Emenda do Calote

Decisão sobre precatórios não encerra discussão

Autor

18 de março de 2013, 14h37

A decisão do Supremo Tribunal Federal de derrubar o regime especial de pagamento de precatórios, instituído pela Emenda Constitucional 62/2009, não encerrou a discussão sobre a quitação de débitos do poder público. Pelo contrário, ela está prestes a aumentar. De imediato, tanto credores quanto estados e municípios devedores não sabem como ficará a situação, a partir de agora, dos pagamentos acertados sob o regime previsto pela emenda. O questionamento foi aberto por procuradores do Pará e do município de São Paulo no julgamento da última quinta-feira (14/3) na corte.

De acordo com o ministro Luiz Fux, o Plenário do STF deverá voltar a discutir a modulação dos efeitos da decisão. Para isso, estados e municípios devem apresentar petições manifestando seus questionamentos e possíveis soluções. É preciso que oito ministros concordem com a modulação.

De acordo com a regra derrubada pelo Supremo, estados e municípios deveriam reservar de 1% a 2% de seus orçamentos para quitar as dívidas no prazo de até 15 anos. A norma também previa o pagamento mais rápido para credores que aceitassem, em leilões, receber um valor menor. Os tribunais eram responsáveis pela gestão dos precatórios.

Para garantir seu cumprimento, a emenda previa ainda sanções ao chefe do poder executivo. Caso os recursos não fossem liberados, o governante estaria sujeito à legislação de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa. O estado ou município devedor também poderia ficar sem poder contrair empréstimo ou impedido de receber transferências voluntárias da União.

O ministro Fux seguiu o entendimento do relator original da matéria, ministro Ayres Britto (aposentado). De acordo com seu voto, a emenda é inconstitucional porque desrespeita a duração razoável do processo. “É preciso que a criatividade dos nossos legisladores seja colocada em prática conforme a Constituição, de modo a erigir um regime regulatório de precatórios que resolva essa crônica problemática institucional brasileira sem, contudo, despejar nos ombros do cidadão o ônus de um descaso que nunca foi seu”, disse Fux. Seu voto foi seguido pela maioria dos ministros no Plenário: Rosa Weber, Cármen Lúcia, Celso de Mello e o presidente, Joaquim Barbosa.

O ministro Gilmar Mendes divergiu da tese vencedora. Para ele, a legislação representou um avanço, pois o modelo de cálculo de correção monetária em vigor até 2009 tornava impossível o pagamento das dívidas. Ele citou também que a emenda permitiu que muitos estados reduzissem seu estoque de precatórios. “A medida vem cumprindo essa função. Qual é o sentido de declarar sua inconstitucionalidade e retornar ao texto original? Para dizer que o caos é melhor que a ordem?”, disse o ministro. Acompanharam Gilmar Mendes os ministros Teori Zavascki e Dias Toffoli. Os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski votaram parcialmente pela procedência das ADIs que questionavam a emenda.

Repercussão
A decisão do Supremo foi comemorada pela Ordem dos Advogados do Brasil, autora de uma das ADIs, que a classificou de “vitória da cidadania”. Para o advogado Flavio Brando, presidente da comissão de precatórios do Conselho Federal da OAB, com a decisão, o Supremo “mostrou que o calote não funciona mais”. Entretanto, ele reconhece que será preciso discutir o que será feito com a quitação dos débitos a partir de agora e com o que já foi decidido até então.

Brando afirma que a grande vantagem da decisão é a possibilidade que foi aberta para se discutir novas alternativas para a quitação de dívidas do poder público. Para ele, o Congresso Nacional e a União deverão integrar o debate.

Entre as propostas defendidas pelo presidente da comissão da OAB está a federalização das dívidas. Uma ideia é que a União garanta o pagamento das dívidas dos estados e municípios por meio de títulos da dívida pública, que poderiam ser negociadas no mercado financeiro — se não quitarem suas dívidas, estados e municípios ficariam sujeitos à perda de repasses federais.

A proposta de federalização é defendida desde 2009, desde antes da aprovação da emenda, pelo advogado Roberto Ferrari de Ulhôa Cintra. Para ele, a União deve se responsabilizar por todo montante estimado em precatórios a serem pagos e sanear as dívidas. “É uma forma de colocar mais dinheiro em circulação e aquecer a economia”, justifica. Como exemplo, ele afirma que a quitação dos precatórios pelo governo federal vai promover o pagamento de dívidas dos consumidores junto aos bancos e o recolhimento de impostos em favor de todas as esferas de governo.

A decisão do Supremo, porém, surpreendeu o juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região Rogério Neiva. Para ele, o principal prejuízo com o fim do regime especial de pagamentos será a falta de comprometimento orçamentário para a quitação das dívidas. Neiva acompanhou a redação da proposta que culminou com a edição da EC 62/2009 e integrou a comissão do Conselho Nacional de Justiça que a regulamentou no âmbito do Judiciário, além de ter sido responsável pelo juízo de precatórios do TRT-10.

Neiva afirma que estados e municípios têm uma situação orçamentária muito precária para saldar suas dívidas imediatamente. Além disso, o juiz lamenta a provável inutilização dos sistemas que os tribunais implantaram, inclusive com a preparação de servidores, para gerir o pagamento dos precatórios.

“Com o regime especial, as coisas começaram a andar. Prefeitos de interior que não incluíam um centavo para o pagamento de precatórios passaram a comprometer receita”, exemplifica. “Agora, ou voltamos ao estado de paralisia anterior, sem comprometimento de receita, ou se diz que tudo deverá ser pago logo. Mas de onde vão tirar o dinheiro?”, questiona.

Para o procurador do estado do Pará José Aloysio Cavalcanti Campos, a decisão do Supremo afasta uma série de possibilidades de pagamento de precatórios como, por exemplo, os acordos, os leilões ou a preferência de pagamentos para maiores de 60 anos ou portadores de doenças graves. A emenda, diz ele, também era um mecanismo de pressão sobre os governantes e suas regras protegiam os credores. “A emenda trouxe vinculação, punição e responsabilidade. Isso gerou expectativa nas pessoas que sabem quando vai receber. Isso tudo acabou.”

Campos cita também que a regulamentação originária da Constituição, que voltará a vigorar com a queda da EC 62, não garante efetividade às ordens judiciais. “Com a emenda, todo governante tinha que se programar financeiramente sabendo que o pagamento de precatório deveria ser respeitado”, diz.

O procurador alerta para o risco de que credores preteridos em acordos durante a vigência da emenda ingressem com ações judiciais para receber os valores devidos — isso, porém, dependerá da modulação dos efeitos pelo STF. Um agravante dessa situação é que muitos estados e municípios estão em pleno exercício orçamentário de 2013. “Depois da declaração de inconstitucionalidade, os estados vão precisar rearrumar seus orçamentos, que já estão em execução”.

Flavio Brando concorda que muitos estados e municípios não têm condições financeiras de quitar suas dívidas, mas ele diz confiar que o Supremo não deixará que os pagamentos deixem de ser feitos. “Se eles [estados e municípios] partirem para um confronto desse tipo, nós, advogados, iremos ao STF. Não houve anistia.”

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!