Tributação de lucos

Debate de tributação esqueceu da disponibilidade da renda

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13 de novembro de 2013, 5h58

Nas sessões de 3 e 10 de abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal debateu o polêmico tema sobre a tributação de lucros no exterior.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2.588, o ministro Nelson Jobim afirmou em seu voto que os lucros de coligadas e controladas no exterior poderiam ser alcançados pela tributação automática pretendida pelo artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001, pois o resultado positivo da avaliação dos investimentos pelo método de equivalência patrimonial seria apto a denotar o conceito de renda.

Segundo a Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76), os investimentos em coligadas e controladas devem ser avaliados pelo método de equivalência patrimonial. Isto quer dizer que a controladora ou coligada que detém o investimento deve, ao apurar seu balanço anual, “atualizar” o valor desse investimento conforme a variação do patrimônio da investida.

Por exemplo: no ano X1, a empresa “A” adquiriu 55% da empresa “B”. O Patrimônio Líquido de B, em X1, era de R$ 100 mil. No seu balanço, “A” deve refletir o valor do investimento em “B” pelo método de equivalência patrimonial, supondo que essa situação caracteriza o controle da companhia “B” por “A”. Esse valor é obtido pela multiplicação da percentagem da participação adquirida (55%) pelo valor do Patrimônio Líquido da investida (R$ 100 mil). Em X1, portanto o valor do investimento em “B” será registrado por “A” pelo valor de R$ 55 mil. No ano X2, “B” apura lucro de R$ 100 mil e, portanto, seu Patrimônio Líquido sobe para R$ 200 mil. Ao elaborar seu balanço em X2, “A” deverá refletir, pelo método de equivalência patrimonial (MEP), o novo valor de seu investimento em “B”. Em X2, o resultado da multiplicação da participação que “A” detém em “B” (55%) pelo valor do Patrimônio Líquido de “B” (R$ 200 mil) será de R$ 110 mil. A diferença entre o valor do investimento em X1 (R$ 55 mil) e o valor do investimento em X2 (R$ 110 mil) gera para “A” – investidora – um resultado positivo de equivalência patrimonial.

Pelo exemplo acima é possível perceber o porquê de o ministro Jobim ter relacionado a apuração dos lucros de coligadas e controladas ao resultado positivo de equivalência patrimonial: a apuração de lucros na empresa investida aumenta o patrimônio dela e, consequentemente, por via reflexa, aumenta o patrimônio da investidora, em razão da atualização do valor do investimento pelo MEP.

Esse resultado positivo de equivalência patrimonial não deve ser tributado segundo a legislação tributária. Mas não é esse o conflito que queremos explorar aqui. O ponto é: embora o resultado positivo de equivalência patrimonial possa ser entendido como acréscimo patrimonial, existe disponibilidade econômica ou jurídica?

O artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN) define que o fato gerador do Imposto de Renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de determinado acréscimo patrimonial. Não é só o acréscimo patrimonial que determina a incidência do IR. É preciso, também, que haja disponibilidade (econômica ou jurídica).

Em termos didáticos, a disponibilidade econômica sempre foi explicada como a disponibilidade de caixa (dinheiro) e a disponibilidade jurídica como a aquisição de um direito a receber algo de outrem. A venda de uma mercadoria, por exemplo, faz nascer para o vendedor o direito de receber o preço. Embora possa ao haver o pagamento pela mercadoria vendida (que seria disponibilidade econômica da renda para o vendedor), já há disponibilidade jurídica, pois o vendedor adquiriu o direito de receber o preço acordado, podendo, inclusive, utilizar de todos os meios de direito para satisfazer seu crédito (disponibilidade jurídica).

Acréscimo patrimonial e disponibilidade (jurídica ou econômica) não podem ser tomados como sinônimo e a tributação de lucros no exterior é um exemplo disso. Embora os lucros da coligada ou controlada no exterior possam estar refletidos no balanço da controladora ou coligada brasileira e gerar um acréscimo patrimonial em razão da atualização do valor do investimento pelo MEP, esse acréscimo ainda não está disponível. É possível entender, como a ministra Ellen Gracie, que o fato de eu controlar uma companhia faz com que eu tenha, implicitamente, disponibilidade sobre aquele acréscimo patrimonial verificado por ela. Mas, para isso, é necessária a construção de um raciocínio neste sentido, como o fez a ex-ministra, relatora da ADI 2.588 e primeira a proferir seu voto. Afirmar isso não significa equiparar acréscimo patrimonial à disponibilidade e eliminar, portanto, um dos elementos constitutivos do conceito legal e constitucional de renda.

O Superior Tribunal de Justiça seguiu o mesmo raciocínio. No primeiro julgamento sobre o assunto (Recurso Especial 907.404), afirmou que a Medida Provisória 2.158-35/2001 “não maculou a regra-matriz da hipótese de incidência do imposto de renda contida no caput do artigo 43 do CTN, pois, pré-existindo o acréscimo patrimonial, a lei estava autorizada a apontar o momento que se considerariam disponibilizados os lucros apurados pela empresa controlada”.

Os critérios pré-estabelecidos no artigo 43 do CTN são: acréscimo patrimonial + aquisição de disponibilidade. Não basta só o acréscimo patrimonial para averiguar a compatibilidade do artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001 com o CTN. É neste sentido que se advogava a tese de que a lei ordinária tinha sim a liberdade de estipular o momento de ocorrência do fato gerador, mas esse momento tinha de ser posterior à aquisição de disponibilidade do acréscimo patrimonial.

O perigo desse raciocínio é eliminar um critério definido pelo CTN como relevante para verificar a ocorrência do fato gerador do IR, passando somente o acréscimo patrimonial a ser o elemento necessário e suficiente para tributação.

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