Disputa nos EUA

Estrelas da advocacia se enfrentam sobre casamento gay

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29 de março de 2013, 5h33

Nesta semana, a Suprema Corte dos Estados Unidos começou o julgamento sobre a constitucionalidade de duas leis que tratam do casamento entre pessoas do mesmo sexo no país. As manhãs de terça e quarta-feira (26 e 27/3) foram ocupadas com as audiências de argumentação sobre ambos os casos, quando os nove justices do tribunal constitucional mais influente do mundo ouviram os advogados de grupos militantes e da própria Câmara de Representantes, que se enfrentam nesses dois processos distintos.

O julgamento culminará na decisão sobre o direito do casamento homoafetivo ser plenamente reconhecido pelo Estado. Como ocorre em casos de grande repercussão, alguns dos mais influentes advogados do país se submeteram à esperada e implacável bateria de questionamentos e críticas vinda dos membros da mais alta corte de Justiça dos EUA.

Na terça, falaram os advogados das partes que se enfrentam no caso sobre a legalidade de uma lei da Califórnia que proíbe o casamento gay. No dia seguinte, foi a vez dos juízes ouvirem os argumentos sobre a lei federal que estabelece que apenas pessoas do sexo oposto podem casar entre si, restringindo, assim, a concessão de certos direitos e benefícios apenas a casais heterossexuais.

A avaliação é que a lei californiana, chamada de “Proposição 8”, apesar de ser estadual, é a que permitirá as discussões mais amplas e, portanto, pode levar a mudanças potenciais mais significativas no que toca a ampliação dos direitos civis dos homossexuais nos EUA. O debate sobre a lei federal, a Lei da Defesa do Casamento (DOMA – Defense of Marriage Act), trata apenas de estender ou não alguns direitos específicos, até aqui restritos apenas a uniões entre pessoas de gêneros distintos.

Ao contrário do que ocorre no Supremo Tribunal Federal, no Brasil, as sustentações orais da Suprema Corte americana acontecem antes da sessão em que os juízes anunciam seus votos. Trata-se, dessa forma, de um momento crítico, onde os juízes costumam bombardear os advogados com perguntas, não os poupando de críticas diretas a seus argumentos.

Como tanto a Califórnia quanto o governo federal abriram mão de defender suas leis, coube aos advogados que militam em ambos os lados da trincheira, contratados por entidades ou pelo próprio Partido Republicano, participar das audiências de argumentação oral.

Uniformização
Entre os mais conhecidos juristas do país que sustentaram na Suprema Corte está o renomado advogado das causas conservadoras junto à mais alta instância de Justiça dos EUA, Paul Clement, sócio da banca Bancroft, de Washington, capital. Clement amargou, há cerca de nove meses, uma de suas mais notáveis derrotas, quando a Suprema Corte confirmou a constitucionalidade da lei que reformou o sistema de saúde americano, chamada de Obamacare.

Desta vez, Clement falou a favor da lei DOMA, que limita conceitualmente o casamento apenas como a união civil entre pessoas do sexo oposto. O veterano foi contratado pela Assessoria Bipartidária de Assuntos Jurídicos da Câmara dos Representantes, comandada atualmente pela maioria republicana, tão logo o governo federal anunciou que não se pronunciaria sobre o caso. Inicialmente os honorários do advogado foram estabelecidos em US$ 500 mil, sendo renegociados, mais tarde, em 1,5 milhão.

Clement é conhecido pela confiança com que se apresenta aos nove membros do alto tribunal e por falar de improviso, sem se amparar em anotações. Um breve perfil publicado pelo tabloide semanal de assuntos da Justiça, The National Law Journal, o descreveu desta forma por ocasião de sua aguardada performance na quarta-feira: “Clement pode desviar de praticamente todas as pedras e flechas atiradas e disparadas contra ele, mesmo aquelas lançadas por Antonin Scalia, com quem já chegou a trabalhar como assessor”.

