. Caracterizou-se a "supressio", que indica a possibilidade de se considerar suprimida determinada obrigação contratual na hipótese em que o não exercício do direito correspondente, pelo credor, gera ao devedor a legítima expectativa de que as disposições iniciais (quanto à correção monetária) não mais seriam exigidas daquela forma inicialmente prevista.
[31] Vide, a propósito, questão da prova objetiva do 23º concurso público de provas e títulos para a Magistratura do Trabalho da 9ª Região (2012), no qual deu-se como incorreta a seguinte assertiva: Hércules e Aquiles Sociedade de Advogados celebrou com Transportes Dínamo Ltda. contrato de prestação de serviços advocatícios, prevendo o pagamento de prestações mensais de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), reajustáveis a cada 12 meses. Contudo, vigente o ajuste no período compreendido entre novembro de 2002 e outubro de 2008, não houve nenhuma correção no valor das prestações. Após o término do contrato, Hércules e Aquiles Sociedade de Advogados vai a juízo exigindo as diferenças decorrentes do valor das parcelas pagas sem correção monetária. Verifica-se, no caso, a regra "tu quoque", visto que na hipótese específica o escritório de advocacia abriu mão do reajuste anual das prestações mensais durante todos os seis anos de vigência do contrato, despertando na empresa contratante, ao longo de toda a relação negocial, a justa expectativa de que a correção não seria exigida retroativamente.
[32] É o caso de: a) parte que, ao perder contrato enviado pela outra, visando a colheita e o reconhecimento da firma, alega a invalidade do pacto ante a ausência de assinatura (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de julho de 2001); b) condomínio que deixa de assinar a ata da assembleia e prevalece-se disso para impugná-la (acórdão da Relação de Lisboa, de 2 de março de 2004), cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 10.
[33] É o caso de locatário que alega um vício da coisa locada de que ele próprio foi causador (acórdão do Reichsgericht, de 30 de maio de 1938), cf. CORDEIRO, Da boa fé…, p. 849. É dado constatar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece, desde há muito, o tu quoque não só nas relações privadas, mas incidente, também, nos vínculos processuais, seja no âmbito do processo administrativo ou judicial, conforme se depreende do estampado no acórdão do RMS 14.908/BA, relatado pelo ministro Humberto Martins na Segunda Turma, julgado em 6 de março de 2007, e veiculado no Diário da Justiça de 20 de março seguinte.
[34] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, pp. 9-10.
[35] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 9.
[36] Cf. CORDEIRO, Da boa fé…, p. 853.
[37] Cf. CORDEIRO, Do abuso de direito…, p. 10.
[38] Cf. CORDEIRO, Da boa fé…, p. 853. A título exemplificativo, cita, em Do abuso de direito…, p. 10, o caso daquele que exige, no âmbito da acessão, uma demolição muito custosa a troco de uma pequena vantagem (acórdão da Relação de Coimbra, de 8 de fevereiro de 2000).

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