Sem consumo

Transporte de cargas se submete a pacto internacional

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16 de março de 2013, 9h57

Ainda há divergências entre os especialistas sobre quais regras devem ser aplicadas para o transporte aéreo internacional de cargas — se o Código brasileiro de Defesa do Consumidor ou a Convenção de Montreal. Uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça reacendeu a discussão. 

No julgamento da disputa entre a transportadora americana UPS e o Unibanco AIG Seguros S/A, o ministro Antônio Carlos Ferreira, da 4ª Turma do STJ, defendeu a validade de parte das regras da Convenção de Montreal — antiga Convenção de Varsóvia — para os casos de transporte de cargas sem relação de consumo caracterizada.

A ação teve origem depois que o Unibanco AIG reclamou de avarias em gabinetes de HD de computadores transportados pela UPS (United Parcel Service CO) em parceria com a intermediária Bax Global do Brasil até o Aeroporto de Viracopos, em Campinas, em 2002. A companhia estrangeira, contudo, afirmou que os danos nos produtos são de responsabilidade da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), que teria empilhado mal as caixas com os objetos.

Na ação regressiva de ressarcimento ajuizada, o Unibanco AIG Seguros S/A pediu R$ 901.987,83 como reembolso. O processo foi distribuído para a 26ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo em julho de 2004, e o pedido de ressarcimento, acolhido integralmente em primeira instância em 2005.

Em 2007, no julgamento da Apelação das duas transportadoras, a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo aceitou o recurso para aplicar a indenização tarifada nos limites estabelecidos pela Convenção de Varsóvia. 

O Agravo de Instrumento foi analisado no STJ pelo ministro Aldir Passarinho Júnior (aposentado) em março de 2011. Segundo o relator, em viagens nacionais ou internacionais, o transportador aéreo é responsável pelo dano ou extravio de bagagem, como define o Código de Defesa do Consumidor. “Fica, portanto, afastada a incidência da Convenção de Varsóvia e, por via de consequência, a indenização tarifada”, votou o ministro.

Já o Recurso Especial da UPS, que apontava divergência jurisprudencial sobre a admissibilidade e o prazo prescricional da queixa, foi negado pelo ministro Antônio Carlos Ferreira em fevereiro deste ano. Em decisão sobre os prazos legais para ajuizamento da ação, o relator entendeu que não houve prescrição, mesmo que aplicado o limite de dois anos fixado pelo artigo 29 da Convenção de Montreal. O Recurso Especial da seguradora ainda será analisado pelo STJ.

Aplicação das regras
Para o advogado da UPS, Antonio de Pádua Soubhie Nogueira, é importante destacar que a Convenção de Montreal foi levada em consideração pelo ministro. De acordo com ele, que é sócio do escritório Ávila, Nogueira e Miguel Neto Advogados, o respeito ao acordo internacional moraliza o país frente aos vizinhos, já que o artigo 178 da Constituição Federal consolida o princípio da reciprocidade nas relações diplomáticas entre o Brasil e outras nações.

Segundo o advogado, doutorando em Direito Civil pela USP, por muito tempo o STJ havia manifestado que o tratado de Montreal, embora reconhecido pelo governo federal, não se aplicava ao Direito brasileiro, seja pela prevalência do CDC ou pela aplicação da indenização ampla.

Já o advogado do Unibanco AIG Seguros S/A, Marcio Roberto Gotas Moreira, diz que a recente decisão do tribunal não contraria as sentenças anteriores. “O STJ mantém sua linha de garantir a ampla reparação de danos nos casos de processos envolvendo avarias ou extravio de mercadorias.”

Segundo ele, que é sócio do escritório Machado, Cremoneze, Lima e Gotas Advogados Associados, a norma de indenização tarifada da Convenção de Montreal se aplica apenas em casos de acidentes aéreos. “Nesses casos, o ressarcimento integral poderia levar as empresas à falência”, argumenta.

Na opinião da advogada Maria Stella Gregori, especialista em Direito do Consumidor, o CDC deve regular as relações de consumo no Brasil e a efetiva reparação de danos patrimoniais e morais é um direito básico previsto no Código. Ela explica que a pessoa jurídica também pode ser classificada como consumidora.

Segundo ela, há três correntes mais fortes de entendimento para caracterizar esse tipo de relação. A maximalista defende que o CDC é um código geral de consumo. A finalista exclui o uso do CDC nos casos em que o produto comprado será usado em uma cadeia de produção. “Outra interpretação é que se uma empresa consome um bem tipicamente de consumo, mas serve à cadeia de produção, ainda se aplica o Código”, explica a advogada, que também é professora de Direito do Consumidor da PUC-SP.

Convenção de Varsóvia
Com a expansão das rotas aéreas, em 1929, foi definida uma legislação internacional aeronáutica pela Convenção de Varsóvia. O tratado foi ratificado pelo Brasil por meio do Decreto 20.704, de 24 de novembro de 1931. Segundo os textos, foi estipulado um regime que limita a responsabilidade e os efeitos de indenização do transportador aéreo.

Várias emendas foram feitas à Convenção nas décadas seguintes e, em 28 de maio de 1999, o tratado de Montreal atualizou as propostas em um só texto. No Brasil, o governo federal reconheceu a nova Convenção com o Decreto 5.910/2006.

No âmbito nacional, a responsabilidade civil pelos danos em transporte aéreo era regulada pelo Código Civil, por força do artigo 84 do Decreto 16.983/1925, que aprovou o primeiro Regulamento para os Serviços Civis de Navegação Aérea.

Mais tarde surgiu o Código Brasileiro do Ar, de 1938 (Decreto-Lei 483/1938), seguido pelo novo Código Brasileiro do Ar, de 1967 (Decreto-Lei 32/1966). Por fim, foi elaborado o  Código Brasileiro de Aeronáutica, de 1986 (Lei 7.565/1986), que tem disciplina similar à da Convenção de Varsóvia, com responsabilidade restrita.

No artigo Responsabilidade Civil do Transporte Aéreo nas Relações de Consumo, a professora Maria Stella Gregori defende que a contratação de transporte aéreo que configura relação de consumo firmada no Brasil é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990.

Clique aqui para ler a decisão monocrática.

REsp 1.156.735

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