Justiça do trabalho

Remanescem espaços para delineamento do dumping social

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13 de novembro de 2013, 16h00

Em notícia veiculada em janeiro deste ano, o Tribunal Superior do Trabalho demonstrou preocupação em elucidar o significado de dumping social, com vistas à punição dos empregadores que desrespeitam a legislação trabalhista reiterada e deliberadamente.

A expressão, tradicionalmente, faz referência a práticas desleais de concorrência no âmbito internacional, pelas quais os preços de produtos e serviços são reduzidos mediante o rebaixamento da proteção social, tomado como parâmetro o disposto em diplomas internacionais de direito. De maneira geral, o enfrentamento de tais práticas se dá mediante a inserção de cláusulas sociais em acordos de comércio, a criação dos chamados “selos sociais”, ou ainda, por meio da elaboração de códigos de conduta empresarial. Há ainda quem entenda constituir o combate ao dumping social um dos principais fatores que teriam empolgado a constituição da Organização Internacional do Trabalho.

No Brasil ganha cada vez mais força a ideia de que o dumping social também pode ser identificado e combatido internamente. Daí a crescente formulação de pedidos indenizatórios em ações na Justiça do Trabalho. Nos últimos anos alguns casos ganharam destaque na mídia, a exemplo das condenações da rede Magazine Luiza e da Ford. Aponta-se que as primeiras condenações tenham sido proferidas no ano de 2008, o que não significa, contudo, que a responsabilidade por dumping social seja assunto já consolidado. Resta ainda muito a ser debatido.

Embora na atualidade exista projeto legislativo visando à regulamentação da matéria (atualmente, em tramitação na Câmara dos Deputados, sob o 1.615/2011), é provável que a edição de lei demore a ocorrer, dada a grande polêmica envolvendo o tema. Uma das justificativas do projeto, além do propósito de coibir a prática do dumping social, consiste em trazer segurança jurídica a um cenário marcado por entendimentos jurisprudenciais e doutrinários extremamente díspares.

Numa tentativa de delinear o conceito de dumping social, mostra-se imprescindível referência ao Enunciado 4 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho (promovida pela Anamatra e que ocorre nos dias 21 a 23 de novembro de 2007), segundo o qual, as agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas implicam um dano à sociedade, “pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência”. O dano social decorreria assim de ato ilícito, por exercício abusivo do direito, ao se extrapolarem limites econômicos e sociais.

A condenação pela prática de dumping social se traduziria, nos termos do enunciado, numa espécie de indenização de caráter reparatório, punitivo e pedagógico pelo descumprimento reiterado da legislação laboral, o qual repercute negativamente sobre toda a sociedade. A ideia é, portanto, evitar que o desrespeito aos direitos trabalhistas seja visto como um “bom negócio”, por importar em vantagens competitivas, bem como impedir seja a concorrência levada a adotar os mesmos comportamentos antissociais.

As expressões dumping social e dano social geralmente são tratadas como sinônimas na Justiça do Trabalho. Entretanto, a primeira parece ter significado mais restrito que a segunda, tratando especificamente de aspectos trabalhistas. A segunda, por sua vez, tem aparecido em algumas decisões no âmbito da justiça cível, a exemplo de recentíssima decisão do Juizado Especial Cível e Criminal de Jales/SJ, que condenou a Tim a pagar R$ 5 milhões, como forma de reparação de dano social.

De acordo com alguns estudiosos, o dumping social (natureza jurídica de dano material) constitui, ao lado do dano moral coletivo (extrapatrimonial), espécie do gênero dano social, daí ser possível a cumulação dos dois primeiros. Na jurisprudência, entretanto, a distinção entre dano moral coletivo e dumping social muitas vezes se mostra bastante controvertida, sendo até mesmo frequente a utilização do dumping social como fundamento para pedidos e condenações por danos morais coletivos.

A análise de inúmeros acórdãos que enfrentaram a tese do dumping social aponta grandes divergências ainda quanto à sua comprovação. Tomando-se por base o Enunciado 4 supramencionado, há quem entenda bastarem as agressões reincidentes e inescusáveis. Outros, porém, entendem não bastar a existência de inúmeras reclamações contra as empresas, sendo imprescindível a demonstração de aspectos como a reincidência das práticas, o intuito de obter vantagem comparativa mediante a violação a direitos trabalhistas, o dolo específico de prejudicar concorrentes, a efetiva existência da vantagem comparativa, entre outros.

No tocante aos fundamentos da reparação por dano social, mencionam-se os artigos 186, 187 e 927, todos do Código Civil. Quanto a este mesmo diploma entende-se que o artigo 404, parágrafo único, daria amparo legal à condenação do agressor contumaz ao pagamento de indenização suplementar – inclusive de ofício. Interpretações feitas a partir do disposto nos artigos 652, “d”, e 832, parágrafo 1º, ambos da CLT, levariam ainda à conclusão quanto à possibilidade de o magistrado impor penalidades relativas à atividade jurisdicional. Como se vê, ora se invocam dispositivos relativos ao instituto da responsabilidade civil, ora relativos a multas, a transparecer certa indefinição do instituto.

Não obstante o reconhecimento do TST quanto a ser possível a formulação de pedido indenizatório pela prática de dumping social, há fortes argumentos no sentido da inexistência de fundamentos legais para tanto.

Para muitos, o parágrafo único do artigo 404 diz respeito tão somente à tutela compensatória do capital, sendo inaplicável à relação de emprego. Ademais, a aplicação do aludido dispositivo, e consequentemente, a condenação ao pagamento de indenização suplementar, demandaria o preenchimento de certos requisitos.

