Liberdades individuais

Americanos rejeitam interferência em hábitos de consumo

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13 de março de 2013, 13h51

A autodestruição é um direito inalienável do cidadão? As liberdades individuais estão acima da obrigação do poder público de cuidar da saúde pública? Se as pessoas querem consumir muito refrigerante com alto teor de açúcar e ficarem obesas, isso é um problema só delas e o "estado-babá" deve se calar? Essas perguntas estão azedando as discussões entre cientistas, empresários e juristas, nos EUA, de acordo com a CNN e a Time.

A comunidade científica já estava comemorando uma "regra" da prefeitura de Nova York, que deveria ter entrado em vigor na terça-feira (12/3), considerada uma pequena medida em favor da saúde pública: proibir a venda de refrigerantes com mais de 16 onças (0,47 litro) em restaurantes, lanchonetes, cinemas, estádios e carrocinhas de rua. A proibição sequer atingia as lojas de conveniência (como as da 7-Eleven) e supermercados. As empresas atingidas já haviam adquirido copos pequenos para se adaptar à nova regra.

Porém, a indústria de refrigerantes entrou na Justiça contra a medida. Horas antes de ela entrar em vigor, o ministro Milton Tingling da Suprema Corte de Nova York invalidou a proibição. "É uma medida arbitrária e caprichosa", ele escreveu. A maioria da população nova-iorquina aplaudiu, a indústria agradeceu.

Para o desespero da comunidade científica, prevaleceu no tribunal a tese da indústria de refrigerantes de que o "estado-babá" (nanny state) enlouqueceu. Afrontou as liberdades individuais, que garantem aos indivíduos o direito de fazer suas próprias escolhas, não proibiu o consumo de outras bebidas com alto teor de açúcar (como o apreciado caffe latte), abriu exceções para lojas de conveniência e outros estabelecimentos e, sobretudo, não provou que os refrigerantes são responsáveis pela alta taxa de obesidade ou de excesso de peso da população.

O último argumento foi o primeiro a ser ridicularizado pelos defensores da medida. O diretor do Instituto O’Neill para a Lei da Saúde Nacional e Global, Lawrence Gostin, achou engraçada essa alegação, conforme escreveu em artigo para a CNN: "Quando o governo propõe uma lei que zera a alíquota do imposto de renda das grandes corporações, com o argumento de que isso vai criar empregos, não tem de provar nada. Mas quando propõe uma lei contra o consumo de bebidas com alto teor de açúcar, contra o consumo de cigarros, de bebidas alcoólicas por motoristas ou de qualquer substância que faz mal a saúde, tem de provar que isso é verdade".

O argumento de que a medida excluiu outras bebidas com alto teor de açúcar e alguns estabelecimentos da obrigatoriedade de acatá-la, que justificou a classificação de "regra arbitrária e caprichosa" pelo ministro da Suprema Corte, é explicado pela comunidade científica como uma intenção de dar um primeiro passo em uma jornada mais longa: a de melhorar a saúde pública no país, uma coisa de cada vez.

A comunidade jurídica vê a questão sob esse ponto de vista, o da saúde pública. Os Estados Unidos têm a mais alta taxa de obesidade do mundo. Em Nova York, que não é o pior caso dos EUA, "seis em cada dez americanos são classificados como obesos ou com excesso de peso", diz o diretor do Instituto O’Neill. Mississipi, o estado com a maior taxa de obesidade dos EUA, segundo o diretor, já anunciou que vai passar uma legislação proibindo proibir o consumo de refrigerantes.

A indústria de refrigerantes vê a questão sob o ponto de vista econômico. Se a "regra" entrasse em vigor em Nova York, iria inspirar a adoção de medidas semelhantes em todos os estados e, certamente, teria repercussão em muitos países. Por isso, a indústria, unida, fez uma grande campanha publicitária — multimilionária, segundo o artigo no site da CNN — contra a medida e ganhou a adesão da maioria da população nova-iorquina, ávida por se proteger contra interferências em suas vidas do estado-babá.

Provavelmente, o estado tem razões para se preocupar, porque a obesidade é um dos fatores preponderantes de risco de diabetes, câncer e doenças do coração. "A chamada guerra ao açúcar não é uma guerra cultural. É um imperativo de saúde pública, com suporte científico", diz Lawrence Gostin. E também há o problema econômico. Um excesso de pessoas doentes causa uma sobrecarga em todo o sistema de saúde do estado.

A questão é se o estado deve ou não agir, para conter os males que certas substâncias contidas em alimentos, refrigerantes, bebidas alcoólicas e cigarros, entre outros produtos, causam à saúde da população, através de leis. A maioria da população americana ainda acha que "isso é um assalto às liberdades individuais".

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