Processo Novo

Câmara deve rever 'prequestionamento ficto' no CPC

Autor

  • José Miguel Garcia Medina

    é doutor e mestre em Direito professor titular na Universidade Paranaense e professor associado na UEM ex-visiting scholar na Columbia Law School em Nova York ex-integrante da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015 advogado árbitro e diretor do núcleo de atuação estratégica nos tribunais superiores do escritório Medina Guimarães Advogados.

4 de novembro de 2013, 7h00

Spacca
Por sugestão de alguns leitores, volto a tratar, no texto desta segunda-feira (4/11), da configuração do prequestionamento, para fins de cabimento de recursos extraordinário e especial, à luz das variações recentes da jurisprudência dos tribunais superiores.[1]

O debate sobre o tema é importante, também, porque há, no projeto do novo Código de Processo Civil, dispositivo específico, a respeito.

O Supremo Tribunal Federal ensaia abandonar o entendimento, antes pacífico, no sentido de que a oposição de embargos de declaração contra a decisão proferida pelo tribunal de origem supriria a ausência de prequestionamento explícito. Trata-se daquilo que se convencionou chamar de “prequestionamento ficto”.

Sabe-se que, para que se considere prequestionada a questão de direito constitucional ou federal, deve o tema ter sido examinado na decisão que se pretende impugnar, por recurso extraordinário ou especial. Caso, embora suscitada previamente pelas partes, haja omissão a respeito da questão, devem ser opostos embargos de declaração.

Até aqui, são uniformes os orientações jurisprudenciais dominantes, no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça.

As divergências começam quanto aos fundamentos do recurso, quando rejeitados os embargos de declaração, sem que seja suprida a omissão.

Prevalece, na jurisprudência do STJ, a orientação no sentido de que, rejeitados embargos de declaração, não poderá o recurso especial versar sobre a questão federal não examinada no tribunal de origem, devendo a parte alegar, em seu recurso, violação ao artigo 535, inciso II do Código de Processo Civil.

Essa orientação, consolidada na Súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça,[2] significou um afastamento do que o Supremo Tribunal Federal vinha decidindo até então, com base no que dispõe em sua Súmula 356:[3] opostos embargos de declaração, considera-se prequestionada a questão, ainda que não suprida a omissão pelo tribunal local.[4] Ambos os tribunais reconhecem a existência de tal divergência.[5]

Penso que há, aí, um grande problema: embora tenham objetos distintos, o sentido dos artigos 102, inciso III e 105, inciso III da Constituição é o mesmo. É inadmissível, diante disso, que os tribunais superiores adotem orientações distintas, a respeito da configuração do prequestionamento.

Esse estado de coisas, contudo, parece estar se modificando gradativamente.

Nos últimos anos, alguns julgados proferidos pelo STF têm se afastado da orientação que, antes, era pacífica, nesse tribunal, não mais admitindo o denominado “prequestionamento ficto".[6]

Os julgados que se posicionam nesse sentido, contudo, não deixam claras as razões dessa aparente viragem jurisprudencial.

Consideramos isso importante: cumpre ao Supremo Tribunal Federal deixar claro se está, ou não havendo o abandono da orientação outrora pacífica, no sentido da admissibilidade do “prequestionamento ficto”, bem como justificar os porquês da mudança de orientação. O atual estado de coisas cria um injustificável ambiente de insegurança jurídica.

De todo modo, temos o indicativo de que o Supremo está fazendo uma releitura do entendimento antes firmado, à luz da Súmula 356, aproximando-se da orientação consolidada na Súmula 211 do STJ.[7]

O projeto do novo Código de Processo Civil, ao tratar do tema, optou pelo entendimento outrora pacífico, no Supremo Tribunal Federal: “Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante pleiteou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração não sejam admitidos, caso o tribunal superior considere existentes omissão, contradição ou obscuridade”.[8]

Tal redação foi formulada no início do ano de 2010, época em que ainda não se esperava que a jurisprudência do STF viesse a cambiar, a respeito.

Hoje, contudo, à luz da viragem jurisprudencial referida, considero que a Câmara dos Deputados deveria rever a redação do dispositivo que trata do tema, no projeto do novo CPC.[9]

 Até a próxima semana!


[1] A respeito, cf. o que escrevi no livro Prequestionamento e repercussão geral (6. ed., Ed. Revista dos Tribunais, 2012). Inevitavelmente, algumas das ideias antes lançadas, a respeito, na presente coluna, acabam sendo transpostas para o presente texto.