Por sua vez, no que tange à alínea “d” do artigo 652, afirmam alguns ser impossível a imposição, pelo Judiciário, de multas de natureza administrativa, vez que estas caberiam ao Poder Executivo, a quem a Constituição teria incumbido a promoção da fiscalização do trabalho. A CLT apenas conferiria ao magistrado amplo poder de impor multas estritamente relacionadas à atividade jurisdicional (segundo uma perspectiva processual).

Na jurisprudência, algumas críticas também já foram pontuadas, a saber: inexistência de consenso sobre a caracterização jurídica do dumping social; incompatibilidade entre o direito do trabalho e o direito civil, e somando-se a isso, a constatação de a lei civil, em seu artigo 404, ter como premissa a igualdade entre os contratantes para a estipulação de pena convencional; impossibilidade de se conciliar as disposições relativas à “tutela compensatória do capital” com as de “tutela compensatória do trabalho”; necessidade de condenação do devedor ao pagamento de perdas e danos, nos termos do caput do artigo 404, para que então se possa cogitar de “indenização suplementar”; impossibilidade de a complementação das perdas e danos ter caráter pedagógico ou de multa, vez que possuidora de natureza jurídica indenizatória, entre outros.

A despeito de toda a discussão mencionada, verifica-se que o Tribunal Superior do Trabalho tem se mostrado favorável à tese da indenização pela prática de dumping social.

Outra questão relevante diz respeito à legitimidade para se pleitear a reparação por dumping social.

A legitimidade do Ministério Público do Trabalho para requerê-la tem sido admitida com bastante tranquilidade, havendo inclusive muitas decisões em que se afirma ser ele o único legitimado para tanto. Outras, por sua vez, apontam genericamente serem os atores elencados no artigo 5º da Lei 7.347/85 aqueles legitimados a formular tal pedido.

A polêmica permanece, todavia, em relação às empresas concorrentes e, principalmente, quanto ao reclamante individual.

Não se poderia deixar de mencionar a controvérsia em torno da concessão de ofício da indenização, isto é, sem pedido da parte.

Para muitos defensores da tese, a possibilidade de o juiz atuar de ofício encontra respaldo na ordem jurídica brasileira, com base em uma leitura sistemática. Para tanto, pautam-se nas disposições dos artigos 81 e 83 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), segundo as quais a tutela dos interesses e direitos de consumidores e vítimas poderia até mesmo ser exercida individualmente, sendo admitidas todas as ações capazes de promovê-la adequada e efetivamente. Ademais, o artigo 84 do mesmo diploma, afirmam, garantiria ao juiz a possibilidade de proferir decisões alheias ao pleito do autor, tendo-se em vista o resultado prático equivalente. Também a CLT conferiria aos magistrados amplos poderes instrutórios (artigo 765), bem como liberdade para solução “justa” do caso (pautando-se pelo critério da equidade), conforme previsão dos artigos 8º, 766, bem como da supramencionada regra do artigo 652, ‘d’.

O Tribunal Superior do Trabalho, por sua vez, tem se mostrado avesso a esta tese, vez que a condenação de ofício implicaria julgamento extra petita (nos termos do arts. 128 e 460, caput, do CPC), além de flagrante violação aos princípios constitucionais da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

Oportuno ainda destacar serem admitidas outras formas de reparação (que não a indenização), tais como que, o cumprimento de obrigações de fazer e não fazer, o custeio de publicações (em jornais de grande circulação regional), ou a fixação de cópias de condenações em locais de grande visibilidade, noticiando as violações a direitos trabalhistas por elas perpetradas.

No que tange especificamente à indenização, pode-se dizer que, para a mensuração dos valores, tendem a ser considerados diversos critérios, tais como a reincidência, a gravidade do ilícito e o porte econômico da empresa. Muitos julgados chamam a atenção, no entanto, para certa desproporcionalidade na fixação dos valores, não raramente reformada nas instâncias superiores.

Um dos mais aspectos controvertidos, a destinação dos valores decorrentes de indenizações pelo dumping social tem recebido tratamentos diversos na jurisprudência. De modo geral, a exemplo do que ocorre com valores decorrentes de condenações por dano moral coletivo, o entendimento que parece predominar é o da destinação a fundos estatais (a exemplo do Fundo de Amparo ao Trabalhador, conforme interpretação dada ao artigo 13, da lei 7.347/85 na seara trabalhista) ou a entidades beneficentes. Contudo, é possível encontrar na jurisprudência trabalhista decisões nas quais foi julgado procedente o pleito de indenização suplementar em favor do reclamante individual (bem como outras, em que este foi considerado improcedente, mormente por existir receio de enriquecimento ilícito), assim como outras nas quais se intentou fossem os valores revertidos ao próprio juízo, para pagamento de processos arquivados na unidade judiciária.

É possível observar, portanto, que a reparação pelo dumping social passa cada vez mais a ser discutida na Justiça do Trabalho, despertando especial atenção da sociedade. Para o Tribunal Superior do Trabalho faz-se necessário difundir o significado da prática e punir as empresas que de modo reiterado descumprem a legislação trabalhista, mantendo certas práticas — desleais e socialmente indesejáveis — mesmo após sucessivas condenações judiciais, o que acaba por causar dano a toda a sociedade. Contudo, ainda que o Tribunal Superior tenda a admitir condenações por dumping social, remanescem espaços para o melhor delineamento do instituto e para o combate a excessos do Poder Judiciário.

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