Maioridade processual

TST reaprecia caso que se arrasta há 16 anos na Justiça

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5 de março de 2013, 15h00

Mais de uma centena de trabalhadores rurais do interior de São Paulo renovaram, na semana passada, a esperança de receber indenizações reconhecidas pela Justiça do Trabalho há 16 anos, mas que até hoje não lhe foram pagas. O Tribunal Superior do Trabalho voltará a julgar se mantém ou derruba a liminar que impede o desfecho do leilão de uma fazenda, cujo produto arrecadado tem como destino a quitação das dívidas trabalhistas.

O que ocorreu para tanta demora é uma história que se encaixa naquilo que o ministro João Oreste Dalazen chamou de “elevadíssima e insuportável” taxa de congestionamento da execução trabalhista. Segundo dados do ministro, de cada 100 trabalhadores que obtêm ganho de causa, apenas 31 conseguem vencer a fase de execução da decisão. Ou seja, 69% ganham, mas não levam.

O caso dos trabalhadores rurais paulistas pode ser um dos exemplos mais bem acabados desse gargalo. A reapreciação da liminar que impede a execução, concedida em novembro de 2011 pelo ministro Emmanoel Pereira, depende de trâmites burocráticos, como a publicação de uma decisão, e da disposição do ministro de colocar o caso na pauta de julgamentos da Subseção de Dissídios Individuais II (SDI-II) do TST. Por isso, a expectativa é a de que o tribunal volte a se debruçar sobre o processo em breve.

Os trabalhadores, que atuavam na colheita de laranja nas cidades de Ribeirão Bonito, Limeira e São Carlos, ganharam ações trabalhistas contra a empresa Agropecuária Ragazzo entre 1996 e 1997. Os créditos foram homologados pela Justiça nos mesmos anos. A quitação das dívidas dependia do leilão de uma das fazendas do grupo, que fica em Limeira.

Em 2004, a fazenda foi arrematada em leilão, por R$ 3 milhões, pela empresa Famiwi Empreendimento Imobiliário e pelo empresário Aramis Maia Patti. Pouco antes de as dívidas serem quitadas, os trabalhadores se viram em meio a um conflito civil em torno da posse das terras que os impediu de receber seus direitos trabalhistas.

O filho de um dos proprietários das terras, Daniel Ragazzo D’Aloia, questionou o leilão. D’Aloia entrou com processo de remição, conseguiu evitar que os arrematantes tomassem posse da fazenda e, consequentemente, suspendeu a execução da dívida trabalhista. Depois de ganhar o processo em primeira instância e perder o recurso em segunda instância, ele recorreu ao TST.

O primeiro julgamento do caso foi feito pela 5ª Turma do TST, em 2008 — mais de dez anos depois de os trabalhadores terem seus direitos reconhecidos pela Justiça. Por dois votos a um, foi deferida a remição. Os ministros Emmanoel Pereira, relator do caso, e Britto Pereira, acolheram os argumentos de Daniel Ragazzo. Para eles, o filho de um dos sócios da empresa é legítimo para remir bens em execução proposta contra pessoa jurídica. Já o ministro Gelson de Azevedo, que se aposentou há cinco anos, votou contra o pedido. Para ele, nunca se negou a existência de empresa familiar no caso, mas isso não autorizava a remição. De acordo com o ministro, o leilão foi legítimo.

Os arrematantes, então, recorreram à Subseção de Dissídios Individuais I (SDI-I) do TST. Dois anos depois, a seção julgou o caso e derrubou a decisão da 5ª Turma do tribunal. Para a maioria dos ministros, Daniel Ragazzo não tinha legitimidade para retomar a fazenda. Isso porque só é prevista a possibilidade de remição por parente. Ou seja, pessoa física. No caso, as terras pertenciam à empresa Agropecuária Ragazzo, uma sociedade anônima da qual seu pai era um dos diretores. Logo, não haveria relação pessoal a justificar a remição.

Dívida adolescente
Já corria o ano de 2010 e a dívida da empresa com os trabalhadores completava 13 anos de idade. A decisão do TST se tornou definitiva com o trânsito em julgado. Os arrematantes tomariam posse da fazenda comprada em leilão em 2004 e os trabalhadores rurais receberiam seu dinheiro.

Mas o caso sofreu uma nova reviravolta em 2011. O herdeiro da fazenda desistiu de recurso que havia impetrado no Supremo Tribunal Federal e pediu ao ministro Emmanoel Pereira a suspensão da decisão da Justiça do Trabalho de Limeira, que havia determinado a desocupação do imóvel por conta da decisão do próprio TST.

De acordo com Daniel Ragazzo, a concessão da medida cautelar, preparatória de ação rescisória que seria impetrada junto ao TST, se fazia urgente por conta do despacho que determinava a desocupação das terras para que os arrematantes tomassem posse da fazenda. O ministro concedeu a liminar em novembro de 2011 e impediu, mais uma vez, a quitação das dívidas trabalhistas.

Os advogados dos arrematantes, então, contestaram a decisão. Argumentaram que Ragazzo não cumpriu as formalidades exigidas para o pedido. Entre elas, deixou de apresentar a inicial da ação rescisória — ou ao menos uma minuta da ação —, não trouxe aos autos a certidão de trânsito em julgado da decisão que pretendia contestar e deixou de fazer o depósito de 20% do valor da causa. De acordo com os advogados, a Justiça deveria considerar a urgência de forma inversa, já que “finalmente após dez anos seria dada efetividade à decisão judicial que homologou a arrematação”.

O ministro Emmanoel Pereira havia dado dez dias de prazo para que a situação fosse regularizada. Depois disso, deu a liminar. Em maio de 2012, a SDI-II confirmou a decisão do ministro Emmanoel Pereira. Na semana passada, contudo, nova reviravolta no processo reacendeu a esperança dos trabalhadores em receber seu dinheiro. Um dos ministros que participou do julgamento reconheceu seu impedimento. Diante disso, a legitimidade da decisão liminar voltará a ser analisada.

Justiça que tarda
De acordo com o advogado Antônio Luiz Mariano Rosa, que representa cerca de 50 trabalhadores rurais em processos contra a Agropecuária Ragazzo, muitos de seus clientes já são idosos e necessitam do dinheiro para prover necessidades básicas de saúde. “Seus direitos foram reconhecidos e homologados pela Justiça do Trabalho em 1996 e 1997. Não há justificativa para que ainda não tenham recebido aquilo que a Justiça reconheceu”, afirma o advogado.

Mariano Rosa sustenta que os trabalhadores vêm sendo prejudicados sem motivo, já que não precisariam esperar pelo fim do litígio em torno da posse das terras para receber seus créditos trabalhistas. O advogado explica que, em 2004, com o leilão e o início da discussão sobre a propriedade da fazenda, as duas partes tiveram de depositar em juízo o valor pelo qual o imóvel foi arrematado.

O raciocínio é lógico. Há dois depósitos que garantem o pagamento das terras. Basta destinar um deles para a quitação das dívidas trabalhistas e deixar o outro para garantir a discussão jurídica. Aquele que ganhar terá o direito de posse da terra, porque o dinheiro já tem como destino certo a quitação da dívida da empresa com os trabalhadores. Ou seja, seria apenas uma questão de pragmatismo. De qualquer forma, a questão parece, agora, próxima do desfecho.

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