Proteção a empresas

Ações coletivas estão em via de extinção nos EUA

Autor

8 de março de 2013, 10h51

A vida dos escritórios de advocacia americanos que tornaram a promoção de ações coletivas em seu core business não está fácil. Mas pode piorar. Duas decisões tomadas pela Suprema Corte dos EUA em 2011 e uma lei aprovada em 2005 praticamente inviabilizaram ações coletivas movidas por consumidores e trabalhadores contra grandes corporações. Agora, a Suprema Corte vai decidir se um grupo de comerciantes pode processar coletivamente a operadora de cartões de crédito American Express. A resposta mais provável é "não", afirma o advogado e jornalista Michael Bobelian, que escreve sobre "a interseção da lei com os negócios" para a revista Forbes.

Os comerciantes pediram à corte, especificamente, que revogue uma cláusula de seus contratos que os proíbe de mover ação coletiva contra a "gigante dos cartões de crédito". A cláusula contratual esclarece que qualquer disputa entre o detentor do cartão de crédito e a American Express deve ser resolvida individualmente, por meio de arbitragem. O caso é de uma reclamação antitruste. Outra cláusula, a da confidencialidade, tecnicamente proíbe os comerciantes de discutir o contrato com terceiros, o que seria necessário para mover uma ação coletiva.

Os demandantes argumentam que os custos para entrar em disputas individuais com a operadora de cartão de crédito, mesmo que de arbitragem, são proibitivos. São necessários centenas de milhares de dólares para contratar advogados, pagar especialistas para fazer os cálculos complexos, típicos em casos de antitruste, e para cobrir as custas, sejam judiciais ou de arbitragem. Isso tornaria o caso ideal para uma ação coletiva, eles afirmam.

Contudo, na audiência inicial na Suprema Corte, nesta semana, marcada para que os advogados apresentassem suas alegações e fossem questionados, os ministros mostraram pouco ou nenhum entusiasmo pela causa, diz Bobelian. Em princípio, o caso dos comerciantes se assemelha a outro de 2011, quando os ministros estabeleceram que as cláusulas contratuais protegem as corporações contra ações coletivas de consumidores.

No caso de 2011 — AT&T Mobility versus Concepcion —, a Suprema corte decidiu por 5 votos a 4 — cinco votos dos ministros conservadores/republicanos contra quatro dos ministros liberais/democratas — que as corporações evitam ações coletivas quando estabelecem em seus contratos que toda disputa só pode ser resolvida em ação individual, por meio de arbitragem.

Os demandantes se queixaram que a AT&T não cumpriu a promessa de lhes dar um telefone celular gratuito mediante a contratação de seus serviços. Ganharam em primeira instância, no tribunal de recursos e na Suprema Corte da Califórnia. Mas perderam na Suprema Corte dos EUA. Individualmente, a causa seria de pouco mais de US$ 30 — coletivamente, alguns milhões.

O ministro Antonin Scalia, escrevendo pela maioria, disse que "requerer a disponibilidade de arbitragem, em ação coletiva, interfere com os atributos fundamentais da arbitragem". O ministro Stephen Breyer, escrevendo pela minoria, contra-atacou: "De onde a maioria tirou essa ideia de que uma ação individual, em vez da coletiva, é fundamental para a arbitragem? É o contrário. Sem ações coletivas, fraudes de pequena monta nunca serão remediadas. Quantos advogados no mundo têm condições de representar clientes em causas que sequer pagam uma hora de trabalho?", perguntou.

Essa decisão da Suprema Corte provocou uma rejeição em cascata de ações coletivas nos tribunais americanos. Só no restante do ano, 75 ações coletivas foram descartadas, de acordo com a "Public Citzen", uma organização de defesa do consumidor. Logo depois da decisão, a Microsoft, entre outras empresas, mudou seus acordos de serviço com consumidores, para incluir a cláusula da disputa individual, por arbitragem. Ações coletivas de consumidores ficaram, portanto, praticamente inviáveis. Ninguém vai mover individualmente uma ação de arbitramento por US$ 100. Mas 10 mil pessoas ou mais poderiam fazê-lo. Isso, no passado.

