Conflito de interesses

Mulher-assessora de ministro indicava clientes a bancas

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16 de março de 2013, 16h00

Um acordo para encerrar um caso de erro médico que chegou à Suprema Corte da Pensilvânia, nos Estados Unidos, rendeu à advogada Lise Rapaport uma comissão de US$ 821,5 mil, paga por uma firma de advocacia à qual ela indicou à parte ganhadora. Isso seria uma prática normal no estaddo, se a advogada não fosse mulher e assessora-chefe do ministro Seamus McCaffery, da mesma Suprema Corte.

A descoberta levou o jornal Philadelphia Inquirer a investigar o caso. Descobriu que, nos últimos dez anos, a mulher-assessora do ministro recebeu 18 comissões por conectar clientes com escritórios de advocacia que atuam na Suprema Corte. Segundo o jornal, o ministro McCaffery votou em 11 casos em que firmas de advocacia, que receberam recomendações de sua mulher, representavam uma das partes. Em oito casos, o ministro votou a favor dessas firmas.

Em nenhum momento, ele divulgou as negociações de sua mulher com as firmas, nem se declarou impedido de participar dos julgamentos. O advogado do casal Dion Rassias, declarou que seus clientes não fizeram nada de errado ou ilegítimo. "Os clientes a procuram porque ela tem uma excelente reputação, desde o tempo que exercia a advocacia, e tem uma personalidade magnética", ele disse.

Mas o presidente da Suprema Corte do estado, Ronald Castille, vê uma possível violação à ética judicial. Castille também se zangou com o fato de uma assessora-chefe do tribunal exercer funções de advogado, durante o exercício do cargo, sem autorização expressa da Corte.

"Isso levanta problemas de conflito de interesses e cria a aparência de atividades inapropriadas exercidas por uma funcionária da câmara judicial da Corte", ele declarou. Por isso, os dois ministros vivem às turras agora, diz o jornal.

Pagamento de comissões por indicações de clientes é uma prática comum na Pensilvânia, segundo apurou o jornal. Em casos de acordo ou de indenizações obtidas em procedimento judicial, a firma de advocacia retém um terço do valor estipulado para a causa. E o advogado que indicou o cliente recebe um terço desses honorários de contingência da firma. Isto é, um terço de um terço do valor apurado na ação.

Não há exigência, na Pensilvânia, de que o advogado que indica o cliente faça qualquer trabalho no caso. E, para a advogada, as indicações são muito rentáveis, em comparação com os salários que ela e o marido-ministro recebem anualmente. Ela ganha US$ 75.395 por ano (US$ 6.282 por mês). O marido-ministro ganha US$ 195.309 por ano (US$ 16.275 por mês). Feita a conta, a comissão de mais de US$ 821 mil equivale a quase 11 anos de salários da servidora do tribunal.

As regras judiciais do estado não requerem, especificamente, que ministros da Suprema Corte comuniquem que um membro da família recebeu comissão por indicar clientes às firmas com interesses no tribunal. O Código de Conduta Judicial esclarece que o fato de um(a) juiz ou juíza ter um cônjuge em uma firma de advocacia não o(a) desqualifica, por si mesmo de participação em um julgamento. Porém, o código recomenda que "os juízes, em geral, devem considerar uma declaração de impedimento, quando sua imparcialidade possa ser razoavelmente questionada".

O jornal ouviu cinco professores de Direito, todos especializados em ética judicial, sobre a questão. Três deles declararam que o ministro deveria ter divulgado o recebimento de dinheiro das firmas por sua mulher-assessora e deveria ter se declarado impedido. Um deles discordou inteiramente e outro discordou em parte: não precisava divulgar o rendimento, mas deveria se declarar impedido.

Castille e McCaffery discordam sobre a tese de que fazer indicações significa praticar advocacia. O advogado de McCaffery declarou, em nome do casal, que não. Se a resposta fosse "sim", a mulher estaria praticando advocacia de dentro da Suprema Corte, sem autorização do tribunal e sem o seguro contra má prática, que é exigido dos advogados. Os cinco especialistas consultados pelo jornal dizem, unanimemente, que "sim": encaminhar clientes para uma firma e receber comissão é prática da advocacia.

Interessantemente, em nenhum momento a questão é discutida sobre a óptica do nepotismo. Há um preocupação, sempre evidente, com a necessidade de os juízes divulgarem o fato de terem cônjuges advogados trabalhando para firmas com casos em seus tribunais. E, consequentemente, declarar seu impedimento em casos específicos.

Em novembro, a Suprema Corte do estado criticou duramente o juiz Allan Tereshko, que deixou de informar que sua mulher, uma advogada, trabalhava para uma firma que defendia uma companhia de seguros em uma ação que corria em seu tribunal. Alguns ministros da Suprema Corte da Filadélfia defenderam – e conseguiram – a transferência do juiz para um tribunal criminal juvenil. Entre eles, estava o ministro McCaffery.

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