Emenda do calote

Não há o que comemorar com a derrubada da EC 62

Autor

  • Fernão Borba Franco

    é juiz de Direito da 14ª Vara da Fazenda Publica da Capital mestre e doutor pela Faculdade de Direito da USP e autor do livro Execução em Face da Fazenda Pública que não deverá ser atualizado ou reeditado porque se tornou obra de ficção.

30 de março de 2013, 9h36

O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 62/09, dita “emenda do calote”, a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil. Não há, entretanto, o que comemorar. Pelo contrário. Essa EC dispunha sobre regras para pagamento de precatórios, em até 15 anos, parcelamento que foi declarado inconstitucional.

Precatórios são ordens judiciais de pagamento, decorrentes de sentenças condenatórias, dirigidas aos entes públicos. Os credores somos nós, pessoas físicas e jurídicas.

Os precatórios devem ter seus respectivos valores incluídos no orçamento de cada um desses devedores e ser pagos até o final do exercício orçamentário. O STF decidia que a intervenção no ente devedor não se aplicava se o calote foi dado porque existiam dificuldades financeiras, o que tornou a pena aplicável ao devedor inócua.

Essa pena agora é de sequestro, mas o artigo 100, § 6º, da CF, tem redação hermética a respeito dessa possibilidade: fica mantido o sequestro por preterição e a nova hipótese é a do sequestro por “não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito”.

O que isso significa? Falta de inclusão desse valor no orçamento anual ou falta de pagamento do importe, até o final do exercício orçamentário? Espera-se que o Supremo Tribunal Federal acabe fixando a segunda orientação, realmente a única que permite concluir que ainda existe sanção contra o inadimplemento estatal, mas isso, no mínimo, vai demorar bastante.

De qualquer forma, é óbvio que a última coisa que o governante deseja é fazer pagamento de dívida de seu antecessor. Daí, claro que o dinheiro nunca chegava para pagar o precatório, o que só se resolve com sanção eficaz.

Foi por falta dessa sanção que os precatórios começaram a se acumular, sem pagamento. Foi por isso que, em 1988, a Constituição previu parcelamento de alguns desses valores em atraso, em oito vezes. O pagamento não foi feito. Foi por isso também que a EC 30 (também declarada inconstitucional, mas não de forma definitiva, pelo STF) efetuou novo parcelamento parcial, em dez prestações. E como isso não foi suficiente, promulgou-se a EC 62, para o pagamento em até quinze anos.

Esta, entretanto, à diferença das medidas anteriores, funcionava, porque se os pagamentos devidos não fossem feitos eram previstas penas sérias: sequestro do valor; sujeição do responsável às penas de improbidade administrativa e de responsabilidade fiscal; possibilidade de compensação com débitos tributários e bloqueio de transferências de dinheiro e empréstimos para o devedor.

Funcionava também porque abrangia todos os valores devidos, inclusive os precatórios que ainda seriam expedidos, até o fim do prazo de parcelamento. Nesse momento, as dívidas ficariam zeradas. O sistema era engenhoso e fechado, tanto que funcionou bem enquanto pôde.

Mas acabou. Agora voltamos ao tempo em que os devedores farão, mal e mal, o pagamento dos precatórios do ano, valor insuficiente, claro, para saldar o débito acumulado. Não há condições práticas para o pagamento à vista, o que significa que aquela interpretação acima defendida, relativa ao sequestro, pode ficar prejudicada. Com isso, não haverá sanção. De novo.

Os credores estão ao Deus-dará porque o Judiciário foi sendo ao longo do tempo manietado em seu poder de impor o cumprimento de suas decisões, até esse cumprimento tornar-se impossível, e inviabilizar a aplicação efetiva de outra sanção.

A declaração da inconstitucionalidade da EC 62, no que toca ao parcelamento do débito, foi na verdade prejudicial aos credores, fazendo o sistema dos precatórios voltar ao caos anterior, em que os devedores pagavam o quanto queriam, sem ser incomodados.

Para encerrar, um aviso: as coisas podem piorar. Está em julgamento uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada pela Fazenda do Estado de São Paulo, insurgindo-se contra a orientação firmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo para exigir, como condição para imissão na posse em desapropriação, o depósito do valor atual e efetivo do bem.

Se o STF decidir que é impossível exigir o depósito antecipado do valor de mercado de bens expropriados, os proprietários ficam sujeitos à desapropriação por valor simbólico ou bastante inferior ao real, para recebimento da diferença (por precatório) quando Deus quiser. Então, a garantia constitucional da propriedade não valerá mais contra o Estado.

O Estado que não respeita o direito de seus cidadãos tem um nome. E não é Estado Democrático de Direito. Paradoxalmente, foi em defesa do próprio Estado Democrático de Direito que se ajuizou a ADI contra o parcelamento dos precatórios e com base em seus princípios foi julgada procedente nessa parte. Triste. 

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    é juiz de Direito da 14ª Vara da Fazenda Publica da Capital, mestre e doutor pela Faculdade de Direito da USP e autor do livro Execução em Face da Fazenda Pública, que não deverá ser atualizado ou reeditado porque se tornou obra de ficção.

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