Processo kafkiano

Inglaterra aprova lei que amplia julgamentos secretos

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27 de março de 2013, 16h40

Na obra O Processo, Franz Kafka narra a angústia do personagem Jospeh K. que, obrigado a comparecer a audiências judiciais que não entende, passa todo o tempo da narrativa tentando descobrir do que é acusado e por quem. A ficção agora pode se tornar realidade, a depender de uma lei aprovada nesta terça-feira (27/3) pelo Parlamento britânico. 

Os parlamentares deram sinal verde para que os tribunais cíveis façam sessões secretas sempre que o governo alegar que a segurança nacional está em risco. Nesses julgamentos secretos, poderão participar só juiz e governo. As partes e seus advogados ficam do lado de fora do Plenário. Não têm acesso ao que está sendo discutido lá nem antes, nem durante e nem depois. Os trechos da decisão que foram baseados em informações secretas também não serão disponibilizados para os envolvidos. Ou seja, um cidadão acusado pode não ficar sabendo se e pelo que foi denunciado, senão apenas o veredicto.

A única proteção oferecida pela lei é a possibilidade de se nomear um representante, que deve ser escolhido de uma lista feita pelo governo. Esse representante não é o advogado da parte e está submetido ao sigilo. Ou seja, nada de leva-e-traz. Ele participa das sessões secretas para defender os interesses dos envolvidos, mas uma vez encerrado o julgamento, nada pode contar a seus representados.

O projeto foi aprovado pela House of Lords, o equivalente ao Senado brasileiro, na noite de terça-feira e frustrou a expectativa de toda a advocacia. Os advogados queriam que os lords aprovassem uma emenda que previsse a sessão secreta como último recurso. Pela proposta, o juiz só aceitaria expulsar as partes do tribunal e fechar as portas quando ficasse comprovado que o julgamento só poderia ser concluído sem a leitura de informação ultrassigilosa. Numa votação apertada, os lords rejeitaram a emenda e aprovaram o projeto do jeito que o governo queria. O texto, que já tinha sido chancelado pelos deputados, segue para assinatura da rainha Elizabeth II no início do maio, quando acaba o recesso de Páscoa na Inglaterra. Ainda não se sabe quando entra em vigor.

Os julgamentos secretos não são novidade na Inglaterra. Atualmente eles só acontecem em casos muito restritos que tratem de imigração e segurança nacional, em tribunais específicos para tratar do assunto. O que foi aprovado é a ampliação para a Justiça cível como um todo.

No último ano, o governo defendeu reiteradamente a necessidade de fazer sessões secretas em pedidos de indenização, por exemplo. Alegou que supostas vítimas de tortura pediam reparação e o poder público, para não revelar informações sensíveis, abria mão da defesa e optava por pagar a quantia pedida. O Ministério da Justiça argumentou também que outros países já ameaçavam interromper a troca de informações de inteligência nacional com a Inglaterra, por medo de esses dados sensíveis irem parar nas mãos de redes terroristas.

A aprovação do projeto foi uma derrota para a advocacia, que chegou a reunir a assinatura de 700 advogados contra a aprovação do projeto. A notícia também foi lamentada pela Anistia Internacional.

O ensaio
Na última semana, a Suprema Corte do Reino Unido fez a primeira sessão secreta da sua história. De portas fechadas, os juízes ouviram a leitura de um julgamento de primeira instância que manteve sanções impostas a um banco iraniano. Enquanto os advogados do governo participaram da sessão, os defensores do banco tiveram de aguardar do lado de fora do plenário. Clique aqui para ler mais.

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