Denúncia ineficaz

A Convenção 158 da OIT possui aplicabilidade imediata

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17 de março de 2013, 8h15

A questão que iremos debater ainda não se encontra pacificada. Maurício Godinho Delgado (2011 : p. 1058), inclusive, afirma:

"Sequer chegou a se tornar dominante, nos Tribunais do Trabalho, a tendência compreensiva de que, efetivamente, estivesse a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho produzindo repercussões jurídicas na ordem jurídica interna brasileira. Nesse quadro de incertezas quanto aos efeitos de tal relevante diploma internacional trabalhista, o Supremo Tribunal Federal, sem setembro de 1997 (pouco mais de um ano após o suposto início de vigência interna da Convenção, portanto), acolheu arguição de inconstitucionalidade da Convenção 158, por considerar não auto-executável a regra do artigo 7º, I, da Carta Magna, até que surgisse a lei complementar referida no preceito constitucional (preceito que teria dado suporte interno à Convenção Internacional ratificada). Sepultou a Corte Suprema, em consequência, qualquer possibilidade de eficácia jurídica ao diploma convencional no território do Brasil."

Com a devida vênia, entendemos que a Convenção 158 da OIT possui status de norma constitucional e, desde seu ingresso em nosso ordenamento jurídico, passa à categoria de direito fundamental do trabalhador, como iremos demonstrar no presente artigo.

A Convenção 158 da OIT preconiza que as dispensas por ato empresarial devam ser motivadas. Assim, elimina a possibilidade jurídica da denúncia vazia do contrato de trabalho pelo empregador.

Passaremos a analisar a questão, sem perder de vista de que, quando tratamos de uma norma de direito do trabalho, em verdade, estamos a falar de uma norma de direito humano e, porque a OIT somente produz normas de direitos humanos, elas devem ter aplicabilidade (eficácia) imediata. Assim:

"Ora, ao prescrever que “os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros direitos decorrentes dos tratados internacionais”, a contrario sensu, a Carta de 1988 está a incluir, no catálogo de direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Esse processo de inclusão implica a incorporação pelo Texto Constitucional de tais direitos.
Ao efetuar a incorporação, a Carta atribui aos direitos internacionais uma natureza especial e diferenciada, qual seja, a natureza de norma constitucional. Os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos de que o Brasil é parte integram, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados. Essa conclusão advém ainda de interpretação sistemática e teleológica do Texto, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar a compreensão do fenômeno constitucional.[1]"

Flávia Piovesan ensina que: "O Direito interno brasileiro tem como inspiração, paradigma e referência o Direito Internacional dos Direitos Humanos.[2]"

Entendemos que a Convenção é auto-aplicável, independentemente de regulamentação do artigo 7º, I, da Constituição Federal[3] ou da adoção de qualquer outra norma infraconstitucional, uma vez que, enquanto tratado internacional de direito humano, a sua incorporação ao direito positivo é imediata, conforme o que dispõe o artigo 5º, parágrafos 1º e 2º, da Constituição Federal[4]. Além disso, porque nos coadunamos com a teoria monista, a qual sustenta que os dois sistemas — interno e internacional — formam um sistema unitário, de forma que não há conflito entre o direito internacional e o direito estatal, mas sim ambos se completam. No mais, tem-se que:

"Com o advento do parágrafo 3º do artigo 5º surgem duas categorias de tratados internacionais de proteção de direitos humanos: a) os materialmente constitucionais; e b) os material e formalmente constitucionais. Frise-se: todos os tratados internacionais de direitos humanos são materialmente constitucionais, por força do parágrafo 2º do artigo 5°. Para além de serem materialmente constitucionais, poderão, a partir do parágrafo 3º do mesmo dispositivo, acrescer a qualidade de formalmente constitucionais, equiparando-se às emendas à Constituição, no âmbito formal. (…).
E a diversidade de regimes jurídicos atém-se à denúncia, que é o ato unilateral pelo qual um Estado se retira de um tratado. Enquanto os tratados materialmente constitucionais podem ser suscetíveis de denúncia, os tratados material e formalmente constitucionais, por sua vez, não podem ser denunciados.[5]"

Então, se para os tratados internacionais em geral, exige-se a intermediação do Poder Legislativo de ato com força de lei para outorgar-lhes vigência no plano do direito interno, o que ocorre no caso dos tratados internacionais de direitos humanos é diferente: consoante o artigo 5º, parágrafos 1º e 2º, da Constituição Federal, os direitos fundamentais neles garantidos são direta e imediatamente exigíveis no plano do ordenamento jurídico interno. Dessa forma, conclui-se que a Convenção 158 possui eficácia plena.

Além disso, ressalte-se que a denúncia (ato de desengajar o Brasil de um compromisso internacional internacionalmente assumido) apenas produziu efeitos internos com a publicação do Decreto 2.100, em 23 de novembro de 1996. No entanto, a Convenção só poderia ter sido denunciada até 22 de novembro de 1996. Acrescente-se a isso, contudo, que o ato isolado do então Presidente da República não tem eficácia, o que validaria o decreto que ratificou a Convenção em 2006, à luz do artigo 49, I, da Constituição Federal. Desta forma, a Convenção nunca deixou de vigorar no Brasil. Flávia Piovesan alerta-nos ainda que:

"Seria mais coerente aplicar ao ato da denúncia o mesmo procedimento aplicável ao ato de ratificação. Isto é, se para a ratificação é necessário um ato complexo, fruto da conjugação de vontades do Executivo e Legislativo, para o ato de denúncia também este deveria ser o procedimento. Propõe-se aqui a necessidade do requisito de prévia autorização pelo Legislativo de ato de denúncia de determinado tratado internacional pelo Executivo, o que democratizaria o processo, como assinala o Direito comparado.[6]"

Portanto, a Convenção 158 não conflita com o que preceitua o artigo 7º, I, da Constituição Federal, que depende de lei complementar, já que no caso de conflito de norma nacional com internacional, prevalece a mais favorável ao trabalhador, e, ainda, enquanto tratado internacional de direito humano, sua incorporação ao direito positivo se processa de modo imediato, conforme a regra contida no artigo 5º, parágrafos 1º e 2º, da Constituição Federal.

Assim, conclui-se:
A Convenção 158 da OIT versa sobre a mesma matéria constante do artigo 7º, I, da Constituição Federal e, como foi ratificada pelo Brasil, está vigente e possui aplicabilidade imediata. A sua denúncia foi ineficaz. Ademais, trata-se de norma de direito fundamental, pois a OIT só produz normas de direitos humanos, que têm eficácia imediata.

A dispensa arbitrária, imotivada ou sem justa causa é vedada no nosso ordenamento jurídico, conforme o disposto no artigo 7º, I, da Constituição Federal, apesar da ausência de lei complementar até o momento. Porém, segundo a Convenção 158 da OIT, podem o comportamento e o desempenho profissional do trabalhador ou os justificados motivos de natureza econômica ou tecnológica da empresa motivar o término da relação de emprego por iniciativa do empregador.

Referências:

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 10ª edição. São Paulo: LTr, 2011.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011.

[1] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 104.

[2] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 151.

[3] CF, art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.

[4] CF, art. 5º.

§ 1º – As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

[5] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 132.

[6] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 133/134.

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