A Toda Prova

ADPF pode evitar ou reparar dano a preceito fundamental

Autor

  • Aldo de Campos Costa

    é procurador da República. Foi advogado professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça assessor especial do Ministro da Justiça e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.

27 de março de 2013, 14h08

A ADPF é cabível para impugnar a constitucionalidade de ato normativo municipal (prova objetiva seletiva do Concurso Público destinado ao provimento de cargo de Classe Inicial da carreira de Procurador do Município de João Pessoa).

Spacca
A ADPF tem por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de atos normativos ou não: a) de efeitos concretos ou singulares, incluindo decisões judiciais (STF ADPF 101); b) pré-constitucionais[1]; c) já revogados (STF ADPF 33). Os provimentos judiciais transitados em julgado, com teor já executado e objeto completamente exaurido, escapam aos efeitos da decisão de procedência de ADPF proposta com o objetivo de evitar e reparar lesão resultante de uma multiplicidade de ações judiciais nos quais se têm interpretações e decisões divergentes sobre a matéria (STF ADPF 101)[2]. Qualifica-se igualmente como instrumento idôneo e apto a viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas na Constituição Federal, venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais destinatárias do comando inscrito no próprio texto constitucional (STF ADPF 45).

A admissibilidade de uma ADPF depende da interpretação que se dá ao conceito de preceito fundamental previsto no caput do art. 1º da Lei nº 9.882/99: 1ª) segundo uma interpretação extremada, preceito fundamental seria todo princípio, ou regra constitucional, dotado de essencialidade e, ainda, todo dispositivo constitucional conexo (STF ADPF-QO 1); 2ª) segundo uma interpretação ampla, preceito fundamental seria todo princípio, ou regra constitucional, que tenha um caráter de essencialidade no contexto da Constituição Federal; 3ª) segundo uma interpretação restritiva, preceito fundamental seria, tão somente, a regra constitucional com caráter fundamental (STF ADPF-MC 47).

Apesar da inexistência de um referencial conceitual ou doutrinário, os ministros do Supremo Tribunal Federal já reconheceram — monocraticamente ou não — como preceitos fundamentais: a dignidade humana, a legalidade e autonomia da vontade e o direito à saúde (STF ADPF-QO 54) e a legalidade administrativa, a moralidade administrativa, o federalismo e a separação de poderes (STF ADPF-MC 79); a vedação de vincular o salário mínimo como base de reajustes (STF ADPF-MC 95); a vedação de transferência de recursos para pagamento de despesas de pessoal pelos entes federados, a eficiência pública e a repartição dos tributos entre os entes federados (STF ADPF-MC 114); a não obrigatoriedade de permanecer ou ingressar em associações (STF ADPF 126); a democracia, a liberdade de expressão, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, a liberdade do exercício do trabalho e o direito de acesso à informação e resguardo da fonte (STF ADPF-MC 130).

A ADPF é um instrumento bivalente, ora revestindo-se de caráter processual autônomo (arguição autônoma), cabível para “evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público” que não o veto do chefe do Poder Executivo a projeto de lei (STF ADPF-QO 1); o enunciado de súmula persuasiva (STF AgR-ADPF 80); a proposta de emenda constitucional (STF AgR-ADPF 43); a lei orçamentária de eficácia exaurida (STF ADPF 49); o enunciado de súmula vinculante (STF ADPF 128); o ato regulamentar que produz ofensa reflexa ao texto constitucional (STF ADPF 55); ora equivalendo-se a um incidente processual de inconstitucionalidade (arguição incidental), cabível “quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição”[3], hipótese em que um dos legitimados ativos apresenta ao Supremo Tribunal Federal uma relevante controvérsia constitucional já ajuizada no âmbito do controle concreto de constitucionalidade de modo a cindir a questão constitucional das demais suscitadas pelas partes no processo originário e, com isso, antecipar o pronunciamento do tema, toda vez que o considera revestido de relevância geral[4].

É viável a propositura da ADPF na forma preventiva. Isso não significa que o direito brasileiro tenha criado instrumento de controle abstrato a ser utilizado em momento anterior à conclusão do ciclo de formação do ato impugnado. A arguição deve recair sobre ato do Poder Público pronto e acabado, não mais suscetível de alterações materiais, o que não se dá com a proposta de emenda à Constituição em processo de elaboração, cujo texto original ainda pode ser modificado (STF AgR-ADPF 43).

Não será admitida a ADPF, havendo outro meio para impugnar o ato, de forma ampla, geral e imediata. Para a corrente ampliativa, essa cláusula de subsidiariedade, prevista no parágrafo 1º do artigo 4º da Lei nº 9.882/99 compreende a ineficácia de quaisquer dos mecanismos processuais existentes no ordenamento jurídico (STF ADPF-QO 3). Para a corrente restritiva, a cláusula de subsidiariedade compreende apenas a ineficácia das ações do controle concentrado (ADI e ADC) (STF ADPF 114).

Ressalte-se, contudo, que a mera possibilidade de utilização de outros meios processuais não basta, só por si, para justificar a invocação do princípio da subsidiariedade para o ajuizamento da ADPF, pois, para que esse postulado possa incidir, revela-se essencial que os instrumentos disponíveis mostrem-se capazes de neutralizar, de maneira eficaz, a situação de lesividade que se busca obstar com o ajuizamento desse writ constitucional (STF AgR-ADPF 17). A existência de processos ordinários e recursos extraordinários também não deve excluir, “a priori”, a utilização da ADPF, em virtude da feição marcadamente objetiva desta ação (STF ADPF 33).

Já a possibilidade de instauração, no âmbito do Estado-membro, de processo objetivo de fiscalização normativa abstrata de lei municipal contestada em face da Constituição Estadual torna inadmissível, por efeito da incidência do princípio da subsidiariedade o acesso imediato à ADPF (STF ADPF-MC 100).


[1] Se a norma pré-constitucional já era inconstitucional no regime anterior e existe um precedente do STF que reconhece essa inconstitucionalidade, nesse caso não cabe ADPF, mas reclamação (STF ADPF 53). Cf. a seguinte assertiva, considerada correta pelo gabarito definitivo da prova objetiva seletiva do Concurso Público de Provas e Títulos para formação de Cadastro de Reserva visando ao provimento de cargos de Defensor Público do Estado de São Paulo (2009): “Com o advento da Lei no 9.882/99, que regulamenta a ADPF, está admitido o exame da legitimidade do direito pré-constitucional em face da norma constitucional superveniente”.
[2] A discussão sobre o cabimento de ADPF para declarar a constitucionalidade de normas já revogadas ou de eficácia exaurida ainda não se encontra pacificada no Supremo Tribunal Federal. A questão deverá ser apreciada por ocasião da retomada do julgamento da ADPF 77 MC/DF.
[3] Embora a possibilidade de se propor ADPF para evitar lesão a preceito fundamental só tenha sido evidenciada no dispositivo que cuida da arguição autônoma, também caberá ADPF incidental quando o processo a partir do qual se suscitar o incidente tiver por alvo o ataque preventivo a algum ato normativo editado pelo Poder Público.
[4] Cf. a seguinte assertiva, considerada errada pelo gabarito definitivo da prova objetiva seletiva do concurso público para provimento de cargos vagos no cargo de Advogado da União de 2ª Categoria (2012): “Ao contrário da ADC, a ADPF não exige a demonstração de controvérsia judicial relevante”.

 

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