[2] “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo” (STJ, Súmula 211).

[3] “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento” (STF, Súmula 356).

[4] Aludindo ao referido enunciado, Alfredo Buzaid, em decisão exarada em 1983, expôs que “através dos embargos declaratórios se prequestiona no Tribunal de origem a questão federal, a qual fica, portanto, ventilada, independentemente da solução dada”, concluindo, a seguir, que “o princípio dominante é, pois, que o recurso extraordinário deve versar sobre questão que foi oportunamente suscitada e defendida nas instâncias ordinárias” (Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 109, p. 303). Segundo essa orientação, assim, “o que, a teor da Súmula 356, se reputa carente de prequestionamento é o ponto que, indevidamente omitido pelo acórdão, não foi objeto de embargos de declaração; mas, opostos esses, se, não obstante, se recusa o tribunal a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte, permitindo-se-lhe, de logo, interpor recurso extraordinário sobre a matéria dos embargos de declaração e não sobre a recusa, no julgamento deles, de manifestação sobre ela” (STF, RE 210638, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1.ª T., j. 14/04/1998). Mais recentemente, no julgamento do AI 591391 AgR (rel. Min. Ellen Gracie, 2.ª T., j. 10/03/2009), decidiu o STF que “a rejeição dos embargos de declaração não impede a apreciação, neste Tribunal, da matéria constitucional omitida pelo aresto atacado”.

[5] Decidiu o STF que “a recusa do órgão julgador em suprir omissão apontada pela parte através da oposição pertinente dos embargos declaratórios não impede que a matéria omitida seja examinada pelo STF, como decorre a fortiori da Súmula 356, que é aplicável tanto ao recurso extraordinário, quanto ao recurso especial, a despeito do que estabelece a Súmula 211 do STJ” (STF, AI 317281 AgR, rel.Min. Sepúlveda Pertence, 1.ª T., j. 28/06/2001). No STJ, por sua vez, assim se decidiu: “A matéria versada nos artigos apontados como violados no recurso especial não foi objeto de debate pelas instâncias ordinárias, sequer de modo implícito, e embora opostos embargos de declaração com a finalidade de sanar omissão porventura existente, não foi indicada a contrariedade ao art. 535 do Código de Processo Civil, motivo pelo qual, ausente o requisito do prequestionamento, incide o disposto na Súmula nº 211 do STJ. O Supremo Tribunal Federal, diferentemente desta Corte Superior, adota o chamado ‘prequestionamento ficto’, ou seja, considera prequestionada a matéria pela simples oposição de embargos declaratórios, ainda que eles sejam rejeitados, sem nenhum exame da tese constitucional, bastando que essa tenha sido devolvida por ocasião do julgamento” (STJ, AgRg no AREsp 265.139/DF, rel.Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3.ª T., j. 28/05/2013).

[6] Cf., dentre outros, os seguintes julgados: “O requisito do prequestionamento é indispensável, por isso que inviável a apreciação, em sede de recurso extraordinário, de matéria sobre a qual não se pronunciou o Tribunal de origem. A simples oposição dos embargos de declaração, sem o efetivo debate acerca da matéria versada pelos dispositivos constitucionais apontados como malferidos, não supre a falta do requisito do prequestionamento, viabilizador da abertura da instância extraordinária” (STF, RE 661521 ED, rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., j. 17.04.2012); “O requisito do prequestionamento obsta o conhecimento de questões constitucionais inéditas. Esta Corte não tem procedido à exegese a contrario sensu da Súmula STF 356 e, por consequência, somente considera prequestionada a questão constitucional quando tenha sido enfrentada, de modo expresso, pelo Tribunal a quo. A mera oposição de embargos declaratórios não basta para tanto. Logo, as modalidades ditas implícita e ficta de prequestionamento não ensejam o conhecimento do apelo extremo” (STF, ARE 678139 AgR, rel. Min. Rosa Weber, 1.ª T., j. 06/08/2013).

[7] Na obra antes citada, defendo que a orientação firmada na Súmula 211 do STJ mais se ajusta à norma constitucional, defendendo o abandono da tese do “prequestionamento ficto”.

[8] Art. 979 da versão aprovada no Senado, correspondente ao art. 1.038 da versão ora em discussão na Câmara dos Deputados.

[9] O projeto de novo CPC está em debate, no Plenário da Câmara dos Deputados (cf. mais informações aqui). 

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