Calotes em bancos

Esquema usa liminares para burlar crédito consignado

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26 de março de 2013, 15h34

A exploração de liminares tem possibilitado o calote a bancos que oferecem crédito consignado. Segundo as informações do jornal Valor Econômico, os principais alvos são convênios de empréstimo entre bancos e órgãos públicos — como Marinha, Aeronáutica, INSS, governos estaduais e prefeituras. O objetivo da manobra é liberar a folha de pagamento para empréstimos.

A operação começa com uma ação judicial, apresentada com a suposta intenção de questionar os juros cobrados ou a própria validade do contrato. Os advogados pedem liminar com o objetivo de suspender o desconto das parcelas da dívida na folha de pagamento e desbloquear a chamada "margem consignável" — percentual máximo do salário ou benefício, em geral de 30%, que pode ser destinado ao pagamento do empréstimo.

Com a concessão da liminar, o desconto é suspenso e novas dívidas podem ser contratadas pelo cliente sem impedimento no contracheque. Um novo empréstimo, então, é tomado em outro banco, no que já se tornou conhecido como "ciranda do consignado". Com o novo empréstimo formalizado e o dinheiro em conta, o cliente desiste da ação judicial.

A reportagem do Valor mostra que 20 instituições financeiras já sofreram prejuízos em pelo menos sete estados: Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul. A Associação Brasileira de Bancos (ABBC) informou que já identificou mais de 28 mil processos desse tipo em diferentes comarcas. O presidente da entidade Renato Oliva suspeita que uma ou várias quadrilhas estejam por trás do golpe.

A margem geral de inadimplência nos consignados no país é baixa em relação a outras modalidades de crédito, em torno de 4% a 5%. Segundo Oliva, 0,8% decorre desse tipo de fraude. A ABBC não soube estimar o tamanho do prejuízo. Mas somente em duas comarcas da Paraíba, liminares envolvendo um convênio da Marinha significaram R$ 18 milhões em contratos suspensos.

Esquema
Participam do esquema advogados, supostas associações de funcionários públicos e correspondentes bancários — os chamados "pastinhas", que oferecem o empréstimo consignado por indicação ou pela internet. Os valores dos empréstimos são divididos entre os participantes. Há casos em que 50% do valor do novo empréstimo se destina a pagar pela fraude.

A manobra, porém, só funciona com a concessão das liminares. Pedido de providências enviado pela seccional da Ordem dos Advogados do Brasil na Paraíba ao Ministério Público aponta que o município de Picuí (PB), com menos de 20 mil habitantes, recebeu mais de 5 mil ações revisionais de empréstimo consignado nos últimos dois anos. De janeiro a setembro de 2012, foram 4.433 ações só em Picuí, segundo o documento.

O pedido da OAB aponta que as liminares foram concedidas sem citar as instituições financeiras para que pudessem se defender no caso. Dessa forma, até que o banco tome conhecimento da existência do processo, os autores têm tempo para tomar novos empréstimos.

Em alguns exemplos citados no pedido de providências, o ofício enviado pelo juízo ao órgão pagador para "limpar" a folha, liberando a margem consignável, foi expedido antes mesmo da liminar. Em outros, isso teria ocorrido em um momento anterior à própria distribuição do processo.

No entanto, mesmo nos casos em que a liminar é derrubada, o advogado da ABBC Djalma Santos afirma que a dívida não é recuperada. Ele explica que o prejuízo já foi consumado, pois os servidores já contraíram empréstimos em outros bancos.

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