A decisão foi o maior prêmio para as grandes corporações nos últimos dois anos, diz o articulista da Forbes. O outro prêmio, quase no mesmo nível e também de 2011, foi a decisão da Suprema Corte em favor da WalMart, em uma ação coletiva por discriminação sexual. Também por 5 votos a 4 — e também seguindo a linha ideológica dos ministros —, a Suprema Corte decidiu que "o caso não poderia ser ajuizado como uma ação de natureza coletiva, porque as mulheres não tinham razões suficientes em comum para atuar como uma classe monolítica".

Em outras palavras, a maioria dos ministros entendeu que as funcionárias não poderiam apresentar uma acusação de discriminação sexual generalizada. Seria necessário, segundo os ministros, fazer as reclamações de casos idênticos, um por vez, descrever os danos, um por vez, e sempre os mesmos, apontar os responsáveis, um por vez, entre os 10 mil gerentes do WalMart. E apresentar as provas.

Os ministros sugeriram que ações sejam movidas por funcionárias de uma mesma loja, que sofreram o mesmo tipo de discriminação — que podem ser comprovadas —, praticada pelo mesmo gerente. Na prática, inviabilizaram ações coletivas por um grande número de empregados. A liga entre a demanda, os envolvidos e as provas precisa ser tão clara na ação coletiva que ela acaba tendo o mesmo arcabouço de uma ação individual.

Movimento pendular
Freios em ações coletivas começaram a ser colocados em 1995, nos EUA, com a "Lei da Reforma do Contencioso de Valores Mobiliários Privados" (Private Securities Litigation Reform Act). Mas o mais expressivo veio em 2005, no segundo mandato do ex-presidente Bush. Havia uma necessidade de conter o volume excessivo de ações coletivas, movidas nos tribunais estaduais contra as corporações. Assim, o Congresso aprovou a "Lei da Ação Coletiva Justa" (CAFA – Class Action Fairness Act).

Na verdade, havia um abuso da ação coletiva em massa em algumas jurisdições estaduais, onde os juízes não simpatizavam com as grandes corporações. Esse era o caso da jurisdição no Condado de Madison, em Illinois. Nessa área rural com apenas 259 mil habitantes, um juiz condenou a Philip Morris a pagar uma indenização de US$ 10,1 bilhões a fumantes. A decisão foi posteriormente anulada por um tribunal superior.

Essas jurisdições, apelidadas de "jurisdições ímã", atraíam milhares de demandantes, mobilizados em todos os estados, para participar de ações coletivas. O caso da Philip Morris finalmente justificou a necessidade de conter esse tipo de ação. No processo, essa necessidade se converteu em uma oportunidade para extinguir, de uma vez, a maioria das ações coletivas no país.

Com o apoio da Câmara de Comércio dos EUA e outras entidades, o Congresso de maioria republicana, à época, conseguiu introduzir no projeto de lei alguns dispositivos interessantes para as grandes corporações. O primeiro foi limitar a um mínimo o número de pessoas de outros estados que podem participar de uma ação coletiva em um determinado estado. O segundo foi limitar a jurisdição dos tribunais estaduais ao valor de US$ 5 milhões para uma ação coletiva. Acima desse valor, a ação coletiva passa automaticamente da esfera estadual para a esfera federal — que tem mais simpatia pelas grandes corporações.

A lei saiu melhor que a encomenda, mas apenas para as grandes corporações. Com o limite mínimo de US$ 5 milhões, advogados em vários estados começaram a ajuizar ações coletivas de até US$ 4.999,999,99, reduzindo o cálculo para esse valor mesmo quando poderia ser superior a US$ 5 milhões.

O último caso aconteceu em janeiro deste ano. Demandantes do Condado de Miller moveram uma ação coletiva contra a Stanford Fire Insurance Company alegando que essa companhia de seguro não reembolsa apropriadamente danos às propriedades. O valor poderia ser bem maior que US$ 5 milhões, mas foi ajustado para caber na jurisdição local.

Em seu artigo para a Forbes, o advogado Michael Bobelian escreve que esse é um caso típico de texto de lei que não corresponde ao espírito da lei.

Mas nem tudo está perdido para os escritórios especializados em ações coletivas. No caso do vazamento de petróleo no Golfo do México ocorrido em 2010, por exemplo, muitos advogados estão trabalhando, com aparente sucesso, em procedimentos que envolvem ações coletivas para coletar bilhões de dólares em indenizações da British Petroleum (BP). A defesa da BP tem se concentrado, até certo ponto, na disputa de responsabilidades com a Transocean e com a Halliburton.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!