Responsabilidade do empregador

Trabalhadora humilhada por prostitutas será indenizada

Autor

11 de março de 2013, 16h37

Uma empresa não deve admitir a existência de ofensas à integridade psíquica de seus empregados no ambiente de trabalho, pois o funcionário acaba por se submeter às humilhações, uma vez que depende do emprego. Foi com esta linha de entendimento que a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul reformou, no último dia 20 de fevereiro, sentença para condenar as Casas Bahia ao pagamento de R$ 15 mil em indenização por danos morais. Cabe recurso.

Em reclamatória trabalhista, a autora da ação alegou ter sido desrespeitada e ameaçada de demissão por garotas de programa que iam até uma loja da empresa em Canoas (RS) para retirar mercadorias ou dinheiro em espécie e diziam contar com a autorização do próprio dono das Casas Bahia, o empresário Samuel Klein. Os "vales" e "bilhetes" atribuídos a Klein foram anexados aos autos.

O relator dos recursos contra a sentença na corte trabalhista, desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, afirmou que a situação evidencia total desrespeito do proprietário da empresa em relação a seus empregados. Para o desembargador, o dono do empreendimento não pode constranger seus funcionários com a presença de garotas de programa no ambiente de trabalho, que realizavam a cobrança pelos "serviços prestados".

Para o relator, não há justificativa para a conduta do empresário, que deveria preservar a saúde física e mental de funcionários, rechaçando toda e qualquer atitude ofensiva no ambiente de trabalho. "Ultrapassou o Sr. Samuel todos os limites do razoável e dom bom senso, envolvendo desnecessariamente seus empregados em questões pessoais, as quais poderia ter resolvido particularmente", escreveu.

Para esclarecer seu entendimento sobre o caso, o desembargador listou outros processos nos quais ficou comprovado o comparecimento de garotas de programa para cobrar pelos trabalhos prestados em favor do proprietário da rede de lojas. Em um deles (processo 0000821-53.2010.5.04.0022), uma testemunha declarou que, em algumas oportunidades, recebeu ligações da presidência "pedindo para que fossem separados valores para pagamento de ‘ajuda escolar’ e que ‘meninas/garotas’ passavam para receber; que essas moças costumavam estar sempre com muita pressa e que era comum ameaçassem a dispensa do subgerente".

O caso
Contratada na função de analista de crédito na filial das Casas Bahia em Canoas, a autora foi demitida sem justa causa após quase cinco anos de trabalho. No processo, a ex-funcionária relatou ter se sentido humilhada por ter de entregar dinheiro a mulheres desconhecidas, mediante ameaça de demissão e que portavam bilhetes atribuídos ao proprietário da empresa.

Segundo a autora, as mulheres faziam questão de dizer que valores eram superiores ao que ela receberia após meses de trabalho. Durante as primeiras visitas, a analista de crédito conta que procurou a administração da loja para esclarecer a situação e foi informada de que deveria entregar os valores solicitados, pois tratavam-se de "amigas do sr. Samuel".

Antes de ser demitida, em novembro de 2009, a trabalhadora conta ainda que a gerente distribuiu uma mensagem que dizia que ela deveria ser demitida. Dizia que a funcionária fazia "corpo mole", tinha problemas com colegas e superiores e não seguia as determinações da empresa — por não ter aceito a proposta da chefia de gozar 20 dias de férias. Como reparação pelos abalos sofridos, pediu indenização não inferior a 200 salários-mínimos.

"Mero dissabor"
Na 2ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, o juiz Maurício Schmidt Bastos afirmou que a indenização por dano moral pressupõe prova de abalo na imagem do indivíduo, bem como diminuição do seu conceito moral junto a outras pessoas do seu circulo social ou, ainda, da sua autoestima. Entretanto, o juiz entendeu que isso não ficou demonstrado no caso da ex-funcionária das Casas Bahia.

Para ele, o fato de o proprietário autorizar pagamentos a terceiros não pode ser considerado como ato ilícito, muito menos gerador de dano moral. Além disso, as supostas ameaças de despedida e xingamentos não geram qualquer responsabilidade civil ou trabalhista ao empregador, pois partiram de terceiros, estranhos à relação contratual.

"Pode-se admitir algum desconforto com a presença de estranhos mal-educados (segundo as alegações existentes nos autos) não ligados ao trabalho, mas isso não implica, no entendimento deste juízo, dano moral. Trata-se de mero dissabor", concluiu o juiz, julgando improcedente o pedido, neste aspecto.

No TRT-RS, porém, a tese da 2ª Vara foi refutada pelo relator Alexandre Corrêa da Cruz. Para o desembargador, concluir que a prática relatada no processo não causa, necessariamente, dano moral, é considerar o empregado como mero instrumento da atividade empresarial e ignorar o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.

Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!