Porém, o jogo foi duro para Clement na quarta-feira, quando protagonizou o momento considerado mais tenso e dramático nos dois dias de sustentações orais. A juíza Elena Kagan questionou a conclusão do advogado de que a intenção do Congresso Federal americano ao promulgar a lei DOMA era a de uniformizar a legislação sobre casamentos e uniões civis, quando, em 1996, diversos estados formulavam uma verdadeira colcha de retalhos de leis, ora proibindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ora o autorizando.

“Dr. Clement, historicamente, a única forma de uniformização que o Congresso pretendia abordar ao formular a lei era deixar claro quais tipos de casamento poderiam ser reconhecidos perante o Estado”, disse Kagan. "Isso sugere que o Congresso podia ter algo diferente em mente, além da preocupação com a uniformização”, disse a juíza.

Kagan citou ainda o relatório da própria Câmara dos Representantes sobre a lei. “O Congresso decidiu reiterar e honrar o juízo moral coletivo e expressar, assim, sua desaprovação em relação ao comportamento homossexual”, disse Kagan, citando um trecho do relatório.

“O relatório afirma isso? Pode ser que sim. Isso seria suficiente para invalidar o diploma legal. Porém, em termos práticos, esta nunca foi a abordagem e o propósito da lei”, questionou Paul Clement, sem se dar por vencido.

Acadêmica
Do mesmo lado, mas com um perfil distinto de Paul Clement, esteve a “estreante” Vicki Jackson. Além de ser sua primeira apresentação frente aos juízes da Suprema Corte, Jackson tem uma atuação quase que essencialmente acadêmica, como professora da Escola de Direito de Harvard. Foi, porém, justamente o perfil como scholar que pesou em sua escolha.

Ela falou em favor da lei federal, representando a Assessoria Bipartidária de Assuntos Jurídicos da Câmara de Representantes. Sua missão era convencer os juízes de que a Suprema Corte não tem, ainda, jurisdição sobre o caso. Vicki Jackson assessorou o juiz da Suprema Corte Thurgood Marshall, em 1970, primeiro afro-americano a ocupar um assento no tribunal e expoente na luta pelos direitos civis dos negros nos anos 1960.

“Não há aqui caso que se justifique perante essa Suprema Corte”, disse Jackson na quarta-feira. “O impetrante, os Estados Unidos da América, não pede a este tribunal para corrigir as ofensas aqui afirmadas. A Assessoria Bipartidária de Assuntos Jurídicos da Câmara de Representantes também não reconhece qualquer incorreção na lei”, disse ao insistir para que os juízes não se pronunciem sobre a questão do casamento gay até que se deparem com um caso que legitime, de fato, seu decisão.

Do lado oposto, a sócia da banca Paul, Weiss, Rifkind, Wharton & Garrison, a advogada Roberta Kaplan, argumentou contra a lei. Kaplan representa a célebre Edith Windsor, que não teve seus direitos de cônjuge reconhecidos pelo Estado quando perdeu, em 2009, sua parceira de 40 anos de vida em comum. O caso de Windsor tornou-se o paradigma da discussão sobre casamento gay nos EUA. Depois de não conseguir o apoio de organizações que militam a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo, Windsor contratou Kaplan, conhecida por sua atuação em casos envolvendo crimes de colarinho branco e que se tornou famosa por militar a favor da igualdade de direitos para os homosssexuais.

Ainda na terça-feira, coube ao sócio da megabanca Gibson, Dunn & Crutcher, Theodore Olson, argumentar contra a lei californiana que proíbe casamentos entre pessoas do mesmo sexo no estado. Ele entrou no caso pelas mãos do ator e cineasta Rob Reiner, que insistiu para que ele assumisse a causa.

O fato curioso é que Olson foi procurador-geral dos Estados Unidos justamente durante o primeiro mandato do governo do presidente George W. Bush. Até então, o advogado era conhecido por defender causas conservadoras e pró-negócios. Sua “mudança de lado” é um dos principais trunfos do lado que se opõe a ambas as leis e milita a favor dos direitos de casais homoafetivos.

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