Direito de Defesa

A forma inteligente de controlar o crime organizado

Autor

  • Luciano Feldens

    é advogado sócio do escritório Feldens Advogados especialista mestre e doutor em Direito Constitucional e professor de Direito e Processo Penal.

5 de novembro de 2013, 15h46

A recente decisão da Siemens em colaborar com investigações sobre cartel e corrupção praticadas em licitações públicas revela a eficácia das novas estratégias de controle da criminalidade, em especial aquela econômica, denominada de colarinho branco.

Antes, a repressão a tais atos se limitava à criação de leis incriminadoras e ao aumento de efetivo policial, instrumentos importantes, mas incapazes de fazer frente à sofisticação empresarial do delito. Operações com apelidos criativos e prisões espetaculares pouco abalaram os grandes cartéis, fossem de drogas, fossem voltados à execução de obras públicas com fraude ou acerto. Em regra, os afetados eram os executores de pouco poder, que agiam a mando de figuras distantes da cena do crime, capazes de substituir os soldados caídos por outros com igual qualificação.

Porém, um novo conjunto de leis surgiu, com uma ótica diferente. Em vez de reprimir o crime pelo enfrentamento ostensivo, percebeu-se mais eficaz o desenvolvimento de mecanismos para obtenção de informações sobre o funcionamento dos esquemas delitivos. Notou-se ser mais útil conhecer com detalhes a organização criminosa, seus reais operadores e beneficiários, e o caminho do dinheiro obtido com as práticas ilícitas, antes do desencadeamento de ações ostensivas, prisões ou apreensões. Com isso, é possível o desenvolvimento de estratégias mais adequadas para o desmonte completo da organização.

Dentre estas normas inovadoras, podemos citar a lei de lavagem de dinheiro (Lei 9.613), a lei anticorrupção (Lei 12.846) e a lei de combate ao crime organizado (Lei 12.850), que contam com inúmeras imperfeições, mas, no entanto, trazem interessantes medidas para angariar dados sobre a forma de agir dos grupos organizados.

Tais leis preveem a colaboração compulsória de diversos profissionais (serviços bancários, comerciantes de imóveis, contadores), que tem o dever de comunicar às autoridades operações suspeitas, regulam a atividade do agente infiltrado nas estruturas delitivas, bem como criam cadastro nacional de empresas punidas pela prática de crimes contra a administração pública para facilitar seu reconhecimento. Em suma, todas apresentam instrumentos para obtenção rápida de informações precisas sobre atos ilícitos e as organizações que os praticam ou praticaram.

Porém, dentro dessa estratégia, destaca-se o instituto da delação premiada, prevista em todas as leis citadas. Trata-se da concessão de benefícios àquele (ou àquela empresa) que colaborar com as autoridades, reconhecendo a prática delitiva e revelando informações úteis para as investigações. A ideia é criar um clima de desconfiança entre os membros do grupo ilícito, rompendo o elo do silêncio que sempre uniu bandos e quadrilhas, e facilitando a obtenção de informações importantes sobre o funcionamento da organização.

Evidente que a delação premiada — por si — não é suficiente para uma acusação formal contra alguém, e que sua instituição não transforma as autoridades policiais em meros espectadores de denúncias alheias. Trazidas as informações, por meio de pessoa identificada, o Estado tem o dever de averiguar sua credibilidade, seus fundamentos, para evitar que rixas e inimizades pessoais ou comerciais se transformem em persecuções sem fundamento, como danos irreparáveis à imagem dos envolvidos.

Mas isso não desmerece o instituto, cujo êxito é percebido a cada crime desbaratado pelo arrependimento – real ou estratégico – de um dos integrantes da empreitada criminosa.

Enfim, a substituição de uma política simbólica, baseada no aumento de penas, por uma política eficaz, fundada na gestão da informação, dentro dos parâmetros legais e constitucionais que cercam a atividade estatal, parece a resposta mais adequada à criminalidade organizada.

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